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Neurologia10 março 2023

Demência, uma prioridade de saúde pública

Em 2019, a World Health Organization estimou que 55 milhões de indivíduos no mundo vivem com demência.

Por Danielle Calil

As estimativas para os próximos anos não são das melhores: 78 milhões em 2030 e 139 milhões em 2050. Ademais, a demência é uma das doenças mais relacionadas à incapacidade.

O investimento econômico é elevado para os cuidados em demência e as estimativas são exponenciais ao longo dos próximos anos. Embora 61% da população com demência viva em países de baixa renda, os maiores gastos econômicos são realizados em países de alta renda.

Atualmente, é estimado que 50% do custo global de demência tem relação com trabalho informal, visto que os pacientes com demência necessitam de supervisão e assistência integral. Além disso, vale a pena destacar que com as pesquisas envolvendo biomarcadores e com o incentivo de desenvolvimento de drogas modificadoras de doença, haverá, no futuro, um potencial aumento nos custos médicos diretos de assistência.

Leia também: Fatores de risco para quedas em pacientes com demência

Nessa conjuntura, torna-se claro que as medidas preventivas para demência são necessárias como ação de saúde pública. Em 2020, a comissão da Lancet trouxe dados acerca do impacto da prevenção de demência a partir do foco em fatores de risco modificáveis. Nessa publicação, há um dado com uma revelação incrível: 40% das demências poderiam ser potencialmente preveníveis!

Esse dado relevante foi possível a partir do somatório da PAF (population attributable fraction) ponderada dos 11 fatores de risco modificáveis para demência. A PAF ponderada é considerada a contribuição relativa de cada fator de risco modificável para a PAF geral quando ajustada para a comunidade. Esse cálculo foi possível através de amostra representativa de 10.000 adultos no Reino Unido.

Demência, uma prioridade de saúde pública

Baixo nível educacional

Esse fator de risco, mais presente nas fases iniciais da vida de um indivíduo, possui PAF ponderada estimada em 7,1%.

Sabe-se que o incentivo à educação na infância e o desenvolvimento educacional ao longo da vida são fatores protetores para demência. O benefício de estimulação cognitiva também foi observado em fases mais tardias da vida. Estudos realizados com população idosa (acima de 65 anos) que avaliarem intervenções como incentivo à leitura e à participação em jogos evidenciaram menor risco de evolução para demência.

Hipoacuidade auditiva

É o fator de risco com o maior valor de PAF ponderada para demência, havendo risco estimado em 8,1%. Um estudo cross-sectional com 6.451 indivíduos evidenciou redução de habilidades cognitivas a cada redução de 10 dB na acuidade auditiva.

Traumatismo cranioencefálico

Um dos fatores de risco modificáveis que foi inserido recentemente na comissão de 2020 da Lancet a partir de evidências recentes no risco para demência. A PAF ponderada estimada em TCE para demência foi 3,4%.

Um estudo de coorte com 28.815 adultos com quadro de concussão cerebral encontrou que o risco de demência nessa população dobrou, sendo avaliado que 1 a cada 6 indivíduos desenvolveu demência após follow-up de 3,9 anos. Um dado curioso desse estudo é de que indivíduos sob uso de estatinas apresentaram 13% menor risco de demência quando comparados àqueles sem essa prescrição. Nessa publicação havia sido sugerida a formulação de ensaios clínicos que possam estudar efeitos de sinvastatina na redução de neuroinflamação.

Hipertensão arterial

Possui PAF ponderada estimada em 1,9%.

A persistência de hipertensão arterial na vida adulta possui associação de risco com desenvolvimento futuro de demência. Em estudo de coorte com 1.440 indivíduos, pacientes com pressão sistólica elevada (≥ 140mmHg) apresentaram maior risco para desenvolvimento de demência em follow-up de 18 anos.

O ensaio SPRINT com 9.361 indivíduos hipertensos foi interrompido precocemente após desfechos significativos quanto a redução de eventos cardiovasculares e de óbitos no grupo com controle de pressão arterial intensiva. Na avaliação de desfechos secundários do estudo, em que avaliaram variáveis como cognição, foi demonstrado uma possibilidade de redução de risco de comprometimento cognitivo através do controle pressórico.

