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Neurologia5 abril 2025

AAN 2025: Panorama de evidências terapêuticas em demência

A palestra expôs pontos do manejo não farmacológico das demências, importantes principalmente na atenuação de sintomas neuropsiquiátricos.
Por Danielle Calil

As demências comportam doenças de prioridade de saúde pública. Em divulgação da Organização Mundial de Saúde (OMS), 55 milhões de indivíduos vivem com demência em 2019 com estimativas de triplicar essa prevalência em 2050. Essa condição está atrelada a impacto em esferas como saúde do paciente, saúde do cuidador e saúde pública.  

O tratamento de demências direcionado e adequado aos pacientes acometidos possibilita resgatar a qualidade de vida tanto ao paciente quanto ao(s) cuidador(es). Na Annual Meeting da American Academy of Neurology 2025, o tema foi discutido por palestrantes especialistas na área de neurologia cognitiva. O tema foi apresentado pelo Prof. Julio C. Rojas, da University of California San Francisco.

Como reconhecer demências com rápida progressão de causas reversíveis? 

Imagem de freepik

Terapias não farmacológicas para demência 

O principal objetivo da palestra foi expor os elementos-chave do manejo não farmacológico das demências, importantes principalmente na atenuação de sintomas neuropsiquiátricos, isto é, dos BPSD (Behavioral Psychiatric Symptoms of Dementia). A partir disso, na finalização de sua aula, foi discutido abordagem estruturada para avaliar o manejo desses BPSD. 

Em primeiro lugar, o manejo não farmacológico de demência é importante, visto que os sintomas neuropsiquiátricos são prevalentes em demência (em torno de 45% dos casos), de forma que essa medida deve estar presente nas propostas terapêuticas do médico assistente. Inclusive, o palestrante demonstra menciona uma maior procura na web sobre manejos comportamentais em demência. Alguns estudos demonstraram melhora de sintomas neuropsiquiátricos do paciente com redução de sobrecarga de cuidador e redução no uso de neurolépticos em 19%. 

As intervenções não farmacológicas, com envolvimento da equipe multidisciplinar, podem ser segmentadas em: 

  • Intervenções de comportamento do cuidador: Medidas que possibilitam identificar situações específicas do cuidador que possam incitar comportamentos disruptivos do paciente. Para tal, há terapias como: (1) Psicoeducação do cuidador e (2) Terapia Cognitivo-Comportamental. 
  • Intervenções centradas no paciente: Foca em técnicas que validam o paciente como indivíduo, identificam as necessidades pessoais do paciente em termos de visão de mundo, técnicas que facilitem relacionamentos positivos e comunicação. Para tal, há: (1) Programa de atividades sob medida (identifica interesses e habilidades do paciente com proposta de desenvolver em atividades que possuam um significado pessoal), (2) Terapia de validação (focando em encorajar os pacientes a expressar sentimentos e a legitimá-los), (3) Terapia de reminiscência (uso de fotos e vídeos pessoais para incitar memórias do paciente), etc. 
  • Intervenções estimulo-sensoriais: Abordagem que atenuam alterações comportamentais através do aumento em engajamento e em vigília, como: (1) Musicoterapia, (2) Aromaterapia), (3) Massoterapia, etc. 

Durante a avaliação e o manejo dos BPSD, o palestrante enfatiza a abordagem DICE (Describe, Investigate, Create, Evaluate). A primeira etapa do DICE, deve ser descrito as alterações comportamentais conforme contexto ambiental, perspectiva do paciente e grau de estresse do cuidador. Na segunda, deve ser investigado possíveis causas para isso, sendo importante avaliar o sono, medicamentos em uso, presença de dor ou descompensação de doenças clínicas. Já na terceira etapa, o médico, o cuidador e o paciente criam um plano terapêutico e, a depender da causa, pode ser direcionada o tipo de intervenção não farmacológica (ou até farmacológica caso os sintomas sejam graves e potencialmente danosos ao paciente) necessária para sua. Por fim, em consulta de retorno, deve ser avaliado se as intervenções trouxeram ou não benefícios.

Terapias farmacológicas sintomáticas para demência 

A segunda apresentação da mesa foi conduzida pela Prof. Lealani Acosta, da Vanderbilt University Medical Center. As terapias farmacológicas sintomáticas de demência possibilitam atenuar sintomas cognitivos, comportamentais e funcionais – embora não interfiram no curso natural progressivamente lento dessa condição. 

Em doença de Alzheimer (DA), para controle de sintomas cognitivos, temos os inibidores da colinesterase (donepezila, rivastigmina, galantamina) e antagonista receptor NMDA (memantina) que variam sua indicação conforme estágio demencial. Os IChE apresentam eficácia nos estágios leve, moderado, grave para demência; enquanto, por outro lado, memantina tem evidência para estágios moderado-grave. Tais medicamentos também repercutem em benefícios comportamentais e funcionais dos pacientes com DA. Em casos os quais os pacientes com DA persistam com sintomas de BPSD – apesar da prescrição adequada desses “cognitive enhancers” e da implementação do manejo não farmacológica – há como considerar terapia farmacológica para BPSD que, em geral, são off-label. A exceção para tal é a droga brexpiprazol que já demonstrou benefício para agitação em pacientes com DA, sendo aprovada em 2023 pelo FDA. 

