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Neurologia25 abril 2025

Anvisa aprova donanemabe para doença de Alzheimer: Quais as evidências? 

Neste artigo, discutiremos o que se sabe sobre o donanemabe, tratamento para Alzheimer aprovado recentemente pela Anvisa,
Por Danielle Calil

A doença de Alzheimer (DA) é principal causa de demência neurodegenerativa no mundo, sendo estimada prevalência em torno de 60-80% dos casos. Em 2019, a Organização Mundial de Saúde (OMS) estimou que 55 milhões de indivíduos no mundo viviam com demência. O donanemabe, sob o nome comercial de Kisunla, recebeu aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para doença de Alzheimer. É a primeira droga modificadora de doença aprovada no país, trazendo uma nova perspectiva terapêutica dessa condição. 

O Kisunla é anticorpo monoclonal com alvo para terminal N truncado da proteína beta-amiloide, forma insolúvel e presente apenas em placas amiloides cerebrais. Portanto, é imunoterapia monoclonais direcionadas à proteína Aβ, envolvida na fisiopatologia dessa doença, que favorece mecanismos de depuração dos peptídeos Aβ para fora do cérebro. 

Evidências sobre o donanemabe 

As aprovações por agências regulatórias para essa droga, como o FDA, iniciaram após divulgação dos resultados do ensaio clínico de fase 3 TRAILBLAZER-ALZ 2, publicado em 2023 na JAMA. 

O TRAILBLAZER-ALZ 2 trial foi ensaio clínico de fase 3, randomizado, controlado por placebo, responsável por investigar eficácia e segurança do donanemabe em indivíduos com DA sintomática inicial (CCL ou demência em estágio leve). O grupo intervenção foi subdividido conforme grau de patologia tau (baixa, média ou alta).  

Considerando o desfecho primário, o subgrupo de participantes com baixa-média carga de patologia tau do grupo intervenção apresentou redução de 35,1% no declínio cognitivo através da escala iADRS (integrated Alzheimer Disease Rating Scale) comparado ao grupo placebo após 76 semanas. Já considerando os participantes com qualquer grau de intensidade de patologia tau (baixa, média ou alta) do grupo intervenção, a redução do declínio também foi observada ainda que em menor magnitude comparado ao placebo (22,3%). 

Um dos principais desfechos de segurança avaliados no estudo foi o efeito de ARIA (Amyloid Related Imaging Abnormalities), evento adverso comum a essas terapias antiamiloide, em que pode ocorrer uma predisposição à inflamação no ambiente extracelular, levando à presença de edema (ARIA-E) ou a depósito de hemossiderina (ARIA-H). 

No TRAILBLAZER-ALZ 2 trial, ARIA-E esteve presente em 24% e 2,1% e ARIA-H em 31,4% e 13,6% do grupo intervenção e do grupo placebo, respectivamente. Apesar de terem sido descritos 16 óbitos no estudo, 3 (0,4%) foram relacionados a eventos de ARIA no grupo intervenção em que 2 eram participantes carreadores de mutação heterozigótica de ApoE ε4. 

Compreenda as indicações desse tratamento 

Ainda que essa notícia seja um resultado dos grandes avanços nas pesquisas em doença de Alzheimer, é importante enfatizar que a prescrição do donanemabe possui critérios de elegibilidade e de exclusão que devem ser minuciosamente avaliados antes de sua indicação. 

Em 2024, o Departamento Científico de Neurologia Cognitiva e do Comportamento da Academia Brasileira de Neurologia (DC-ABN) publicou recomendações sobre o uso de terapias antiamiloides no país.  

