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Neurologia15 abril 2025

Demência: Seria a vacina contra herpes zóster capaz de prevenir a doença? 

Estudo analisou os registros de saúde do País de Gales sobre idosos beneficiados vacinados contra o herpes zóster
Por Raissa Moraes

As mortes devido à doença de Alzheimer, a causa mais comum de demência, praticamente dobraram nos últimos 30 anos e devem aumentar com o envelhecimento da população. Apesar dos enormes impactos econômicos e de saúde da doença de Alzheimer, faltam tratamentos eficazes e medidas preventivas, em parte porque não houve uma compreensão definitiva do que causa a doença. Evidências recentes apontam que vírus da família herpes podem estar envolvidos no desenvolvimento da doença de Alzheimer. Assim, levantou-se a possibilidade de que vacinas contra esses vírus possam atuar prevenindo ou retardando a demência. No entanto, provar essa hipótese é difícil porque requer grandes ensaios randomizados de vacinas em indivíduos sem doença de Alzheimer. Esses ensaios são caros e requerem anos de acompanhamento para estabelecer se a demência ocorre em taxas mais baixas naqueles que são vacinados contra herpes zóster do que naqueles que não são.  

Eyting e associados resolveram, então, testar essa hipótese em um “experimento natural” em larga escala utilizando os dados de vacinação contra herpes zóster do sistema de saúde do País de Gales. A partir de 1º de setembro de 2013, as pessoas nascidas em ou após 2 de setembro de 1933 tornaram-se elegíveis para receber a vacina, enquanto as nascidas antes dessa data não eram elegíveis. Isso criou um experimento natural no qual a população foi aleatoriamente dividida entre dois grupos de indivíduos com idades e origens quase idênticas.  

Metodologia 

Foi usado o mesmo sistema eletrônico para rastrear diagnósticos de demência durante um período de sete anos, comparando as taxas de diagnóstico entre indivíduos cujo 80º aniversário caiu algumas semanas após 1º de setembro de 2013 (elegível para vacina) ou algumas semanas antes (vacina inelegível). A análise revelou uma redução significativa nos novos diagnósticos de demência naqueles elegíveis para vacinação. Depois de contabilizar o fato de que nem todos os que se qualificaram para a vacina a receberam, os autores estimaram que a vacinação levou a uma redução relativa de 20% no risco de demência. 

Os pesquisadores também exploraram se outras intervenções de saúde ou variáveis de confusão poderiam explicar o efeito observado. Por exemplo, e se os indivíduos nascidos logo após 2 de setembro de 1933 também fossem elegíveis para outros cuidados médicos além da vacina contra herpes zoster?  

Eles não encontraram evidências de que isso fosse verdade. 

Além disso, eles também consideraram se suas descobertas poderiam ser atribuídas ao aumento do uso de cuidados de saúde entre indivíduos inelegíveis para a vacina, que eram mais propensos a desenvolver herpes zoster do que aqueles que foram vacinados. Por ser muito doloroso, o herpes-zóster faz com que os pacientes procurem mais o serviço de saúde.  

Dessa forma, os médicos teriam mais oportunidades de diagnosticar demência nos indivíduos inelegíveis para a vacina (viés de verificação). Se fosse esse o caso, as taxas de demência seriam mais altas no grupo inelegível para a vacina, embora não fossem de fato mais altas. Os autores encontraram apenas pequenas diferenças no uso de cuidados de saúde entre os grupos, descartando essa possibilidade. 

Demência: Seria a vacina contra herpes zóster capaz de prevenir a doença? 

Como, então, a vacinação contra o herpes zóster pode reduzir o risco de demência? Os autores propõem três mecanismos: 

  • A primeira é que um episódio de herpes zóster pode ser tratado com medicamentos que aumentam o risco de demência, como opioides. A vacina contra herpes zóster poderia, então, reduzir o risco de demência ao reduzir o uso de opioides. Entretanto, ao analisar se aqueles elegíveis para a vacina contra herpes zóster tinham menor uso de qualquer um dos mais de 200 medicamentos, incluindo opioides, que foram associados a um risco aumentado de demência, eles não encontraram reduções clinicamente significativas a longo prazo.  Portanto, a menor taxa de demência observada entre as pessoas elegíveis para a vacina não foi porque usaram menos medicamentos suspeitos de aumentar o risco de demência. 
  • Em segundo lugar, os autores propuseram que a diminuição na reativação do vírus varicela zóster poderia diminuir o risco de demência. Isso pode ocorrer se o vírus for diretamente tóxico para os neurônios ou promover uma resposta inflamatória generalizada no sistema nervoso que seja neurotóxica, ou ambos. Acredita-se que a reativação do vírus cause deposição de β amiloide, agregação da proteína tau e danos vasculares — principais características da doença de Alzheimer. Os autores encontraram evidências sugestivas para esse mecanismo: houve taxas mais altas de demência naqueles que tiveram vários episódios de herpes zóster (indicativo de reativação viral repetida) e taxas mais baixas de demência naqueles que receberam medicação antiviral (que reduz a atividade viral) durante o episódio de herpes zóster. 
  • Em terceiro lugar, os pesquisadores teorizaram que a vacina contra herpes zóster pode reduzir o risco de demência, independentemente de qualquer efeito que tenha na reativação do vírus varicela zóster. De acordo com essa teoria, a vacina reduziria o risco de demência criando uma resposta imune generalizada que reduz a neuroinflamação causada por algo diferente do vírus varicela zóster. Essa teoria é difícil de testar, mas os autores apresentam várias descobertas que apoiam esse efeito. Por exemplo, os autores apontam que alterações imunológicas induzidas por vacinas são mais comuns em mulheres que em homens e na população avaliada, a vacina reduziu muito mais o risco de demência em mulheres. 

Conclusão 

O trabalho de Eyting e seus colegas avançou a compreensão dos cientistas sobre o que causa a demência e dá suporte à teoria de que o vírus varicela zóster pode ser um dos muitos fatores relacionados à condição. As descobertas não são conclusivas, mas os próximos passos são testar mais detalhadamente as hipóteses levantadas usando experimentos laboratoriais e clínicos.

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