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Infectologia14 novembro 2025

Infecção prévia por covid-19 aumenta risco de infecções respiratórias em adultos? 

Estudo avalio se infecção prévia por Covid-19 está associada a uma maior incidência de infecções do trato respiratório superior em adultos
Por Raissa Moraes

As infecções do trato respiratório superior (ITRS) não relacionadas à covid-19 são amplamente disseminadas e associadas a elevada morbidade, totalizando aproximadamente 12,8 bilhões de casos em todo o mundo em 2021. Durante o primeiro ano da pandemia de covid-19, observou-se uma redução substancial na circulação de outros vírus respiratórios, como o influenza e o vírus sincicial respiratório (VSR), que permaneceram abaixo dos níveis históricos. Tal redução foi atribuída, principalmente, à adoção de intervenções não farmacológicas implementadas globalmente para conter a disseminação do SARS-CoV-2. Contudo, no outono de 2022, diversos países registraram um aumento expressivo na incidência de ITRS. 

Essa tendência suscitou questionamentos acerca de se, e de que forma, a covid-19 poderia ter contribuído para as taxas de outras infecções respiratórias. Alguns autores sugerem que a redução da exposição a múltiplos patógenos durante o período de implementação das intervenções não farmacológicas teria levado a um menor estímulo imunológico, enquanto outros postulam que a infecção por SARS-CoV-2 possa causar alterações imunológicas persistentes, tornando alguns indivíduos mais suscetíveis a infecções subsequentes. Um estudo de coorte retrospectivo com 228.940 crianças de 0 a 5 anos indicou que a infecção prévia por SARS-CoV-2 esteve associada a risco significativamente aumentado de infecção por VSR em 2021 e 2022. Outra hipótese propõe que a infecção por SARS-CoV-2 possa alterar o microbioma do trato respiratório superior, aumentando a susceptibilidade a outras infecções respiratórias, embora sejam necessárias investigações adicionais para elucidar essa relação. 

Apesar da relevância de compreender os efeitos de longo prazo da covid-19, os estudos epidemiológicos avaliando a associação entre a doença e o risco de ITRS permanecem escassos, especialmente entre adultos. O Global Burden of Disease Study 2021 estimou a carga global, regional e nacional das ITRS, destacando seu impacto expressivo na saúde pública, mas não examinou se a infecção prévia por covid-19 influencia o risco subsequente de ITRS. Além disso, dados recentes provenientes da Europa apontam diferenças etárias nas tendências pós-pandêmicas das ITRS, com o maior aumento observado entre adultos jovens de 18 a 30 anos.  

Estudo  

Diante dessa lacuna de conhecimento, foi conduzido o estudo de coorte prospectivo “RECOVER” com o objetivo de avaliar se a infecção por covid-19 está associada ao aumento do risco subsequente de ITRS em adultos e determinar se a exposição prévia à covid-19 se relaciona a maior recorrência de episódios de ITRS. A hipótese inicial postulava que a infecção prévia por covid-19 não estaria associada a risco aumentado de ITRS em adultos.  

Metodologia  

O estudo compreendeu uma coorte prospectiva de profissionais de saúde de Montreal, Canadá. Os participantes responderam a questionários quinzenais sobre sintomas compatíveis com covid-19. Foram incluídos profissionais acompanhados por pelo menos 90 dias entre 1º de dezembro de 2021 e 31 de dezembro de 2022. As infecções por SARS-CoV-2 foram confirmadas por teste RT-PCR ou teste antigênico. Casos de ITRS não relacionados à covid-19 foram definidos pelo aparecimento de febre ou sensação febril, rinite, congestão nasal, dor de garganta/faringite, espirros, tosse, sibilância, dispneia, aumento ou alteração das secreções respiratórias crônicas, excluindo sintomas observados até 48 horas após vacinação. Para avaliar a associação entre covid-19 recente e ITRS, utilizou-se regressão de Cox dependente do tempo, ajustada por sexo, idade, local de trabalho, presença de crianças < 5 anos no domicílio e asma. 

Resultados  

Os achados indicaram que um episódio recente de covid-19 não esteve associado a risco aumentado de ITRS subsequente. Isso sugere que fatores distintos da infecção prévia por SARS-CoV-2, como exposições domiciliares e ocupacionais, exercem maior influência sobre o risco de ITRS em adultos. 

Ter uma criança pequena (<5 anos) no domicílio foi associado a um risco 76% maior de ITRS, enquanto indivíduos mais velhos e trabalhadores de instituições públicas de longa permanência apresentaram cerca de 60% menor risco. A análise da recorrência de ITRS mostrou taxas mais baixas entre participantes com ≥50 anos e trabalhadores de instituições de longa permanência públicas, e taxas mais elevadas entre aqueles com crianças pequenas no domicílio. Análises de sensibilidade com janela de exposição de 180 dias e exclusão de participantes com baixa taxa de resposta confirmaram a robustez dos resultados.  

Infecção prévia por covid-19 aumenta risco de infecções respiratórias em adultos? 

Considerações finais: risco de infecções respiratórias  

Algumas limitações do estudo devem ser consideradas. Os profissionais de saúde eram testados para covid-19 apenas após o início de sintomas, o que possivelmente levou à subdetecção de casos assintomáticos. A definição de ITRS baseou-se exclusivamente em sintomas autorrelatados, sem confirmação laboratorial de infecção viral não-COVID. Ademais, a amostra foi composta predominantemente por mulheres caucasianas, saudáveis ou com comorbidades estáveis, o que limita a generalização para outras faixas etárias, grupos étnicos e indivíduos com condições crônicas. Entretanto, a homogeneidade da coorte contribui para maior validade interna, reduzindo vieses de confundimento relacionados a sexo, idade e comorbidades. 

Dessa forma, os resultados sugerem que a infecção prévia por covid-19 não aumenta o risco de infecções subsequentes do trato respiratório superior em adultos. Fatores ambientais, familiares e ocupacionais parecem exercer papel mais relevante nesse contexto. Estudos futuros, com amostras mais diversificadas e populações não compostas exclusivamente por profissionais de saúde, são necessários para aprimorar a compreensão dos possíveis efeitos de longo prazo da covid-19 sobre a função imunológica e a suscetibilidade a outras infecções respiratórias. 

Autoria

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Raissa Moraes

Editora médica de Infectologia da Afya ⦁ Médica do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas/FIOCRUZ ⦁ Mestrado em Pesquisa Clínica pelo Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas/FIOCRUZ ⦁ Infectologista pelo Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas/FIOCRUZ ⦁ Graduação em Medicina pela Universidade Federal Fluminense

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