Especialistas podem considerar o uso de terapias antiamiloide (ex. donanemabe) para indivíduos com: 

  • Diagnóstico clínico de comprometimento cognitivo leve (CCL) ou demência leve devida à doença de Alzheimer (CDR 0,5 ou 1);
  • Confirmação de patologia amiloide através de biomarcadores (Exame de PET ou líquor positivos para patologia amiloide); 
  • MEEM > 20* (*variável de acordo com a escolaridade e comprometimento de linguagem, por isso não deve ser avaliado de forma isolada); 
  • Pacientes podem estar em uso de inibidores da colinesterase; 
  • Parceiro(a) ou membro da família para suporte; 
  • Paciente e parceiro(a) ou membro da família entendem os custos, benefícios potenciais e riscos do tratamento. 

Por outro lado, não devem considerar o uso de terapias antiamiloide nas seguintes circunstâncias: 

  • Indivíduos cognitivamente saudáveis (CDR 0); 
  • Demência moderada ou avançada (CDR 2 ou 3, FAST > 4); 
  • Qualquer condição médica, neurológica ou psiquiátrica que contribua para o declínio cognitivo (por exemplo, outras demências degenerativas, depressão maior, doença cerebrovascular); 
  • Mais de quatro micro-hemorragias < 10 mm ou uma única macro-hemorragia > 10 mm na ressonância magnética (realizada nos últimos 12 meses); 
  • Homozigose para APOE ε4; 
  • Histórico de AIT, AVC ou convulsões nos últimos 12 meses; 
  • Qualquer histórico de doença imunológica ou uso de imunossupressores; 
  • Anticoagulantes, distúrbios hemorrágicos, plaquetas < 50.000 ou RNI > 1,5; 
  • Condições médicas instáveis (por exemplo, doenças cardíacas, respiratórias, renais, fragilidade). 

Evidências apontam que a elegibilidade de pacientes em cenários da vida real para receber terapia anti-amiloide é limitada. Em estudo populacional da Mayo Clinic Study of Aging, os autores aplicaram os critérios de inclusão e exclusão dos ensaios de aducanumabe e lecanemabe na qual observaram que apenas 8% da amostra eram elegíveis para terapia com lecanemabe e 5,1% para aducanumabe.  

Anvisa aprova donanemabe para doença de Alzheimer: Quais as evidências? 

Imagem de freepik

Desafios do tratamento com donanemabe no Brasil

O tratamento com donanemabe exige recursos mínimos para sua prescrição de forma segura e eficaz. 

Nas recomendações do DC de Neurologia Cognitiva da ABN, é descrito os recursos mínimos de avaliação profissional e de infraestrutura para prescrição dessa classe de medicamentos: 

  • Acesso a especialistas em demência (neurologistas, geriatras ou psiquiatras geriátricos) para o diagnóstico de comprometimento cognitivo leve ou demência leve devida à doença de Alzheimer; 
  • Disponibilidade de ressonância magnética antes e durante o tratamento, e neurorradiologistas treinados para a identificação e interpretação de lesões cerebrovasculares ou ARIA; 
  • Acesso a testes para identificar a presença de amiloide (PET amiloide ou líquor);
  • Acesso à genotipagem de APOE; 
  • Aconselhamento especializado sobre indicações, contraindicações, benefícios e riscos do tratamento; 
  • Recursos para infusão de medicamentos e equipe multidisciplinar treinada para reconhecer e manejar reações à infusão; 
  • Acesso a uma unidade de terapia intensiva e experiência no manejo de pacientes neurocríticos em situações de ARIA grave e protocolos operacionais padrão para ARIA. 

Ademais, é importante mencionar que a prescrição desse tratamento no país apresenta alguns desafios como: diagnóstico tardio da doença (momento que as terapias podem não ser mais indicadas), falta de infraestrutura necessária, custo financeiro e baixa representatividade populacional no ensaio clínico (não abrangendo particularidades genéticas, étnicas, nutricionais e socioeconômicas da população brasileira). 

Comentários finais 

A aprovação do donanemabe no Brasil é um novo marco histórico no tratamento da doença de Alzheimer. Ainda assim, é necessário compreender que as suas indicações são restritas para garantir eficácia e segurança na sua prescrição, além de compreender os desafios de sua implementação no nosso país.

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Referências bibliográficas

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