Até o momento, poucas intervenções farmacológicas mostraram benefício comprovado no tratamento de Covid-19, sendo o uso de dexametasona o com indicações mais amplas. Ainda sim, casos leves não possuem terapia específica aprovada.
Nitazoxanida é um antiparasitário que já demonstrou atividade antiviral in vitro, incluindo contra o SARS-CoV-2. Entretanto, sua ação in vivo não foi comprovada, não havendo estudos com boa metodologia demonstrando eficácia e segurança para uso em casos de Covid-19.
Um estudo conduzido por pesquisadores brasileiros avaliando o uso precoce de nitazoxanida em casos leves de Covid-19 foi recentemente publicado no MedRxiv. Os resultados foram publicados ainda em versão pré-print, sem revisão por pares.
Nitazoxanida para Covid-19
Trata-se de um ensaio clínico randomizado duplo-cego controlado por placebo, multicêntrico, conduzido em sete centros hospitalares brasileiros, sendo cinco emergências e dois hospitais.
Foram incluídos indivíduos adultos que se apresentaram com sintomas clínicos de Covid-19 – a saber, tosse seca, febre e/ou fadiga – com no máximo três dias de duração. Os critérios de exclusão foram resultado negativo de RT-PCR para SARS-CoV-2 em swab nasofaríngeo, incapacidade de tomar medicação oral, presença de comorbidades que pudessem comprometer a segurança do participante durante o estudo (doenças hepáticas, renais, cardíacas, pulmonares ou autoimunes graves, câncer nos últimos cinco anos ou alergia ou hipersensibilidade conhecida à nitazoxanida), tratamento com nitazoxanida nos últimos 30 dias antes da inclusão e suspeita clínica de pneumonia bacteriana ou tuberculose.
Os participantes incluídos foram randomizados na proporção 1:1 para receber nitazoxanida solução oral 500 mg (20 mg/mL), 8/8h, por cinco dias ou placebo. Todos os indivíduos potencialmente elegíveis foram submetidos à coleta de swab nasofaríngeo e somente os com RT-PCR detectável foram incluídos, sendo o tratamento iniciado no máximo até o 4º dia de sintomas. Marcadores inflamatórios foram coletados antes e ao final do tratamento.
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Aos participantes, foram entregues jornais para registro da presença e resolução de sintomas. Ao fim do tempo de tratamento, novo swab foi coletado.
O desfecho primário foi a resolução completa dos três sintomas de interesse depois da terapia: tosse seca, febre e/ou fadiga. Os desfechos secundários incluíram redução da carga viral em swab nasofaríngeo, melhora em parâmetros laboratoriais e incidência de internação hospitalar após término do tratamento do estudo.
Resultados
A amostra final do estudo contou com 392 participantes (194 no braço de nitazoxanida e 198 no braço controle). A faixa etária variou de 18 a 77 anos. A maioria (67%) dos participantes iniciou o tratamento com 3 dias de sintomas, com tempo médio de 5 dias entre o início dos sintomas e a primeira dose de nitazoxanida/placebo. A carga viral média no início do estudo foi semelhante em ambos os grupos.
Não houve diferença entre os grupos em relação à resolução completa de sintomas após cinco dias de tratamento: 49 participantes no grupo de nitazoxanida e 46 no grupo placebo continuaram a apresentar pelo menos um sintoma após esse período. Na visita remota de seguimento após 1 semana, 38 participantes no grupo de nitazoxanida (78%) e 26 no grupo placebo (57%) relataram resolução completa dos sintomas (p = 0,048).
Para os desfechos secundários, a carga viral após cinco dias de terapia foi menor no grupo da nitazoxanida do que no grupo placebo (p = 0,006). Além disso, a porcentagem de redução na carga viral do dia 1 ao dia 5 foi significativamente maior no grupo que recebeu intervenção (55% vs. 45%; p = 0,013). Na visita após o fim da terapia, 29,9% dos participantes no grupo da nitazoxanida e 18,2% dos que estavam no grupo placebo apresentaram RT-PCR negativo (p = 0,009).
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A dosagem de marcadores inflamatórios não foi diferente entre os grupos e nem entre os valores ao início e ao fim do tratamento. Em relação à hospitalização, dez pacientes – cinco em cada braço – foram hospitalizados por piora clínica, todos antes de completar os cinco dias de tratamento, sendo dois – ambos do grupo de nitazoxanida – com necessidade de terapia intensiva.
Nenhuma morte ou evento adverso grave foi relatado no grupo que recebeu nitazoxanida. A incidência de eventos adversos leves e moderados foi semelhante entre os grupos (30,9% no grupo de nitazoxanida e 30,4% no grupo do placebo), sendo diarreia, cefaleia e náuseas os mais comuns. Seis pacientes no grupo de nitazoxanida e um no grupo placebo descontinuaram o tratamento por diarreia moderada e vômitos.
Mensagens práticas
- O uso de nitazoxanida esteve associada à redução na carga viral detectada por RT-PCR de amostras de swab nasofaríngeo após cinco dias. Os autores consideram que isso pode ter impacto na redução no tempo de transmissão, porém não há comprovação científica desse benefício.
- Não houve diferença significativa entre os grupos em desfechos clínicos, como resolução completa de sintomas ao fim do tratamento ou diminuição na necessidade de internação hospitalar, ou laboratoriais.
Referência bibliográfica:
- Rocco, PRM, Silva, PL, Cruz, FF, et. al. Early use of nitazoxanide in mild Covid-19 disease: randomized, placebo controlled trial. medRxiv. doi: https://doi.org/10.1101/2020.10.21.20217208
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