Logotipo Afya
Anúncio
Hematologia27 maio 2024

Como diagnosticar e fechar prognóstico da leucemia linfocítica crônica e do SLL?

A progressão para leucemia linfocítica crônica (LLC) ocorre em pelo menos 1%-2% dos casos de MBL por ano.
Por Felipe Mesquita

Profissional de saúde manipulando amostras de sangue indicativas de quadro de leucemia linfocítica crônica

Incidência, epidemiologia e conceito 

A leucemia linfocítica crônica (LLC) é a leucemia mais comum no mundo ocidental, com uma incidência de 4,2 por 100 mil por ano. A incidência aumenta para mais de 30 por 100 mil casos anuais em indivíduos acima de 80 anos de idade.

A mediana de idade ao diagnóstico é de 72 anos. É importante destacarmos que o linfoma linfocítico de pequenas células (SLL) é uma manifestação predominantemente nodal/esplênico da leucemia linfocítica crônica, seguindo critérios diagnósticos e de manejo muito semelhantes.

A diferença fundamental é que o diagnóstico se dará pela imuno-histoquímica (IHQ) do linfonodo, e não pela imunofenotipagem de sangue periférico ou medula óssea. 

Veja também: Meu paciente apresenta eosinofilia, o que devo fazer?

Diagnóstico da leucemia linfocítica crônica

O diagnótico da doença vai depender da apresentação clínica. Nos casos de linfocitose vista ao hemograma, procederemos à solicitação de imunofenotipagem do sangue periférico, enquanto na doença nodal, devemos lançar mão da biópsia linfonodal excisional (o que auxilia no diagnóstico diferencial com Linfoma do Manto, pela realização de Ciclina D1).

Manifestações extra nodais devem ser abordadas, preferencialmente, por biópsia excisional ou “a céu aberto”.  

A presença de ≥5 x 109/L de linfócitos B monoclonais no sangue periférico deve levantar a possibilidade do diagnóstico de leucemia linfocítica crônica. A clonalidade dos linfócitos B circulantes precisa ser confirmada por meio da demonstração de restrição de cadeia leve utilizando citometria de fluxo.

Se os linfócitos B no sangue periférico forem <5 x 109/L e o paciente apresentar linfonodomegalia e/ou esplenomegalia (detectadas por exame de imagem ou exame físico), o diagnóstico de SLL ao invés de LLC deve ser considerado.

A biópsia de linfonodo e/ou a biópsia de medula óssea podem ser úteis se a imunofenotipagem não for conclusiva para o diagnóstico de LLC/SLL. 

Os critérios imuno fenotípicos de MATUTES ainda hoje são utilizados para o diagnóstico. Uma pontuação de 4 ou 5 sugere fortemente o diagnóstico. Uma pontuação ≤ 3 sugerem outros diagnósticos mais prováveis (outras neoplasias linfoides B maduras – prosseguir com a investigação). No caso de SLL, a imuno histoquímica do linfonodo apresentará as mesmas marcações abaixo. 

Tabela 1 – Critérios de MATUTES para o diagnóstico imunofenotípico de leucemia linfocítica crônica

Cluster Status Pontuação 
CD5 Positivo/Positivo forte +1 
CD23 Positivo/Positivo forte +1 
FMC7 Negativo +1 
Imunoglobulina de superfície (sIg) Positivo fraco +1 
CD22 ou CD79b Positivo fraco +1 

Na ausência de linfadenopatia, organomegalia, citopenia e sintomas clínicos, a presença de <5 x 109/L de linfócitos B monoclonais define a “linfocitose B monoclonal” (MBL), que pode ser detectada em até 5% dos indivíduos com contagem sanguínea normal, aumentando a frequência com a idade.

A progressão para leucemia linfocítica crônica ocorre em pelo menos 1%-2% dos casos de MBL por ano. É importante informar aos pacientes e indivíduos saudáveis que a MBL ainda não é uma leucemia ou linfoma. 

Anatomopatologia e perfil imuno-histoquímico/imunofenotípico

As células leucêmicas encontradas no esfregaço de sangue são caracteristicamente linfócitos maduros, de tamanho pequeno, com uma borda estreita de citoplasma e um núcleo denso, sem nucléolos discerníveis e com cromatina parcialmente agregada.

Linfócitos maiores, atípicos ou pró-linfócitos podem ser observados, mas não devem exceder 55% do total de células nucleadas. As células de LLC coexpressam os antígenos de superfície de células B CD19 e CD20 (fraco), juntamente com CD5, CD23, CD43 e CD200.

Cada clone de células leucêmicas restringe-se a expressar cadeias leves de imunoglobulina kappa ou lambda, ou não apresenta expressão aparente de nenhuma das duas.  

