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Neurologia23 setembro 2024

Como reconhecer demências com rápida progressão de causas reversíveis? 

Estudo buscou formas de melhorar o reconhecimento oportuno de pacientes com causas tratáveis para demências rapidamente progressivas (DPR).
Por Danielle Calil

As demências rapidamente progressivas (DRPs) são aplicadas em pacientes que progridem dos primeiros sintomas para demência em intervalo de tempo em menos de 1 ano ou evolui para incapacidade completa em menos de 2 anos. Ainda que as DRPs sejam raras, englobando 3-4% dos casos, efetuar uma abordagem minuciosa é importante visto que uma parcela dos seus diagnósticos diferenciais é potencialmente tratável. 

Leia também: A poluição do ar: Fator de risco na demência?

Em 2024, a revista Annals of Neurology publica pesquisa original que fornece dados para aprimorar o reconhecimento precoce de causas potencialmente tratáveis desse grupo de doenças. 

Como reconhecer demências com rápida progressão de causas reversíveis? 

Imagem de freepik

Métodos 

Trata-se de estudo observacional prospectivo conduzido na Mayo Clinic entre fevereiro de 2016 e agosto de 2022.  

Foram incluídos pacientes com suspeita de demências rapidamente progressivas e com idade acima de 18 anos. Por outro lado, foram excluídos indivíduos com comprometimento cognitivo atribuído a causas óbvias (ex.: acidente cerebrovascular, encefalite infecciosa fulminante, traumatismo cranioencefálico etc). No total, 226 participantes foram incluídos no estudo. 

Os participantes foram avaliados do parâmetro a partir de avaliação clínica (ao ser aplicada gravidade funcional através da escala global Clinical Dementia Rating), de dados clínicos em geral (crises epilépticas, anormalidades do movimento, sintomas neuropsiquiátricos etc), de exames complementares realizados (neuroimagem, eletroencefalograma, análise liquórica etc). Todos os dados dos participantes foram revisados de modo independente por dois neurologistas especializados que avaliaram a etiologia do processo demencial. 

Além de avaliarem o diagnóstico clínico, os neurologistas revisores responderam três principais questionamentos necessários para acessar o diagnóstico possível de encefalite autoimune, como: 1) “Houve déficit de memória de curto prazo ou alteração de nível de consciência ou sintomas psiquiátricos subagudo (em menos de três meses)?”, 2) “Houve pelo menos um dos achados clínicos como alteração focal de sistema nervoso central, pleocitose em líquor (CSF > 5 células/mm³) ou achados em RM de encefalite?” e 3) “Outras causas de comprometimento cognitivo foram excluídas?”. 

Os participantes foram submetidos a testes laboratoriais de acordo com as indicações clínicas, incluindo biomarcadores para doença de Alzheimer e teste para doença priônica com real-time quaking-induced conversion assay (RT-QuiC).  

Resultados 

Entre os 226 participantes com suspeitas de DRPs, um total de 155 participantes (68.6%) apresentaram critérios definitivos para DRPs e, logo, incluídos na análise. A amostra apresentava idade média de 68,9 anos, sem preferência de gênero, com raça predominantemente não-hispânica.  

Causas potencialmente tratáveis de DRPs foram encontradas na maioria, isto é, em 86/155 (55,5%) dos participantes. O acesso clínico das DRPs potencialmente tratáveis ocorreu em mediana de 2,05 meses após início dos sintomas, uma duração menor do que pacientes com DRPs de causas não tratáveis que ocorreu em mediana de tempo de 6,8 meses.  

As três principais causas de demência rapidamente progressiva (potencialmente tratáveis ou não) na amostra total foram: (1) doenças autoimunes (52/155; 33,5%), (2) etiologias neurodegenerativas não-priônicas (24/155; 21,9%) e doença priônica provável (25/155, 16,1%). 

Um total de 16 características foram identificadas na apresentação clínica da amostra que estiveram associadas às causas potencialmente tratáveis em análises univariadas. Após essa análise inicial, regressões multivariadas foram aplicadas, controlando tempo do início dos sintomas e gênero, de modo que que 6 características foram variáveis independentes para serem associadas a causas potencialmente tratáveis como: (1) Crises epilépticas (OR 7,07, IC 95% 2,26-22,17, p < 0,001); (2) Presença de doença associada a neoplasia (OR 11,64, IC 95% 2,04-66,51, p = 0,006), (3) RM crânio sugestiva de encefalite imunomediada (OR 22,69, IC 95% 2,41-213,44, p = 0,006), (4) Mania (OR 15,3, IC 95% 1,46-160,69, p = 0,023), (5) Anormalidades do Movimento (OR 4,73, IC 95% 1,73-12,48, p = 0,002) e (6) Pleocitose no líquor com ≥ 10 células/mm³ (OR 19,78, IC 95% 3,59-109,1, p < 0,001). A integração da idade como variável binária (idade abaixo de 50 anos) proporcionou um reconhecimento precoce dos pacientes com causas tratáveis de DRP.  

O resultado dessa análise possibilitou uma ferramenta de predisposição clínica para avaliar causas tratáveis de demências rapidamente progressivas, o mnemônico STAM₃P. A partir dessa ferramenta, cada variável equivale a 1 ponto: idade abaixo de 50 anos, presença de crises epilépticas, mania, RM com achados sugestivos de encefalite imunomediada, anormalidades do movimento e pleocitose). A detecção de pelo menos uma dessas características foi capaz de captar 82/155 (95.3%) dos participantes com DRPs potencialmente tratáveis. Participantes com STAM₃P ≥ 3 apresentaram causas potencialmente tratáveis e, portanto, esse valor apresentou ótimo valor preditivo positivo.  

Saiba mais: Relação entre distúrbios de sono e doença de Alzheimer 

Comentários: detecção de demências rapidamente progressivas (DRPs)

A detecção de qualquer uma das características presentes no STAM₃P apresentou valor preditivo positivo (VPP) de 75,9% para identificação de causas potencialmente reversíveis. Em caso da presença de 2 características da mesma ferramenta, o VPP aumentava para 91,3%; e em caso de presença de ≥ 3 características, para 100%. 

É importante destacar que a ferramenta STAM₃P deve ser aplicada à avaliação de pacientes com demências rapidamente progressivas, nas quais causas como acidente cerebrovascular, infecção ou traumatismo cranioencefálico já tenham sido excluídos através de anamnese, exame físico, neuroimagem de rotina e exames para infecção. 

Esse estudo norte-americano encontrou como as principais causas de demências potencialmente tratáveis as encefalites imunomediadas. Contudo, vale a pena enfatizar que em países em desenvolvimento, como o Brasil, uma etiologia contribuinte para o grupo de DRPs potencialmente tratáveis são as neuroinfecções.

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Referências bibliográficas

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