A atrofia muscular espinhal (AMS) é distúrbio autossômico recessivo causado por variantes bialélicas no gene SMN1, afetando aproximadamente 1 a cada 15 mil nascimentos. É doença caracterizada por disfunção irreversível dos neurônios motor alfa presentes na medula espinhal e no tronco encefálico, gerando fraqueza muscular progressiva e atrofia. A AMS resulta em uma ampla variedade clínica. Historicamente, antes das terapias modificadores de doença, a AMS era classificada em tipos definidos de acordo com idade de início dos sintomas e máximo função motora alcançada.
Atualmente, há três drogas modificadoras de doença (DMT) para essa condição: (1) Nusinersen (Spinraza, Biogen, Cambridge, MA), (2) Onasemnogene abeparvovec-xioi (Zolgensma, Novartis Gene Therapies, Bannockburn, IL) e (3) Risdiplam (Evrysdi, Genentech / Roche, South San Francisco, CA), sendo aprovadas por agências reguladoras de saúde de modo heterogêneo de acordo com cada país. Entre tais drogas, no Brasil, a Anvisa realizou a aprovação das drogas Spinraza e Zolgensma.
Tais terapias resultaram numa mudança dramática na história natural de AMS ao longo de todas as idades. Nesse contexto, em casos de suspeita de AMS deve-se proceder a (1) diagnóstico genético acurado, com inclusão de quantificação do número de cópias de SMN2 em indivíduos sintomáticos e pré-sintomáticos e (2) rápida implementação do tratamento.
Considerando a disponibilidade de 3 DMTs para crianças abaixo de 2 anos e de 2 DMTs para indivíduos acima dessa faixa etária, compreender o risco-benefício de cada terapia com intuito de selecionar a melhor droga para um cenário específico requer informações coletados em pesquisas com dados da “vida real”. Sendo assim, a Neurology Clinical Practice publica nesse ano uma atualização sobre recomendações das melhores práticas de tratamento na atrofia muscular espinhal.
Métodos
Uma revisão sistemática da literatura foi conduzida desde novembro de 2021 para compreender o rastreio diagnóstico e terapêutico de AMS ao longo dos últimos 10 anos. Inicialmente foram identificados 1.347 registros na base de dados, mas, após remoção de duplicadas e avaliação de critérios de inclusão/exclusão, 90 artigos foram selecionados.
As recomendações de melhores práticas dessa publicação foram fruto de discussão através de especialistas na área (Health Care Provider Working Group) e, posteriormente, alguns questionamentos também foram realizados para um grupo composto por indivíduos com AMS e cuidadores (Community Working Group) a fim de coletar sua perspectiva.
Os membros do Health Care Provider Working Group consistiram em 18 participantes (3 neurologistas europeus, 12 norte-americanos e 1 pediátrico intensivista norte-americano) e 2 membros da Cure SMA sendo estes últimos responsáveis pela moderação das discussões e sem poder de voto nas decisões. O consenso das recomendações por especialistas ocorreu por meio da técnica de Delphi modificado. Resultados de discussões com mais de 90% de respostas acordadas foram consideradas altamente significativas, enquanto entre 80-89% são considerados significativos.
Drogas vigentes para atrofia muscular espinhal
As três DMTs aprovadas pela US Food and Drug Administration (FDA) e pela European Medicines Agency (EMA) são: nusinersen, onasemnogene abeparvovec-xioi (OA) e risdiplam.
Nusinersen (Spinraza, Biogen, Cambridge, MA) é um oligopeptídeo antisense aprovado em 2016 nos EUA e em 2017 na Europa e em outros países. A sua atuação ocorre através da transcrição do gene SMN2 para alterar o splicing do RNA pré-mensageiro (pré-mRNA), resultando em maior inclusão do éxon 7 proporcionando, logo, uma produção completa da proteína SMN. A sua prescrição é via intratecal com 4 doses de ataque durante 2 meses prosseguida por dose de manutenção 1 vez a cada 4 meses.
Por sua vez, a Onasemnogene abeparvovec-xioi (Zolgensma, Novartis Gene Therapies, Bannockburn, IL) foi aprovada em 2019 nos EUA e em 2020 na Europa e em outros países. Trata-se de terapia na qual fornece um gene SMN1 funcional através de um transgene empacotado em vetor adenoviral associado ao sorotipo 9 (AAV9). É administrado em dose única intravenosa em bebês e em crianças pequenas, de acordo com as orientações de agências governamentais de saúde em cada país.
