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Neurologia23 dezembro 2025

CREST-2: Novas evidências no tratamento da estenose carotídea assintomática grave 

Estudo investigou se o uso do stent carotídeo ou endarterectomia traz benefícios adicionais na prevenção de AVC em pacientes com estenose carotídea grave assintomáticos
Por Danielle Calil

A estenose carotídea assintomática de alto grau (≥70%) permanece uma das áreas mais controversas da prevenção de AVC. Embora ensaios das décadas de 1990 e 2000 tenham demonstrado benefício da endarterectomia versus terapia médica clínica, grandes avanços no controle de fatores de risco cardiovasculares, no tratamento clínico intensivo e nas técnicas de revascularização exigiam reavaliação dessas evidências.

O estudo CREST-2, composto por dois ensaios clínicos paralelos, publicado em novembro na New England Journal of Medicine, investigou se adicionar stent carotídeo ou endarterectomia a manejo clínico intensivo traz benefícios adicionais na prevenção de AVC em pacientes com estenose carotídea grave assintomáticos — questão de relevância direta para neurologistas, cirurgiões vasculares e cardiologistas intervencionistas.

Métodos

O CREST-2 trial foi estudo composto por dois ensaios clínicos randomizados realizados de forma paralelas, cujos participantes foram recrutados em 155 centros na Austrália, Canadá, Israel, Espanha e Estados Unidos.

Foram considerados elegíveis pacientes com ≥ 35 anos que não tivessem histórico de acidente vascular cerebral (AVC), ataque isquêmico transitório (AIT) ou amaurose fugaz no território carotídeo nos 180 dias anteriores à randomização, além da presença de estenose carotídea de pelo menos 70%. Foram excluídos pacientes com histórico de AVC incapacitante, angina instável ou fibrilação atrial que exigisse anticoagulação.

O grupo intervenção no primeiro ensaio clínico foi composto por terapia endovascular (stent carotídeo) + terapia médica intensiva (TMI). Já o grupo intervenção do ensaio clínico paralelo foi submetido à endarterectomia carotídea + TMI.

Para ambos os ensaios, o grupo controle consistia nos participantes serem submetidos à TMI que incluía as seguintes metas estritas: (1) Controle pressórico com pressão arterial sistólica < 130 mmHg, (2) Controle lipídico com alvo de LDL < 70 mg/dL, (3) Cessação do tabagismo, (4) Controle glicêmico, (5) Atividade física regular e coaching estruturado.

O seguimento dos participantes consistiu em avaliações presenciais que ocorreram 12 a 36 horas após o procedimento de revascularização; 44 dias após; 4, 8 e 12 meses e depois a cada 6 meses, até 48 meses. O seguimento incluía: revisão da história clínica, escala de Rankin modificada, escala NIHSS e revisão laboratorial.

O desfecho primário foi avaliado de forma composta, contemplando presença de AVC ou óbito entre randomização e 44 dias (periprocedimento) ou presença de AVC isquêmico ipsilateral durante o seguimento de até 4 anos. Já na avaliação de desfecho de segurança, todos os eventos adversos foram reportados pelos centros ao monitor médico independente e eventos graves e inesperados tinham notificação obrigatória em até 24 horas.

Resultados

No ensaio de stent, 1.245 participantes foram randomizados e acompanhados por uma mediana de 3,6 anos (sendo o primeiro paciente randomizado em 2014 e último em julho/25). Já no ensaio de endarterectomia, 1.240 participantes foram randomizados e acompanhados por uma mediana de 4,0 anos (sendo primeiro paciente randomizado em 2014 e último em setembro/24). As coortes de ambos os ensaios apresentaram perfis demográficos e fatores de risco semelhantes, compatíveis com a população geral com estenose carotídea assintomática.

Na avaliação de desfecho primário, no ensaio clínico referente à intervenção endovascular (stent carotídeo + TMI):

Incidência de eventos do desfecho primário em 4 anos: 6,0% (IC 95%, 3,8 – 8,3) no grupo controle (TMI) vs 2,8% (IC 95%, 1,5 – 4,3) no grupo intervenção – Redução absoluta de risco (RAR): 3,2 (p=0,02) e NNT ≈ 31

Presença de AVC ou óbito do dia 0 ao dia 44 pós-randomização: nenhum no grupo controle vs 7 AVCs vs 1 óbito no grupo intervenção.

Na avaliação de desfecho primário, no ensaio clínico referente à intervenção cirúrgica (endarterectomia carotídea + TMI):

Incidência de eventos do desfecho primário em 4 anos: 5,3% (IC 95%, 3,3 – 7,4) no grupo de terapia clínica vs 3,7% (IC 95%, 2,1 – 5,5) no grupo intervenção – Redução absoluta de risco (RAR): 1,6 (p=0,24)

Presença de AVC ou óbito do dia 0 ao dia 44 pós-randomização: 3 AVCs ocorreram no grupo controle vs 9 AVCs ocorreram no grupo intervenção.

