Logotipo Afya
Anúncio
Terapia Intensiva12 setembro 2024

Guideline: Posicionamento e mobilização em UTI

A guideline aborda áreas-chave como mobilização precoce, estimulação elétrica neuromuscular, dispositivos assistivos para mobilização e posicionamento.

A imobilidade prolongada em pacientes críticos internados em unidades de terapia intensiva (UTI) está associada a diversas sequelas de curto e longo prazo, como fraqueza muscular adquirida na UTI (FAUTI), perda de massa muscular e funcionalidade, delirium, declínio cognitivo e redução da qualidade de vida. A mobilização precoce tem demonstrado minimizar esses efeitos adversos. Evidências crescentes indicam que mudanças eletrofisiológicas no sistema neuromuscular podem ocorrer já nas primeiras 48 horas após a admissão na UTI. Portanto, a implementação de diretrizes baseadas em evidências para a mobilização precoce e o posicionamento adequado dos pacientes críticos é essencial para melhorar os desfechos clínicos. 

A criação deste guideline envolveu um painel interdisciplinar e interprofissional e  foi desenvolvido de acordo com a metodologia rigorosa da Associação das Sociedades Médicas Científicas da Alemanha, utilizando a ferramenta AGREE II para avaliação de diretrizes. 

A importância deste guideline reside na sua capacidade de fornecer recomendações práticas e baseadas em evidências para a mobilização precoce e o posicionamento de pacientes críticos, abordando áreas-chave como mobilização precoce, estimulação elétrica neuromuscular, dispositivos assistivos para mobilização e posicionamento, incluindo a posição prona. Assim, pode-se melhorar significativamente os desfechos clínicos, reduzir complicações e promover uma recuperação mais rápida e eficaz dos pacientes críticos na UTI. 

Leia mais: Medicina Baseada em Evidências: como avaliar um guideline?

UTI

Posicionamento 

Elevação de tronco:  

A elevação do tronco (≥ 40°) em pacientes intubados mostrou reduzir a incidência de pneumonia associada à ventilação mecânica (VAP) e a duração da ventilação, mas não impactou a duração da internação na UTI ou a mortalidade. Em pacientes com lesão cerebral, a elevação deve ser individualizada e monitorada regularmente para capturar os efeitos dependentes da gravidade. No entanto, há uma associação entre a elevação do corpo superior e o aumento da pressão intra-abdominal, o que deve ser considerado em pacientes com risco de pressão intra-abdominal elevada. 

Posição Lateral: 

A posição lateral com a elevação da cabeça (Trendelenburg lateral) com rotação a cada seis horas, não mostrou benefícios significativos em comparação com a elevação do corpo superior e foi associada a eventos adversos graves. Em pacientes com lesão pulmonar unilateral, a posição lateral com o lado saudável para baixo pode melhorar a troca gasosa, mas a evidência é limitada e mais estudos são necessários. 

Terapia de Rotação Lateral Contínua: 

A terapia de rotação lateral contínua não demonstrou diferença na incidência de VAP em comparação com os cuidados usuais, em em 39% dos pacientes foi associada a um nível mais profundo de sedação durante a fase de desmame. Além disso, não mostrou benefícios na mortalidade ou na duração da internação na UTI e no hospital em pacientes com trauma, embora tenha reduzido a incidência de pneumonia nosocomial. 

Posição Prona: 

A posição prona em pacientes com síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) e oxigenação arterial prejudicada (PaO2/FiO2 < 150 mmHg) e tempo de ventilação < 36h, mostrou um benefício significativo na sobrevivência. A duração mínima recomendada é de 12 horas, preferencialmente 16 horas. Ocorre melhora a oxigenação e redução da mortalidade em pacientes com SDRA grave, mas deve ser realizado com cautela em pacientes com condições como obesidade, cirurgia abdominal recente ou lesões intracranianas. Na pandemia do coronavírus 2019 (COVID-19) houve implementação da posição prona em grande parte dos pacientes, inclusive durante desmame ventilatório. A posição prona pode ser reconsiderada quando o paciente tiver melhora dos parâmetros ventilatórios e de oxigenação (PaO2/FiO2 ≥ 150, PEEP 10 e FiO2 0,6), sendo importante o paciente estar pelo menos 4h na posição supina. 

Mobilização 

Mobilização Precoce: 

A mobilização precoce dentro de 72 horas após a admissão na UTI mostrou efeitos benéficos na independência funcional, mobilidade, redução da internação, do delirium e de ventilação, benefícios cognitivos e funcionais a longo prazo. Estudos que iniciaram a mobilização após cinco a sete dias não encontraram efeitos significativos nos desfechos, destacando a importância de um início precoce. Além disso, quando iniciada com intervalo de 48-72h e 72-96h segundo dois estudos, ocorrem benefícios em redução do tempo de ventilação mecânica e FAUTI. 

Protocolos de Mobilização: 

Os protocolos de mobilização aumentam a viabilidade, segurança, duração e nível de mobilização. A combinação de componentes passivos e ativos mostrou benefícios significativos. Somente a mobilização passiva, salvo em casos em que é necessária como em pacientes irresponsivos, não é recomendada, visto que a mobilização ativa, ainda que dentro das capacidades próprias do paciente, é superior. O uso de protocolos estruturados pode melhorar a adesão à mobilização e garantir que os pacientes alcancem níveis mais altos de atividade física durante a internação na UTI e a mobilização precoce deve ser encorajada na prescrição médica. 