Já a Risdiplam (Evrysdi, Genentech / Roche, South San Francisco, CA) é pequena molécula que funciona como um modulador de SMN2 que proporciona o aumento de inclusão do éxon 7 na transcrição do mRNA proporcionando produção completa da proteína SMN. Foi aprovado em 2020 nos EUA e em 2021 na Europa, na qual tiveram indicações ampliadas em 2022 e em 2023 respectivamente. É um líquido enteral administrado via oral ou via sonda de alimentação uma vez ao dia.
Barreiras no tratamento
O tratamento de AMS apresenta algumas barreiras que são descritas na publicação. A principal trata-se do acesso a essas terapias que em geral apresentam alto custo financeiros e nas quais os regulamentos para acesso são definidos a depender das agências governamentais de saúde de cada país.
Em casos de paciente suspeitos ou recém-diagnosticados com AMS é importante no requisito de preencher algumas metas, entre elas, avaliar a condição clínica do paciente e proceder ao diagnóstico efetivo a fim de iniciar o tratamento, na qual o tempo de início dessa terapia é crítico para todos os pacientes (mas principalmente para àqueles com 2 cópias de SMN2) devido ao curso natural da doença possibilitar perda neuronal motora irreversível e progressiva.
Outro entrave discutido é sobre os efeitos de eficácia em longo prazo dessas terapias que são desconhecidos e podem contribuir para expectativas subjetivas de pacientes e cuidadores. Portanto, o gerenciamento dessas expectativas entre o corpo clínico com pacientes e cuidadores é essencial para proporcionar uma relação colaborativa e que possa melhor compartilhar o processo de decisão do cuidado.
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Recomendações realizadas pelo HCPWG
O grupo centra as boas práticas em seis principais recomendações.
- Recomendação 1: Ao considerar início/troca/associação do tratamento em AMS é imprescindível incluir a perspectiva do paciente e da família e do perfil de segurança e efeitos adversos da medicação (89% de consenso significativo entre HCPWG).
- Recomendação 2: Características como o número de cópias de SMN2 e a faixa etária são características do paciente com AMS importantes para guiar o tratamento (100% de consenso entre HCPWG).
- Recomendação 3: O status clínico do paciente com AMS (comorbidades, anatomia de coluna vertebral, funcionalidade etc.) direciona o processo de decisão clínica sobre o manejo do caso (100% de consenso entre HCPWG).
- Recomendação 4: Ao considerar a possibilidade de troca do medicamento para AMS (exceto em casos de indicação URGENT), é recomendado monitoramento entre 6-12 meses do uso da medicação com os desfechos do paciente antes de efetivar essa troca (89% de consenso significativo entre HCPWG). As indicações URGENT, que possibilitam a troca antes desse prazo (100% de consenso entre HCPWG), se referem a: efeitos colaterais significativos não toleráveis ao paciente, via de administração do medicamento impossibilitada, progressão de doença significativa determinada pelo médico ou paciente/cuidador, perda de marcos motores (em casos de crianças).
- Recomendação 5: Fatores que guiam o processo de decisão clínica no tratamento de pacientes com AMS: intolerância ao tratamento, qualidade de vida, custo x benefício, efeitos adversos à terapia, perda de funcionalidade, preocupações reprodutivas, gestação, progressão de doença a despeito do tratamento e perspectiva do paciente (esses fatores foram selecionados em ordem percentual decrescente de importância pelo HCPWG).
- Recomendação 6: O acesso ao cuidado coordenado e multidisciplinar é essencial para garantir uma boa assistência no tratamento de pacientes que vivam com AMS. Inclusive, o CWG identificou a importância de pacientes e cuidadores receberem acesso sobre: informações sobre AMS e terapias disponíveis, compreender o processo e expectativa entre as terapias disponíveis, visitas de rotina de serviços especializados em AMS com equipe multidisciplinar, coordenar estudos de monitoramento laboratorial associados com tratamento de AMS e acesso aos serviços de suporte da comunidade.
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