Infecções fúngicas invasivas são condições associadas a alta morbidade e mortalidade e frequentemente de difícil diagnóstico. Além da clínica e imagem, alguns biomarcadores podem auxiliar no diagnóstico, mas a interpretação dos seus resultados depende muitas vezes do contexto clínico.
A 1,3-β-d-glucana (BDG) é um polissacarídeo específico da parede celular de fungos, sendo o componente predominante em muitas espécies patogênicas. Essa propriedade faz com que tenha sido utilizada como ferramenta diagnóstica para infecções fúngicas invasivas, especialmente aspergilose e candidíase. Outras micoses, como as causadas por espécies de Mucorales spp. e Cryptococcus spp., não são detectadas por esse método.
Atualmente, a dosagem de BDG é validada somente para uso em amostras de soro. Como parte da atualização das definições de infecção fúngica invasiva, um posicionamento específico, baseado nas principais científicas disponíveis, sobre o papel da dosagem de BDG em diferentes populações foi publicado pelo consenso europeu EORTC-MSG (European Organization for Research and Treatment of Cancer/Invasive Fungal Infections Cooperative Group and the National Institute of Allergy and Infectious Diseases Mycoses Study Group).
Pacientes com doenças hematológicas
Um conjunto de evidências consideradas robustas apoia o uso de dosagem de BDG em pacientes hematológicos de alto risco, como receptores de transplante alogênico de células hematopoiéticas ou com leucemia aguda e tempo prolongado de neutropenia (> 10 dias).
Pode ser usada para detecção de infecções fúngicas invasivas, principalmente aspergilose e candidíase, mas alguns dados sugerem que também possa ser útil no diagnóstico de outras micoses como as causadas por Fusarium spp., Scedosporium spp. e Trichosporon spp. Entretanto, pela sensibilidade limitada, um resultado negativo não pode ser usado para excluir infecção fúngica invasiva, considerando a alta prevalência nessa população.
Um resultado positivo deve ser confirmado com o objetivo de aumentar o valor preditivo positivo e deve ser considerado em conjunto com a clínica, exames de imagem e outros critérios micológicos para estabelecer o diagnóstico de micose invasiva.
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A revisão dos dados não mostrou diferença na performance diagnóstica do teste para Aspergillus spp. ou Candida spp. e nem entre os kits disponíveis comercialmente. Embora com dados limitados, também não parece haver interferência do uso de profilaxia antifúngica na performance do teste.
Causas de falsos positivos descritas incluem transfusão de hemocomponentes, terapia de substituição renal, uso de antibióticos de amplo espectro e transfusão de imunoglobulinas.
Pacientes com neoplasias de órgãos sólidos
Poucos dados estão disponíveis sobre o uso de BDG em pacientes oncológicos ou com outras formas de imunossupressão. A maioria dos estudos avaliou a performance do teste em receptores de transplantes de pulmão e fígado. Para esses grupos, a sensibilidade da dosagem de BDG estaria entre 60 e 80% e o valor preditivo negativo seria > 90%.
Com esses dados, a dosagem de rotina de BDG para detecção de infecções fúngicas invasivas em pacientes com neoplasias de órgãos sólidos não é recomendada. O painel considera o uso como forma de excluir a doença nessa população de baixo risco, uma vez que o teste apresenta um elevado valor preditivo negativo.
Pacientes críticos internados em unidades de terapia intensiva
Os dados nessa população são escassos e provenientes de estudos heterogêneos, com os principais estudos avaliando infecções por Candida spp. Desses, a maioria sugere um valor preditivo negativo > 90% e um valor preditivo positivo < 70%.
Alguns estudos sugerem que a performance do teste pode aumentar se utilizado somente em populações de maior risco para candidíase invasiva, como os com complicações cirúrgicas abdominais ou pancreatite necrosante. A restrição a essa população aumentaria o VPP para 70 a 80%, mas reduziria o VPN para aproximadamente 80%.
A dosagem de BDG pode ser usada para auxiliar a decisão de não iniciar ou de suspender antifúngicos iniciados empiricamente em pacientes críticos com risco de candidíase invasiva. Entretanto, um resultado negativo deve ser considerado em conjunto com informações clínicas, radiológicas e de outros biomarcadores.
O uso como ferramenta de rastreio para o início de tratamento preemptivo deve ser limitado a grupos de alto risco (cirurgia abdominal complicada, principalmente perfuração gastrointestinal recorrente ou fístula em anastomose hepatobiliar, pancreatite necrosante), podendo ser combinado com outros biomarcadores de candidíase invasiva. Fatores como terapia de substituição renal, uso de antibióticos de amplo espectro, transfusão de albumina e gazes cirúrgicas podem ser causas de falsos positivos.
A dosagem de BDG não é recomendada como ferramenta de avaliação de aspergilose invasiva em pacientes críticos.
As recomendações do EORTC-MSG estão resumidas na tabela abaixo:
População | Tipo de infecção fúngica invasiva | BDG negativo para excluir IFI | BDG positivo para iniciar tratamento |
Pacientes com neoplasia hematológica de alto risco | Aspergilose, candidíase, outras IFI | Não recomendado | Se combinado com outros critérios diagnósticos; recomenda-se 2 testes positivos consecutivos |
Receptores de transplante de órgãos sólidos | Aspergilose, candidíase, outras IFI | Se probabilidade pré-teste for considerada baixa/moderada | Não recomendado |
Outros tipos de imunossupressão (neutropenia induzida por quimioterapia, uso crônico de imunossupressor) | Aspergilose, candidíase, outras IFI | Se probabilidade pré-teste for considerada baixa/moderada | Não recomendado |
Pacientes de CTI | Candidíase | Se probabilidade pré-teste for considerada baixa/moderada | Se limitado a pacientes de alto risco; recomenda-se 2 testes positivos consecutivos |
Aspergilose | Não recomendado | Não recomendado |
Referências bibliográficas:
- Lamoth, F, Akan, H, Andes, D, Cruciani, M, Marchetti, O, Ostrosky-Zeichner, L, Racil, Z, Clancy, CJ. Assessment of the Role of 1,3-β-d-Glucan Testing for the Diagnosis of Invasive Fungal Infections in Adults. Clinical Infectious Diseases 2021;72(S2):S102–8. doi: 10.1093/cid/ciaa1943
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