Evidências que devem ser valorizadas nessa palestra foram sobre a importância da prescrição do IChE para esses indivíduos. Estudos com o uso de IChE em pacientes com DA já demonstraram impacto na redução de indicação para instituição de longa permanência (ILPI), assim como redução de taxa de mortalidade. 

Considerando terapias farmacológicas para demência frontotemporal, o primeiro destaque já é bem estabelecido: os IChE e memantina não possuem benefícios e, portanto, não devem ser prescritos. O tratamento é individualizado e direcionado de acordo com os sintomas comportamentais apresentados pelo paciente, sendo todos off-label. A palestrante sugere, para sintomas como compulsão alimentar e desinibição, serem iniciados a prescrição de inibidores de recaptação de serotonina (IRSS); para apatia, venlafaxina é uma opção. Para pacientes com comportamento sexual inapropriado, antidepressivos com efeitos de disfunção sexual (ex. paroxetina), antipsicóticos (ex. quetiapina) e até hormonioterapia podem ser considerados. 

Em demência com corpos de Lewy (DCL), a prescrição de IChE podem atenuar os sintomas cognitivos da demência. Em pacientes com psicose, a pimavanserina pode ser considerada (possui aprovação do FDA em pacientes com doença de Parkinson apesar de não refletir para DCL) ou antipsicóticos atípicos como clozapina e quetiapina. Em casos de DCL, deve ocorrer cautela na prescrição desses medicamentos diante da característica da doença de hipersensibilidade a antipsicóticos. Para essa população, inclusive, não devem ser prescritos antipsicóticos típicos. 

Para demência na doença de Parkinson, a terapia é similar ao DCL, com algumas particularidades. Entre os IChE, a rivastigmina é aprovada pelo FDA para DDP na atuação de sintomas cognitivos, enquanto a pimavanserina é aprovada para psicose nessa mesma população por essa agência regulatória. 

Por fim, a palestrante discute sobre o tratamento de demência vascular. Os inibidores de acetilcolina podem ser opção para o tratamento, embora as evidências não sejam tão robustas quando comparado a pacientes com demência mista (etiologia vascular + DA). 

Veja também: Hipertireoidismo subclínico e o risco de demência

Terapias modificadoras de doença 

A última apresentação desse tema foi executada pela Dra. Meredith Wicklund, da Mayo Clinic Arizona. 

O racional das terapias modificadoras de doença é, através de um mecanismo de ação na fisiopatologia da doença neurodegenerativa, proporcionar uma lentificação do seu curso progressivo ao longo do tempo. 

Por ora, há terapias modificadoras de doença apenas disponíveis para doença de Alzheimer. Em 2023 e em 2024, o FDA (Food and Drug Administration) aprovaram, respectivamente, as terapias anti-amiloides lecanemabe e donanemabe para pacientes com comprometimento cognitivo leve devido à DA e com demência estágio leve por DA. Desde então, essas terapias permanecem sendo pauta de discussão nos congressos americanos e, nesta mesa, portanto, não foi diferente.  

A palestrante demonstra estudo por Sims et al publicado na JAMA em 2023 que demonstra atuação, de fato, dessas terapias anti-amiloides em efeitos positivos na redução de patologia amiloide detectada através dos biomarcadores.  

Em contextos clínicos, é importante resgatar os ensaios clínicos dessas drogas. O lecanemabe foi aprovado após publicação do CLARITY-AD trial, que demonstrou uma redução da escala CDR-SB em 27% do grupo intervenção ao comparar com o placebo após 18 meses. Já o donanemabe, foi aprovado após publicação do TRAILBLAZER-ALZ 2 trial, em que os grupos de intervenção apresentaram melhora na escala funcional iADRS em 22.3% ao comparar com o placebo. Ainda que ambos os ensaios tenham apresentado diferenças com significância estatística entre intervenção e placebo, algumas dúvidas residem sobre a magnitude do efeito clínico dessas drogas. 

A palestrante enfatiza que, para prescrição dessas drogas, é necessária uma indicação cautelosa e adequada. O paciente deve possuir diagnóstico de DA através dos biomarcadores em estágio de CCL por DA ou estágio de demência leve por DA. Uma observação realizada é que o diagnóstico com os biomarcadores para DA não é regularizada e aprovada, por ora, com biomarcadores coletados em plasma.  

Por fim, para àqueles com indicação dessas terapias, um efeito colateral que deve ser acompanhado regularmente é a ARIA (Amyloid Related Imaging Abnormalities), uma predisposição à inflamação no ambiente extracelular, levando à edema (ARIA-E) ou a depósito de hemossiderina (ARIA-H).  

Um elemento-chave é que a prescrição dessas terapias deve ser compartilhada com o paciente acerca de riscos e de benefícios. Em casos de consideração para sua prescrição, é aconselhado o preenchimento de um termo de consentimento.  

Comentários finais 

Considerando as demências neurodegenerativas, as quais ainda não possuem um tratamento curativo, a abordagem terapêutica deve ser individualizada com foco em aprimorar a qualidade de vida dos pacientes e de seus cuidadores. O desenvolvimento de estudos com terapias modificadoras de doença permanece sendo relevante, a fim de trazer uma nova perspectiva prognóstica para essa condição. 

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Referências bibliográficas

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