Diante do aumento da ameaça da resistência antimicrobiana globalmente, a Infectious Diseases Society of America (IDSA) publicou recomendações para o tratamento de organismos resistentes.
Focada em organismos gram-negativos de importância para prática clínica, a publicação versa sobre recomendações para o tratamento de enterobactérias produtoras de enzimas ESBL, enterobactérias resistentes a carbapenêmicos e das denominadas Pseudomonas aeruginosa difíceis de tratar.
As recomendações se destinam a situações em que o agente causador de infecção já foi identificado, sendo um organismo com o perfil de resistência de interesse, podendo ser aplicado tanto na população adulta quanto na pediátrica.
Para o tratamento empírico, a IDSA orienta que a escolha dos antimicrobianos deve considerar o perfil de suscetibilidade local, assim como aspectos como gravidade do quadro clínico, provável foco de infecção e exposição a antibióticos nos últimos 30 dias.
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Recomendações terapêuticas conforme o perfil de resistência
ESBL: As enzimas ESBL são capazes de hidrolisar a maioria das penicilinas, cefalosporinas e aztreonam. Não têm ação contra antimicrobianos não betalactâmicos, mas associação com mutações que conferem resistência a outras classes de antibióticos é comum. Organismos produtores de ESBL permanecem suscetíveis a carbapenêmicos se não houver outros mecanismos de resistência concomitantes.
Para as recomendações, o IDSA ressalta a importância da localização do foco infeccioso. Assim, as orientações diferem para os casos de cistite, pielonefrite ou infecção do trato urinário (ITU) complicada e infecções fora do trato urinário.
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Como recomendação geral, cefepime e piperacilina/tazobactam não recomendados como tratamento para infecções causadas por enterobactérias produtoras de ESBL, mesmo se o antibiograma demonstrar suscetibilidade a esses agentes. Entretanto, para casos de cistite em que cefepime ou piperacilina/tazobactam estejam sendo utilizados e em que há melhora clínica, não há necessidade de troca de antibiótico ou de prolongar o tempo de terapia.
Recomendações de ajuste de terapia para infecções por enterobactérias produtoras de ESBL
Foco de infecção | Esquema preferencial | Alternativas terapêuticas |
Cistite | Nitrofurantoína, sulfametoxazol-trimetoprim (SMX-TMP) | Amoxicilina-clavulanato, aminoglicosídeo, fosfomicina (somente se E. coli), ciprofloxacino, levofloxacino, ertapenem, imipenem, meropenem |
Pielonefrite ou ITU complicada | Ertapenem, imipenem, meropenem, ciprofloxacino, levofloxacino ou SMX-TMP | |
Infecções fora do trato urinário | Ertapenem, imipenem ou meropenem
Considerar descalonamento para terapia VO com ciprofloxacino, levofloxacino ou SMX-TMP |
Resistência a carbapenêmicos: são consideradas como resistentes a carbapenêmicos as enterobactérias com resistência a pelo menos 1 antibiótico da classe ou que produzam carbapenemases. Portanto, uma enterobactéria resistente a carbapenêmico (ERC) pode apresentar resistência a um representante da classe e manter suscetibilidade aos outros, dependendo do seu mecanismo de resistência.
A identificação do mecanismo de resistência ganha papel na orientação do tratamento. Entre as opções disponíveis no Brasil, ceftazidima-avibactam é a recomendação de primeira escolha para infecções fora do trato urinário causadas por organismos produtores de KPC e OXA-48, enquanto a combinação de ceftazidima-avibactam e aztreonam é recomendada quando há produção de NDM ou outras metalo-beta-lactamases.
O painel do IDSA não recomenda o uso de terapia combinada ou de polimixinas de forma rotineira no tratamento de infecções por ERC.
