Tuberculose (TB) é uma das infecções com maior mortalidade associada ao redor do mundo. Quadros críticos podem cursar com insuficiência respiratória, síndrome da angústia respiratória, insuficiência renal e de múltiplos órgãos, podendo alcançar mortalidade > 50%. Entretanto, o manejo dessa situação clínica ainda é heterogêneo e incerto.
Revisões sistemáticas indicam que somente um terço de pacientes com TB grave internados em unidades de terapia intensiva (UTI) não recebem medicação específica contra a doença. Além disso, a maioria dos que são tratados recebem medicação oral, incluindo administração por via enteral nos casos de ventilação mecânica, mas sabe-se que pacientes críticos podem ter alterações de farmacocinética que podem afetar absorção e distribuição dos medicamentos e que rifampicina e isoniazida têm sua biodisponibilidade reduzida quando maceradas.
Medicações intravenosas são, com isso, uma opção interessante no contexto de pacientes críticos, seja como substitutos, seja como adjuvantes, uma vez que podem garantir níveis terapêuticos nos locais de infecção de forma rápida e acelerar a redução da carga bacilar e reduzir mortalidade. Contudo, as evidências em relação a essa forma de tratamento ainda são escassas na literatura.
Um estudo de vida real publicado recentemente avaliou as práticas de tratamento de pacientes com tuberculose (TB) grave internados em UTI e procurou explorar se o uso de medicações intravenosas teria impacto na mortalidade.
Materiais e métodos
Trata-se de um estudo observacional retrospectivo multicêntrico e internacional com dados de pacientes com ≥ 15 anos com TB pulmonar e extrapulmonar em países da Europa, Ásia e América Latina entre os anos de 2005 e 2018.
Os desfechos foram estratificados pela via de administração do tratamento contra TB. Sucesso terapêutico foi definido como a soma de cura e tratamento completo, sem evidências bacteriológicas de falha.
Resultados
Foram incluídos 434 pacientes no estudo. Quase 60% dos casos vieram de diferentes centros participantes em Londres e Porto Alegre. Além dessa última, as cidades brasileiras de Manaus e Rio de Janeiro também contribuíram com dados.
Aproximadamente metade dos participantes tinha BAAR em amostra de escarro positivo e 85,7% tinham cultura de escarro positiva para micobactéria. A maioria dos participantes era homem, quase 60% tinham histórico de vacinação com BCG e cerca de um terço tinha coinfecção com HIV.
Todos os participantes foram admitidos no CTI depois de uma mediana de 21 dias de sintomas e as causas mais frequentes para admissão em unidade de cuidados intensivos foram insuficiência respiratória aguda, falência de múltiplos órgãos, TB meníngea, hemoptise massiva e obstrução de via aérea.
Aproximadamente 82% precisaram de ventilação mecânica, com uma mediana de duração de 7 dias. Dois terços receberam drogas vasopressoras e quase 70% receberam corticoides. Menos da metade (48,8%) dos participantes iniciaram tratamento para TB durante a admissão na UTI.
Em relação aos desfechos clínicos, 54,8% dos participantes morreram e 33,4% alcançaram sucesso terapêutico. Fatores como idade, imunossupressão, marcadores de TB grave e comorbidades estiveram associados a desfechos de tratamento desfavoráveis. No total, 48,8% dos pacientes iniciaram tratamento contra TB antes ou durante a internação em UTI, o que esteve associado a desfecho favorável na análise univariada (OR = 1,99; IC 95% = 1,3 – 3,06; p = 0,002), mas não na multivariada (OR = 1,71; IC 95% = 0,63 – 4,67; p = 0,29).
Quando a mortalidade em 30 dias foi considerada como desfecho, os fatores associados com maior mortalidade na análise univariada foram: infecção pelo HIV, outras formas de imunossupressão, necessidade de intubação e ventilação mecânica, diálise, exposição a vasopressores e exposição a corticoides. Entretanto, na análise multivariada, essas associações não apresentaram significância estatística. Houve tendência de maior mortalidade com as faixas etárias de 55 – 64 anos e > 65 anos. Maiores valores no índice de comorbidades de Charlson e nos escores SOFA e SAPS estiveram associados a maior mortalidade. A escala de coma de Glasgow apresentou correlação inversa, com 10% de menos de risco a cada aumento de um ponto.
Cerca de 43% dos participantes receberam pelo menos uma droga intravenosa, sendo levofloxacino e amicacina as mais frequentes. Somente 9,7% receberam rifampicina IV. Em média, 2 drogas IV foram usadas. Houve maior tendência à prescrição de drogas anti-TB IV na Europa do que na América Latina ou Sudeste da Ásia, mas é importante lembrar que as drogas de primeira linha não estão disponíveis na formulação IV na América Latina.
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Não houve diferença em termos de sucesso terapêutico entre os que usaram terapia VO ou IV, mas os participantes que receberam tratamento IV por mais de 10 dias tiveram melhores desfechos do que os que receberam tratamento IV por menos tempo. Também não houve diferença no tempo para negativação de amostras de escarro — tanto BAAR quanto cultura — e nem na mortalidade em 30 dias entre os que receberam terapia VO e os que foram tratados com medicações IV. Contudo, os pacientes que receberam rifampicina IV tiveram menor taxa de mortalidade (35,7%) do que os que não receberam (51,7%).
Mensagens práticas: tuberculose no contexto de cuidados intensivos
- Apesar da heterogeneidade entre os centros, pacientes críticos com tuberculose apresentaram uma elevada taxa de mortalidade.
- O uso de drogas IV por pelo menos 10 dias esteve associado a maior sobrevivência quando comparado com cursos mais curtos de medicação parenteral. O uso de rifampicina IV esteve associado a menor mortalidade. Vale ressaltar que essa formulação não está disponível no Brasil.
- Comorbidades e escores de gravidade, como o SOFA e o SAPS, estiveram associados à mortalidade nesse estudo.
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