Além de complicações agudas, infecções por SARS-CoV-2 podem resultar em sintomas subagudos e persistentes. Dentre esses, os sintomas neurológicos são alguns dos mais proeminentes. Ainda assim, apesar de cada vez mais evidências mostrarem que pacientes hospitalizados com Covid-19 podem apresentar sintomas neurológicos, que podem persistir por meses após alta, o impacto da infecção na cognição de pacientes com doença menos grave ainda não é completamente compreendido.
Uma das dificuldades no estudo dessa condição é que sua avaliação frequentemente depende da análise de informações subjetivas e com definições heterogêneas. Diante desse contexto, um estudo publicado na Open Forum Infectious Diseases avaliou de forma prospectiva o impacto da infecção por SARS-CoV-2 utilizando um dispositivo aprovado pela Food and Drug Administration (FDA) para avaliação de função cognitiva.
Materiais e métodos
Tratou-se de um estudo de coorte prospectivo conduzido em um hospital de Cleveland, Ohio, nos Estados Unidos da América. A exposição primária foi definida como episódio de covid-19 confirmada por sorologia, teste molecular ou teste de antígeno. O grupo controle foi composto por indivíduos sem história de infecção de vias respiratórias superiores e sem sintomas sugestivos de covid-19 no período de seguimento e sem história prévia da doença.
Foram incluídos somente indivíduos que tinham uma avaliação pré-pandemia por meio do dispositivo Cognivue Clarity®. Indivíduos com diagnóstico de demência ou com condição psiquiátrica não controlada foram excluídos.
Todos os participantes foram submetidos a uma avaliação clínica e revisão detalhada de história médica e de covid-19, além de uma avaliação de controle da função cognitiva utilizando o dispositivo Cognivue Clarity®. Para os com história de Covid-19, essa avaliação ocorreu com pelo menos 90 dias após o diagnóstico da infecção. Os pesquisadores também coletaram sangue dos voluntários de ambos os grupos para avaliação de biomarcadores, a saber, glicose, colesterol total, colesterol não-HDL e triglicerídeos.
O Cognivue Clarity® é um dispositivo que permite avaliação da função cognitiva por meio de testes autoadministrados, que consistem em 3 sub-baterias e 10 subtestes que, em conjunto, avaliam 6 subdomínios cognitivos (visuoespacial, função executiva/atenção, nomeação/linguagem, memória, recordação tardia, abstração), tempo de reação e velocidade de processamento. Os resultados são apresentados em uma escala de 0 a 100, com escores ≤ 50 indicando um alto risco de comprometimento neurológico e ≥ 75, nenhum risco.
Resultados
Dos 110 participantes incluídos, 55 não tinham história ou diagnóstico de covid-19 e 55 tiveram covid-19 durante o período de seguimento. A mediana de idade foi de 45,1 anos no grupo com covid-19 e de 46,1 anos no grupo controle. Em ambos os grupos, a maioria dos participantes foi do sexo masculino. A proporção de voluntários com história de abuso de substâncias — tanto álcool quanto drogas ilícitas — foi semelhante entre os grupos, assim como os com história de depressão e ansiedade.
O escore médio no Cognivue Clarity® foi de 78 ± 15 entre os participantes com diagnóstico de covid-19 e de 74,8 ± 15,2 entre os pertencentes ao grupo controle (p = 0,2). A mediana de tempo entre as avaliações foi de 400 dias no grupo com covid-19. Durante o período do estudo não foram observadas alterações significativas nos biomarcadores avaliados, nem dentro e nem entre os grupos.
No grupo com covid-19, somente o escore que avaliou memória apresentou alterações significativas, enquanto as avaliações visuoespaciais, de função cognitiva, de nomeação e o escore geral variaram de forma significativa no grupo controle. Contudo, não houve diferenças significativas entre os grupos.
Considerações finais
- Os resultados não mostraram diferenças entre os participantes com covid-19 e os do grupo controle na avaliação cognitiva feita por meio do Cognivue Clarity®, o que sugere que não houve comprometimento cognitivo após infecção com SARS-CoV-2.
- O longo intervalo entre a primeira avaliação e a avaliação realizada pelo estudo pode ser uma explicação para a diferença entre os resultados desse estudo e outros encontrados na literatura, pois pode ter permitido recuperação de sintomas pós-infecciosos.
Autoria

Isabel Cristina Melo Mendes
Infectologista pelo Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (UFRJ) ⦁ Graduação em Medicina na Universidade Federal do Rio de Janeiro
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.