Recomendações de ajuste de terapia para infecções por ERC
Foco de infecção | Esquema preferencial | Alternativas terapêuticas |
Cistite | Ciprofloxacino, levofloxacino, SMX-TMP, nitrofurantoína ou aminoglicosídeo em dose única
Meropenem em infusão prolongada se resistente a ertapenem e suscetível a meropenem e sem identificação de carbapenemase | Ceftazidima-avibactam
Polimixinas (somente se for a única opção disponível)
Outras opções (não disponíveis no Brasil): meropenem-vaborbactam, imipenem-relebactam, cefiderocol |
Pielonefrite ou ITU complicada | Ceftazidima-avibactam
Meropenem em infusão prolongada se resistente a ertapenem e suscetível a meropenem e sem identificação de carbapenemase
Outras opções (não disponíveis no Brasil): meropenem-vaborbactam, imipenem-relebactam, cefiderocol | Aminoglicosídeo em dose única |
Infecções fora do trato urinário
– resistência a ertapenem e suscetibilidade a meropenem sem identificação de carbapenemase | Meropenem em infusão prolongada | Ceftazidima-avibactam |
Infecções fora do trato urinário
– resistência a ertapenem e meropenem sem identificação de carbapenemase | Ceftazidima-avibactam
Outras opções (não disponíveis no Brasil): meropenem-vaborbactam, imipenem-relebactam | Cefiderocol (não disponível no Brasil)
Tigeciclina (geralmente limitada a infecção intra-abdominais) |
Identificação de KPC | Ceftazidima-avibactam
Outras opções (não disponíveis no Brasil): meropenem-vaborbactam, imipenem-relebactam | Cefiderocol (não disponível no Brasil)
Tigeciclina (geralmente limitada a infecção intra-abdominais) |
Identificação de metalo-beta-lactamases | Ceftazidima-avibactam + aztreonam
Cefiderocol (não disponível no Brasil) | Tigeciclina (geralmente limitada a infecção intra-abdominais) |
Identificação de OXA-48 | Ceftazidima-avibactam | Cefiderocol (não disponível no Brasil)
Tigeciclina (geralmente limitada a infecção intra-abdominais) |
Pseudomonas aeruginosa difíceis de tratar (DRT): esse padrão de resistência é definido para P. aeruginosa resistentes a piperacilina/tazobactam, ceftazidima, cefepime, aztreonam, meorpenem, imipenem, ciprofloxacino e levofloxacino.
Assim como para o tratamento de ERC, o painel não recomenda o uso rotineiro de terapia combinada nesses casos.
Recomendações de ajuste de terapia para infecções por P. aeruginosa DTR
Foco infeccioso | Esquema preferencial | Alternativas terapêuticas |
Cistite | Ceftolozana-tazobactam, ceftazidima-avibactam ou aminoglicosídeo em dose única
Outras opções (não disponíveis no Brasil): cefiderocol, imipenem-relebactam | Polimixinas |
Pielonefrite ou ITU complicada | Ceftolozana-tazobactam, ceftazidima-avibactam
Outras opções (não disponíveis no Brasil): cefiderocol, imipenem-relebactam | Aminoglicosídeo em dose única
|
Infecções fora do trato urinário | Ceftolozana-tazobactam, ceftazidima-avibactam
Outras opções (não disponíveis no Brasil): imipenem-relebactam | Aminoglicosídeo em monoterapia (limitado a bacteremia não complicada com controle de foco)
Cefiderocol (não disponível no Brasil) |
Mensagens práticas
- Em casos de cistite em que há melhora clínica e laboratorial, mesmo com identificação de organismo resistente, não há necessidade de troca de antimicrobiano e nem de prolongamento da terapia.
- Para o tratamento de enterobactérias ESBL, o IDSA recomenda o uso de opções como carbapenêmicos, quinolonas ou sulfametoxazol-trimetoprim.
- Para o tratamento de ERC, a principal droga recomendada é ceftazidima-avibactam. Para os organismos que mantêm suscetibilidade a meropenem, esse antimicrobiano pode ser utilizado em infusão prolongada como opção terapêutica.
- Para o tratamento de aeruginosa DRT, as principais opções são ceftazidima-avibactam, ceftolozana-tazobactam e aminoglicosídeos.
- Polimixinas e terapia combinada não são recomendados rotineiramente. Tigeciclina deve preferencialmente ser limitada a infecções intra-abdominais.
Referências bibliográficas:
- Tamma, PD, Aitken, SL, Bonomo, RA, Mathers, AJ, van Duin, D, Clancy, CJ. Infectious Diseases Society of America Guidance on the Treatment of Extended-Spectrum β-lactamase Producing Enterobacterales (ESBL-E), Carbapenem-Resistant Enterobacterales (CRE), and Pseudomonas aeruginosa with Difficult-to-Treat Resistance (DTR-P. aeruginosa). Clinical Infectious Diseases 2021;72(7):1109–16. doi: 10.1093/cid/ciab295
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