Ao avaliar desfechos secundários, todos os grupos de tratamento, incluindo os grupos de terapia médica intensiva isolada (controles), apresentaram baixas taxas de AVC incapacitante.

No ensaio de stent, os eventos adversos graves mais comuns foram necessidade de revascularização carotídea, que ocorreu em 118 pacientes (18,8%) no grupo controle e em 29 (4,7%) no grupo intervenção, e óbitos, que ocorreram em 69 (11,0%) e 48 (7,8%), respectivamente. Por sua vez, no ensaio de endarterectomia, os eventos adversos graves mais comuns foram necessidade de revascularização carotídea, registrada em 131 pacientes (21,0%) no grupo controle e em 44 (7,1%) no grupo intervenção, e óbitos, que ocorreram em 60 (9,6%) e 54 (8,8%), respectivamente.

Comentários: tratamento da estenose carotídea assintomática grave

O CREST-2 redefine o manejo da estenose carotídea assintomática, trazendo conclusões distintas para stent e endarterectomia. No ensaio clínico com intervenção endovascular (stent carotídeo) houve benefício significativo ao reduzir taxas de AVC ipsilateral nos anos seguintes embora apresentasse maior risco periprocedimento. Por outro lado, no ensaio clínico com intervenção cirúrgica (endarterectomia carotídea) não houve benefício significativo do ponto de vista estatístico embora a curva de eventos favorecesse numericamente a cirurgia.

Ainda assim, é importante ter cautela ao interpretar que os resultados presentes no CREST-2 reflitam uma indicação ampla de terapia endovascular em estenose carotídea assintomática. Em primeiro lugar, a baixa taxa de AVC com o grupo de terapia endovascular (stent) reflete seleção rigorosa de pacientes e intervencionistas altamente experientes (condições que não estão disponíveis em todos os centros vasculares). Ensaios anteriores que compararam stent com endarterectomia, inclusive, não demonstraram tais resultados. Segundo, a diferença entre stent e tratamento clínico baseou-se em um número pequeno de eventos; os autores relatam que, se apenas três eventos adicionais tivessem ocorrido no grupo stent (intervenção), a diferença deixaria de ter sido significativa. E, por fim, o tratamento clínico otimizado pode ser ainda mais intensificado, como os próprios autores do CREST-2 reconhecem. Durante o seguimento no CREST-2, apenas 60% a 70% dos pacientes apresentavam pressão arterial sistólica dentro da meta (<130 mmHg), menos de 80% tinham o colesterol LDL.

Portanto, a escolha entre TMI isolada, stent ou endarterectomia dependerá de: risco cirúrgico individual, anatomia carotídea, disponibilidade de operadores experientes, expectativa de vida e preferência do paciente.

O CREST-2 possui limitações. Embora os avaliadores do desfecho clínico no estudo tenham sido cegados, pacientes e médicos assistentes não. No decorrer do ensaio clínico, houveram mudanças na prática de terapia médica intensiva de fatores de risco cardiovasculares (que poderia, ter reduzido ainda mais as taxas de AVC e negar qualquer adicional benefício da revascularização) como, por exemplo, o advento dos inibidores PCSK9 como nova opção para a redução dos níveis de colesterol LDL e novas farmacoterapias altamente eficazes para diabetes e obesidade. Além disso, a revascularização foi realizado apenas por profissionais bem treinados e certificados, operadores de alto volume, de modo que os resultados do CREST-2 podem não refletir a prática clínica de forma mais ampla.

Atualmente, segue em andamento o follow-up de longo prazo desse estudo (assim como ocorreu também no estudo CREST), de modo que os desfechos de longo prazo das intervenções (seja stent ou endarterectomia carotídea), comparados à TMI, possam ser melhor avaliados.

Mensagem prática

  • Terapia médica intensiva é a base do tratamento — controle rigoroso de PA, LDL, glicemia e estilo de vida reduz substancialmente o risco.
  • Stent carotídeo transfemoral + TMI mostrou benefício significativo, com NNT de 31, mas exige expertise e cautela nessa decisão.
  • Endarterectomia + TMI não demonstrou vantagem estatística sobre TMI isolada.
  • Discussão compartilhada é essencial para condução individualizada do paciente assintomático com estenose ≥70%.
  • Estudos subsequentes (extensão do CREST-2) avaliarão desfechos ainda mais longos e características de placa que poderiam selecionar pacientes com maior benefício potencial.

Autoria

Foto de Danielle Calil

Danielle Calil

Médica formada pela Universidade Federal Fluminense em 2016. ⦁ Neurologista pela Universidade Federal do Rio de Janeiro em 2020. ⦁ Fellow em Anormalidades do Movimento e Neurologia Cognitiva pelo Hospital das Clínicas da UFMG em 2021. ⦁ Atualmente, compõe o corpo clínico como neurologista de clínicas e hospitais em Belo Horizonte como o Centro de Especialidades Médicas da Prefeitura de Belo Horizonte, Hospital Materdei Santo Agostinho e Hospital Vila da Serra.

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