Álcool

O consumo de álcool foi outro fator de risco modificável inserido nessa publicação a partir de evidências atualizadas. A PAF ponderada desse fator foi estimada em 0,8%.

Foi demonstrado que a ingestão pesada de bebidas alcoólicas possui relação com alterações encefálicas estruturais, comprometimento cognitivo e demência. A ingesta acima de 21 unidades de álcool por semana e abstinência de longo prazo ao álcool foram associadas a um aumento de 17% em demência quando comparado a indivíduos com consumo abaixo de 14 unidades. O consumo de álcool acima de 14 unidades/semana teve também associação com atrofia hipocampal direita a partir de exames de ressonância magnética.

Obesidade

Obesidade é uma doença epidêmica em decorrência das mudanças no padrão alimentar da população em geral. Na comissão da Lancet em 2020, foi evidenciado que a obesidade possui PAF estimada em 0,7% para demência.

Em revisão sistemática de 19 estudos longitudinais, foi observada associação de aumento de IMC com demência. Há também outro estudo de metanálise com 7 ensaios clínicos (468 participantes) e com 13 estudos longitudinais (551 participantes) apresentando adultos obesos com média de 50 anos em que a perda ponderal acima de 2 kg foi associada à melhora cognitiva em domínios de atenção e de memória. Nessa metanálise, vale constar que essas melhoras foram notadas em curto prazo, não existindo ainda dados sobre efeitos de longo prazo em contexto de emagrecimento.

Tabagismo

A PAF ponderada estimada desse fator de risco é 5,2%.

Tabagismo possui maior risco para demência ao comparar com não tabagistas de acordo com alguns estudos. Foi evidenciado também que essa população possui maior risco de óbito prematuro antes da idade que esses indivíduos poderiam desenvolver demência. Dessa forma, há ainda uma incerteza na associação dessas variáveis.

Depressão

É fator de risco com PAF ponderada de 3,9%. É interessante que a depressão, ao mesmo tempo que possui associação com aumento na incidência de demência, também faz parte como sintoma inicial do seu espectro clínico.

Em metanálise de 32 estudos, com 62.598 participantes e follow-up de 2-17 anos, episódio depressivo teve associação de risco com demência.

Saiba mais: Quando considerar a atrofia cerebral como doença?

Isolamento social

O contato e a interação social, atualmente definidos como fator protetor de demência, proporcionam um estímulo à reserva cognitiva. O isolamento social é fator de risco com PAF ponderada estimada em 3,5%.

Em revisão sistemática e metanálise com 812.047 participantes, foi demonstrado aumento no risco de demência em indivíduos que viveram solteiros ou viúvos ao comparar com indivíduos casados. A partir de outra revisão sistemática e metanálise com avaliação de 51 estudos de coorte longitudinais, houve evidências de que o alto contato social (seja por atividade social ou network pessoal) possibilitou melhoria em função cognitiva tardia.

Sedentarismo

O sedentarismo apresentou PAF ponderada de 1,6%. Estudos com estímulos ao exercício físico demonstraram redução na evolução de processos demenciais. Em metanálise de estudos observacionais longitudinais com duração entre 1-21 anos, o exercício teve associação com redução no risco de demência.

Diabetes mellitus

Diabetes mellitus (DM) é uma doença que possui associação com aumento do risco de qualquer demência, sendo a PAF ponderada estimada em 1,1%.

Distinguir o risco de evolução para demência entre indivíduos com bom controle ou mau controle de DM é descrito como desafiador em estudos observacionais. É incerto se os medicamentos antidiabéticos são capazes de atenuar esse risco.

Poluição aérea

Poluição aérea já foi associado a desfechos ruins em saúde. É também fator de risco recentemente incluso nessa avaliação da Lancet, com PAF ponderada estimada em 2,3%.

Em revisão sistemática realizada através de 13 estudos longitudinais com 1-15 anos de follow-up, a concentração elevada de dióxido de nitrogênio (NO2), de material articulado fino (PM2.5) e de monóxido de carbono (CO) apresentaram associação com aumento na incidência de demência.

Mensagem final

A prevenção de demência é uma medida de impacto na saúde pública. Foi demonstrado que 40% das demências poderiam ser potencialmente preveníveis se houver intervenção em fatores de risco modificáveis.

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Referências bibliográficas

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