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Infectologia1 setembro 2021

Autoanticorpos estão associados a Covid-19 grave?

Ainda questiona-se quais outros fatores poderiam aumentar a probabilidade de evolução para a Covid-19 em forma grave e possível óbito.

Por Rafael Duarte

Desde dezembro de 2019, com o surgimento dos milhões de casos de infecção pelo coronavírus SARS-CoV-2, associado à pandêmica síndrome de Covid-19, e o acúmulo de uma proporção significativa de óbitos, verificou-se uma acelerada e progressiva investigação à compreensão da fisiopatologia da doença, especialmente quanto aos fatores que poderiam estar associados à evolução aos casos graves.

A variabilidade clínica interindividual observada entre os infectados pelo SARS-CoV-2 é ampla, desde assintomatologia ou formas leves em cerca de 90% dos acometidos, até a progressão para pneumonia e falência respiratória, com necessidade de hospitalização entre 10% e 2% dos pacientes com Covid-19, respectivamente. A idade corresponde ao principal fator de risco epidemiológico para a hospitalização e morte pela pneumonia viral, com duplicação do risco a cada 5 anos de idade maior. Mas ainda questiona-se quais outros fatores adicionais poderiam aumentar a probabilidade de evolução para a Covid-19 em forma grave e possível óbito, já que a progressão clínica não é uniforme entre os doentes.

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Em um estudo prévio com grupo amostral pequeno, realizado pelo estudo COVID Human Genetic Effort (Zhang et al. 2020), verificou-se que erros inatos na expressão de IFN dependente de TLR3 e IRF7 estavam presentes entre doentes com Covid-19 com pior prognóstico. As alterações autossômicas dominantes foram detectadas em pacientes idosos, mas também foram observadas deficiência de IRF7 e IFNAR1 com característica autossômica recessiva em menor proporção entre adultos de 25 a 50 anos, sugerindo que a imunidade tipo 1 baseada em IFN é provavelmente essencial para a geração de resposta protetora à infecção respiratória por SARS-CoV-2. 

Autoanticorpos estão associados a Covid-19 grave?

Análise recente

Em continuidade a esses achados, Bastard et al. (2021) seguiram com esses estudos e realizaram ensaios de investigação imunofenotípicos em uma coorte internacional de pacientes hospitalizados com Covid-19 grave e indivíduos assintomáticos ou com Covid-19 leve. Os resultados do estudo dessa coorte indicaram que autoanticorpos com capacidade neutralizante de altas doses de IFN-α2 e/ou -ω, mesmo em diluições 1:10, foram detectados no soro de aproximadamente > 10% dos pacientes com Covid-19 grave, especialmente em 21% dos 374 pacientes > 80 anos, mas estavam ausentes entre pacientes assintomáticos ou oligossintomáticos. Nesses pacientes com prognóstico favorável, as concentrações de IFN-α no sangue variam de 1 a 100 pg/mL. Os autoanticorpos (em soro não diluído) foram capazes de neutralizar até 100 ng/mL de IFN-α2 e/ou -ω. É importante ressaltar que os 17 subtipos de IFN tipo I, incluindo os 13 subtipos de IFN-α, IFN-ω, IFN-β, IFN-ε, e IFN-κ, apresentam propriedade semelhante de ligação ao mesmo receptor heterodimérico IFNAR1 e IFNAR2. Dentre os 1.124 pacientes que evoluíram para óbito, 18% apresentaram esses autoanticorpos. Adicionalmente, autoanticorpos anti-IFN-β também foram encontrados em 1,3% e 0,9% dos pacientes que evoluíram para Covid-19 grave ou para o óbito, respectivamente, e de forma não concomitante com os autoanticorpos anti-IFN-α2 e/ou -ω.

Saiba mais: Pacientes imunizados e a síndrome pós-Covid-19

Os autoanticorpos anti-IFN tipo I foram detectados predominantemente em homens e em idosos > 65 anos, e somente em 0,3% da população geral e entre indivíduos de 20 a 69 anos, previamente a infecção pelo SARS-CoV-2, apresentando características de herança genética, e colaborando para o conceito de que esses anticorpos podem significar um fator preditivo da Covid-19 grave. De maneira similar, a presença desse componente humoral é característica em quase todos os pacientes com síndrome autoimune poliglandular tipo 1 (APS-1), os quais também apresentam risco muito elevado de evolução para a Covid-19 grave, assim como entre pacientes com imunodeficiência combinada e mutações hipomórficas de RAG1 ou RAG2, poliendocrinopatia, enteropatia, síndrome ligada ao cromossomo X, mutações de FOXP3, lúpus eritematoso sistêmico, timoma, miastenia gravis e outras. Adicionalmente, pacientes com esses autoanticorpos apresentam reações adversas intensificadas à vacina atenuada 17D contra a febre amarela.

Conclusão

Os autores sugerem que o rastreio de autoanticorpos anti-IFN tipo I (IFN-α2, IFN-ω, e IFN-β) em pacientes infectados por SARS-CoV-2, ou mesmo na população em geral, permitiria prever a evolução para as formas graves e a instituição precoce de medidas preventivas como o tratamento com anticorpos monoclonais. Também sugerem que pacientes com esses autoanticorpos deveriam ser prioritários na vacinação anti-Covid-19, e não deveriam ser administrados vacinas atenuadas como contra a febre amarela YFD-17D. Adicionalmente, os produtos sanguíneos desses pacientes deveriam ser excluídos da possibilidade de doação, assim como o plasma convalescente de doadores curados da Covid-19 deveria ser testado para autoanticorpos anti-IFN tipo I.

Detalhes específicos quanto a metodologia utilizada e os resultados podem ser obtidos nas referências citadas abaixo. 

Referências bibliográficas:

  • Bastard P, Gervais A, Le Voyer T, et al. Autoantibodies neutralizing type I IFNs are present in ~4% of uninfected individuals over 70 years old and account for ~20% of COVID-19 deaths. Sci Immunol. 2021 Aug 19;6(62):eabl4340. doi: 10.1126/sciimmunol.abl4340

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