Nível e Duração da Mobilização: 

Um nível mais alto de mobilização está associado a melhores desfechos de saúde, principalmente quando relacionada mobilização ativa e menores taxas de desenvolvimento de FAUTI. A dose de mobilização deve ser individualizada com base nos critérios físicos e na doença subjacente do paciente, porém estudos observacionais indicam que uma maior duração da mobilização diária (≥ 30 minutos) está associada a melhores desfechos funcionais e qualidade de vida a longo prazo, inclusive melhora da qualidade de vida em seis meses, principalmente em pacientes com boa funcionalidade prévia. 

Especificidades: 

A mobilização de pacientes em terapia de substituição renal contínua (CRRT) ou oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO) é segura, desde que realizada por centros com a expertise necessária. Em pacientes com CRRT, apenas 1.8% dos eventos adversos foram relatados, enquanto a mobilização durante a ECMO mostrou ser viável e segura, com poucos eventos adversos significativos. Já em pacientes neurocríticos, há aumento da mobilidade e redução das taxas de pneumonia associada à ventilação mecânica e tempo de internação. No entanto, os dados sobre a mobilização muito precoce (< 24 horas) em pacientes com acidente vascular cerebral indicam que pode ser prejudicial, sugerindo a necessidade de uma abordagem cautelosa e individualizada devido a alterações de pressão intracraniana e vasoespasmo. 

Critérios de Descontinuação da Mobilização: 

A mobilização deve ser interrompida se houver sinais de deterioração clínica, como dessaturação, aumento significativo da pressão arterial, arritmias cardíacas, deterioração do nível de consciência ou dor refratária. A avaliação contínua das reservas respiratórias e cardiovasculares é essencial para ajustar a intensidade da mobilização de acordo com a condição clínica do paciente. 

Dispositivos de Assistência e Robótica 

Cicloergonômico Supino e Dispositivos Assistivos e Robóticos: 

O cicloergonômico supino mostra-se seguro e pode ser considerado como parte da mobilização precoce quando o treinamento funcional não é suficientemente possível. No entanto, a evidência de sua eficácia em melhorar a funcionalidade ou a qualidade de vida é limitada. Já em relação aos outros dispositivos, Há poucas evidências sobre o uso, como mesas de inclinação e esteiras com suporte de peso corporal. Em um estudo piloto, a verticalização com passos assistidos melhorou a escala de recuperação do coma e a escala de classificação de deficiência em pacientes com consciência prejudicada, embora tenha aumentado a duração da internação na UTI. 

Veja também: Como a cirurgia robótica avança no Brasil e no mundo

Estimulação Elétrica Neuromuscular (NMES) 

A NMES pode ser considerada como parte da mobilização precoce de pacientes críticos, especialmente na fase inicial da doença crítica. A NMES mostrou benefícios na função física, força muscular, duração da ventilação mecânica, taxa de sucesso da extubação e duração da internação na UTI e no hospital. No entanto, é recomendada a monitorização contínua da pressão intracraniana em pacientes com monitorização já estabelecida. Estudos indicam que a NMES é geralmente segura, mas pode aumentar a pressão intracraniana em pacientes com lesões cerebrais. 

Comparação Entre os Resultados 

Posicionamento vs. Mobilização: 

  • Posicionamento: O posicionamento adequado, como a elevação do corpo superior e o posicionamento prono, mostrou reduzir complicações respiratórias e melhorar a oxigenação em pacientes com SDRA. No entanto, as intervenções de posicionamento não tiveram impacto significativo na duração da internação na UTI ou na mortalidade. 
  • Mobilização: A mobilização precoce demonstrou benefícios mais amplos, incluindo a melhora na independência funcional, redução da duração da internação, e benefícios cognitivos a longo prazo. A mobilização ativa e estruturada mostrou reduzir o risco de FAUTI e melhorar a qualidade de vida. 

Dispositivos de Assistência e Robótica vs. NMES: 

  • Dispositivos de Assistência e Robótica: O ciclismo supino e outros dispositivos assistivos mostraram ser seguros e podem complementar a mobilização precoce, especialmente quando o treinamento funcional não é possível. No entanto, a evidência de sua eficácia em melhorar desfechos funcionais ainda é limitada. 
  • NMES: A NMES mostrou benefícios claros na função física e força muscular, sendo uma intervenção útil na fase inicial da doença crítica. A NMES é geralmente segura, mas requer monitorização contínua da pressão intracraniana em pacientes com lesões cerebrais. 

Conclusão 

A mobilização precoce e o posicionamento adequado dos pacientes críticos são intervenções essenciais para melhorar os desfechos clínicos e reduzir as complicações associadas à imobilidade prolongada. A implementação de diretrizes baseadas em evidências pode ajudar os profissionais de saúde a fornecerem cuidados de alta qualidade e individualizados para os pacientes críticos. Estudos futuros devem focar na determinação da dosagem ideal de mobilização e posicionamento para diferentes grupos de pacientes, visando a personalização das terapias e a maximização dos benefícios clínicos. A integração de novas tecnologias e a colaboração interdisciplinar são fundamentais para a implementação bem-sucedida dessas diretrizes. 

Anúncio

Assine nossa newsletter

Aproveite o benefício de manter-se atualizado sem esforço.

Ao assinar a newsletter, você está de acordo com a Política de Privacidade.

Como você avalia este conteúdo?

Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.

Referências bibliográficas

Compartilhar artigo