Devido ao grande número de pacientes que se recusam a serem transfundidos por razões religiosas, como as testemunhas de Jeová, assim como aos riscos que se corre ao se realizar uma transfusão sanguínea, a medicina vem cada vez mais tentando estudos e terapias alternativas para encarar esses tipos de situações.
Mais precisamente, esses estudos estão focados em pacientes cirúrgicos, onde a iminência de transfusão é mais emergencial do que na prática clínica. De forma resumida, os protocolos para a não transfusão estão voltados basicamente para o tratamento da anemia pré-operatória, uso da auto-hemotransfusão intraoperatória (cellsaver) e a minimização da perda de sangue colhida nos procedimentos laboratoriais.
A maioria dos pacientes que recusam a transfusão sanguínea são por motivos religiosos e os componentes primários do sangue, como concentrados de hemácias e hemoglobina, são estritamente proibidos, assim como a transfusão autóloga, pois o sangue não pode “sair do corpo” do paciente. Componentes secundários, como crioprecipitado, albumina, trombina e fatores de coagulação podem ser utilizados, assim como auto-hemotransfusão intraoperatória. Estima-se que haja mais de 8 milhões de pessoas testemunhas de Jeová mundialmente.
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Manejo de paciente que não pode fazer transfusão
O princípio básico para o manejo desses pacientes é o controle e tratamento da anemia e da possibilidade de sangramento intraoperatório. Pela Organização Mundial de Saúde (OMS) é considerado anemia uma taxa de hemoglobina menor que 12 g/dL para mulheres e menor que 13 g/dL para homens. Anemia ferropriva é a maior causa de anemia nos dias atuais assim como insuficiência renal nos pacientes mais idosos.
A anemia deve ser diagnosticada e tratada no período pré-operatório a fim de se evitar transfusões desnecessárias. Administração de sulfato ferroso na dose de 325 mg duas a três vezes ao dia, vitamina B12 e ácido fólico devem ser realizados. O uso de ferro intravenoso é indicado em pacientes anêmicos que não toleram a terapia oral ou que têm alto grau de anemia ou que irão se submeter a cirurgia cardíaca.
Nos pacientes com insuficiência renal, a terapia com eritropoetina na dose de 20.000 a 30.000 três vezes antes da cirurgia é recomendado. Ainda em relação aos princípios básicos é importante que se analise o risco de sangramento intraoperatório de cada paciente. Pacientes que fazem uso de anticoagulantes tem maior chance de apresentar hemorragia durante o procedimento cirúrgico. Sendo assim, avaliar a suspensão dessas medicações também é conduta básica para evitar transfusões sanguíneas.
Em pacientes internados deve-se limitar a quantidade de sangue coletado laboratorialmente por dia. Estima-se que haja perda de 1% do volume sanguíneo diário em pacientes internados em UTI. O tratamento da anemia pré-operatória deve ser realizado de seis a quatro semanas antes do procedimento.
Em relação a parte intraoperatória, condutas como hemodiluição para manter a normovolemia e coagulação cirúrgica dos tecidos de forma rígida ajudam na diminuição da necessidade de hemotransfusão.
No período pós-operatório o paciente deve ser mantido hidratado com cristaloides e o uso de desmopressina na dose de 0,3 mcg/kg é preconizado em pacientes usuários de aspirina ou com falência renal. Evitar hipotermia, hipertensão e flebotomias diárias. Essas devem ser realizadas com material pediátricos a fim de coletar menos volume. Transfusão de crioprecipitado e fatores de coagulação deve ser realizada em pacientes com sangramento.
Em relação aos pacientes pediátricos, não se tem como tentar colocar em prática à risca todos esses princípios acima, pois são pacientes que tem tolerância bem inferior a situações onde há perda de sangue em grandes volumes. Pode-se tentar a terapia com eritropetina pré-cirúrgica, alguns poucos estudos já evidenciaram a diminuição da necessidade de transfusão de sangue quando esta foi realizada.
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Resumo pacientes pré-cirúrgicos
Em resumo, a conduta a ser tomada nos pacientes pré-cirúrgicos cuja hemotransfusão é recusada seria:
- Diagnóstico e tratamento da anemia pré-cirúrgica;
- Diminuição do número e volume de coletas de sangue;
- Uso de auto hemotransfusão intraoperatória (cellsaver);
- Manter uma normovolemia dilucional no intraoperatório;
- Atenção para excelente coagulação de tecidos intraoperatório;
- Evitar hipotermia;
- Evitar hipertensão.
Referências bibliográficas:
- Linda MS,Frank SM.Bloodless medicine: what to do when you can’t transfuse. Hematology Am Soc Hematol Educ Program (2014) 2014 (1): 553–558.
- Frank SM Wick EC, DeZern AE, et al. Risk-adjusted outcomes in patients enrolled in a bloodless program, Transfusion Prepublished on June 18, 2014
- McCartney S, Guinn N, Roberson R, Broomer B, White W, Hill S. Jehovah’s Witnesses and cardiac surgery: a single institution’s experience, Transfusion Prepublished on May 9, 2014
- Goodnough LT. Blood management: transfusion medicine comes of age, Lancet, 2013, vol. 381 9880(pg. 1791-1792).
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