Como evitar as infecções associadas aos cateteres venosos centrais?
As infecções de corrente sanguínea associadas aos cateteres venosos centrais (ICS-CVC) tem um grande impacto nos desfechos hospitalares.
O advento dos cateteres venosos centrais (CVC) permitiu a administração eficaz, segura e prolongada de fluidos, drogas vasoativas, antibióticos, quimioterápicos e nutrição parenteral, além de viabilizar um meio para a hemodiálise, tornando-se componentes essenciais do arsenal terapêutico destinado aos doentes críticos.
Apesar de reconhecermos a sua importância, as infecções de corrente sanguínea associadas ou relacionadas aos cateteres venosos centrais (ICS-CVC) impactam sobremaneira nos desfechos hospitalares, aumentando o tempo de internação (média de três a sete dias adicionais em CTI e enfermaria, respectivamente), a exposição antimicrobiana e a mortalidade (odds ratio de 2,75 – IC 95%: 1,86 a 4,07 conforme dados de meta-análise envolvendo 18 estudos), sem contar os impactos financeiros.
Os seguros de saúde americanos adotaram, na primeira década dos anos 2000, uma política drástica de negar aos hospitais o reembolso de custos relacionados às ICS-CVC, gerando grande pressão sobre os administradores. O CDC constatou, na sequência, uma redução de quase 60% das notificações. Embora fosse um dado otimista, especula-se que as sanções financeiras tenham fomentado a subnotificação.
De uma forma geral, podemos entender as ICS-CVC como indicações da qualidade da assistência prestada, uma vez que representam eventos iatrogênicos e potencialmente evitáveis, de forma que sua mitigação deve ser um alvo constante das instituições de saúde.
Detecção de hemoculturas
Uma definição operacional de infecções de corrente sanguínea associadas aos CVC (ICSa-CVC), com a finalidade de vigilância epidemiológica, reside na detecção de hemoculturas positivas em pacientes expostos ao CVC por, pelo menos, 48 horas, na ausência de outras fontes identificáveis de bacteremia ou fungemia.
Em contrapartida, um conceito mais amplo e interessante é o das infecções de corrente sanguínea relacionadas aos cateteres venosos centrais (ICSr-CVC), que leva em conta dados microbiológicos que culpabilizam o CVC enquanto fonte infecciosa (culturas quantitativas e tempo para a positivação das culturas), somados à síndrome infecciosa expressa por febre e leucocitose, bem como sinais localizatórios: presença de eritema ou drenagem de secreção purulenta nas adjacências do sítio de inserção do CVC.
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A compreensão da fisiopatologia das ICS-CVC é crucial para o embasamento das medidas profiláticas preconizadas, sendo subdivida em quatro elementos, em ordem decrescente de relevância:
- Disseminação por contiguidade de patógenos cutâneos pela superfície externa do cateter é considerada o principal mecanismo das infecções que ocorrem na primeira semana de inserção do CVC;
- Contaminação luminal pela manipulação inadequada do cateter, com aderência dos microrganismos aos biofilmes, é um processo que ganha importância após a primeira semana de implantação do CVC;
- Contaminação hematogênica da extremidade do CVC a partir de um foco distante, uma via fisiopatológica considerada incomum;
- Infusão de soluções contaminadas pelo CVC representa um mecanismo raro, mas com potencial de gerar surtos de infecções de corrente sanguínea.
Os fatores de risco relacionados às ICS-CVC podem ser subdivididos entre os relacionados ao:
- Indivíduo: imunodeprimidos, neutropênicos, grandes queimados, desnutridos, obesos (IMC > 40), hospitalização prolongada antes da inserção do CVC, prematuridade e falência de acessos vasculares;
- Equipe de saúde: inserção do CVC em situações emergenciais, aderência incompleta à técnica asséptica, manipulações múltiplas do CVC, sobrecarga da equipe de enfermagem e inércia na remoção de dispositivos que já não são mais necessários;
- Dispositivo intravascular: material do cateter, sítio de inserção (a veia subclávia é considerada a mais segura nesse aspecto, especialmente na terapia intensiva, enquanto a veia femoral se associa a maiores taxas de infecções) e indicações para a sua utilização (hemodiálise aumenta o risco de infecção).
Quais são as estratégias comprovadas na mitigação das ICS-CVC?
- Adoção de checklists para nortear a punção do CVC, preferencialmente com a supervisão de um observador. Prima-se pela higienização das mãos, uso de paramentação adequada, degermação da pele com soluções de clorexidina alcoólica com concentração mínima de 2% e utilização de campos estéreis amplos cobrindo todo o paciente.
- Utilização de kits de punção de CVC com todos os materiais necessários para o procedimento, incluindo anestésicos locais e materiais de sutura, reduzindo as oportunidades de transgressão da técnica asséptica.
- Coberturas para os CVC a base de clorexidina, seja com gel em curativos transparentes ou esponjas impregnadas no sítio de inserção.
- Banhos diários com clorexidina destinados aos pacientes críticos, com dados menos robustos para indivíduos em enfermarias clínicas, cirúrgicas ou unidades oncológicas.
- Emprego de cateteres venosos comerciais impregnados com sulfadiazina de prata ou minociclina-rifampicina é muito efetivo na redução do risco de ICS-CVC, embora os custos elevados tenham coibido a sua ampla utilização em um primeiro momento.
- Fricção dos conectores e tampas dos CVC com soluções antissépticas a base de álcool ou clorexidina após cada manipulação, ou a adoção de protetores que viabilizam a limpeza passiva e contínua dos mesmos ao dispensar soluções antissépticas, promovendo barreira física e química.
A pandemia da covid-19 apresentou desdobramentos graves sobre as ICS-CVC, com amplificação das notificações em até quatro vezes, em um cenário em que a capacidade de monitorizar esses eventos caiu drasticamente. O estresse das equipes de saúde, somado à escassez de recursos, prejudicou a aderência às boas práticas relacionadas à prevenção das infecções. Nesse aspecto, uma lição pode ser tomada: os ganhos que temos tido na profilaxia das ICS-CVC devem ser garantidos por meio de tecnologias que tornem a contaminação dos cateteres menos dependentes dos operadores, e é nesse nicho que novos dispositivos, capazes de realizar a higienização do sítio de inserção do CVC de forma passiva ou disponibilizar localmente antibióticos passam a ter um maior apelo para a utilização.
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Conclusão e mensagens práticas
- Os cateteres venosos centrais (CVC) revolucionaram a forma de administrar medicamentos e tratar os doentes críticos.
- As infecções de correntes sanguíneas associadas ou relacionadas aos CVC (ICSa-CVC e ICSr-CVC) são iatrogênicas e potencialmente evitáveis, se comportando como indicadores da qualidade da assistência prestada. A sua ocorrência está associada ao aumento do tempo de internação, da exposição antibiótica, dos custos hospitalares e da mortalidade.
- Na ausência de indicação clara para a manutenção de um CVC, o mesmo deve ser removido!
- As medidas profiláticas passam pela adoção de checklists no momento da inserção, com ênfase na higienização das mãos, paramentação, utilização de kits completos que minimizem as oportunidades de transgressão da técnica asséptica.
- O emprego de tecnologias que tornem os cuidados aos CVC menos dependentes dos operadores, como tampas ou conectores capazes de dispensar soluções antissépticas ou a impregnação das coberturas dos CVC com soluções de clorexidina ou o lúmen dos cateteres venosos centrais (CVC) com antibióticos podem ser especialmente úteis em cenários dramáticos.
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