Diagnóstico diferencial 

Devemos proceder ao diagnóstico diferencial com os seguintes linfomas: 

  1. Linfoma de células do manto (principalmente variante leucêmica): CD200 em geral é negativo com Ciclina D1 positiva; CD23 negativo. CD5 pode ser fortemente positivo. FISH para t(11;14) é positivo. Avaliação de SOX11 pode vir positivo. 
  2. Linfoma de Zona Marginal (principalmente variante esplênica): CD23 negativo, ciclina D1 negativo, CD5 positivo. CD180 fortemente positivo e CD43 negativo ou positivo fraco. 
  3. Linfoma linfoplasmacítico

Leia ainda: Atualização das diretrizes da ISTH para o tratamento antitrombótico na covid-19

Estadiamento, avaliação de risco e prognóstico da leucemia linfocítica crônica

Os escores clínicos de RAI e BINET continuam sendo utilizados para estadiamento da doença e definição de risco clínico do paciente. Indivíduos de baixo risco clínico, em geral, não necessitam de tratamento imediato (“watch-and-wait”) ou investigações adicionais. Exceção aos casos em que existam:  

Sintomas relacionados à doença: fadiga, sudorese noturna, perda de peso e febre. 
Linfonodomegalias dolorosas ou que incomodem o paciente. 
Aumento do número de linfócitos > 50% em 2 meses ou tempo de duplicação estimado < 6 meses. 
Aumento rápido dos linfonodos ou apresentação bulky ( ≥10cm), aumento expressivo do baço ou fígado  
Anemia e/ou trombocitopenia autoimune não responsiva aos corticosteroides. 
Infecções de repetição
Sintomas compressivos extrínsecos pela linfonodomegalia 
Infiltração de órgãos sólidos pela doença 

A presença de alterações citogenéticas/moleculares pode se sobrepor ao escore clínico quando encontradas e serão abordadas logo a seguir. Consultas periódicas com exame físico, anamnese e hemograma completo devem ocorrer de 3/3 meses no 1º ano e, no 2º ano, o volume de doença deve ser levado em consideração para definição (3-12 meses). 

Tabela 2 – Sistema de Estadiamento de Binet 

Binet Risco Descrição 
A Baixo risco Hemoglobina (Hb)≥10g/dL e Plaquetas (PLQ)≥100.000/mm³, < 3 áreas linfoides envolvidas 
B Risco intermediário Hb≥10g/dL e PLQ≥100.000/mm³, > 3 áreas linfoides envolvidas 
C Alto risco Hb<10g/dL e PLQ<100.000/mm³ 

Tabela 3 – Sistema de Estadiamento de RAI 

Grupo de Risco Estádio Definição 
Baixo 0 Linfocitose >5x 109/L 
Intermediário I Linfocitose > 5x 109/L e Linfadenopatia 
II Linfocitose >5x 109/L e Esplenomegalia e/ou Hepatomegalia associado ou não a Linfadenopatia 
Alto III Linfocitose >5x 109/L e Hemoglobina<11 g/dL associado ou não a Linfadenopatia/organomegalia 
IV Linfocitose >5x 109/L e Plaquetas < 100.000/mm3 associado ou não a Linfadenopatia/organomegalia 

Pacientes de risco alto ou intermediário, em geral, apresentam indicação de tratamento e devem ser avaliados adicionalmente conforme tabela abaixo. 

 Ao diagnóstico Avaliação pré-tratamento Avaliação pós-tratamento Seguimento 
Anamnese, exame físico e performance status + + + + 
Hemograma completo  + + + + 
Bioquímica inicial (LDH, Bilirrubinas, Haptoglobina, ácido úrico, função renal, hepática e transaminases hepáticas), imunoglobulinas séricas COOMBS direto, β2-microglobulina, eletroforese de proteínas séricas, β-HCG em mulheres na menacme  + + + 
Citogenética (FISH) e avaliações molecular para mutação do TP53 ou deleção do 17p (+) +   
Status mutacional do IGHV (+) +   
Aspirado de Medula Óssea e Biópsia de M.O.  + +  
Sorologias para HBV, HCV, CMV, HIV, EBV, VDRL, HTLV  +   
Tomografias de estadiamento (pescoço, tórax, abdômen e pelve)  + +  

A mutação do TP53 ou deleção do 17p, assim como o status mutacional da cadeia pesada das imunoglobulinas IGHV são variáveis prognósticas de alto risco e definidoras de esquemas de tratamento, conforme será detalhado mais adiante. A avaliação de medula óssea deve ser feita nos casos de diagnóstico duvidoso ou como parâmetro de comparação para a avaliação após o tratamento.

A pesquisa das mutações SF3β1, NOTCH1, BIRC3 ou avaliação de cariótipo complexo, estão recomendados para ensaios clínicos, sem impacto na decisão da terapêutica da prática clínica no momento. 

Como os clones leucêmicos podem evoluir, a análise por FISH para del (17p) e as mutações do TP53 devem ser repetidas antes de qualquer linha de terapia, logo após o diagnóstico da recaída.   

O Índice Prognóstico Internacional da leucemia linfocítica crônica (CLL-IPI) inclui estadiamento (BINET/RAI), idade, status do TP53, status do IGHV e beta-2-microglobulina (B2M) sérica, distinguindo subgrupos prognósticos diferentes que predizem a sobrevida global (SG).

Ele foi projetado para identificar três grupos de pacientes: (I) pacientes que não devem ser tratados (baixo risco), pois apresentam um prognóstico muito bom sem terapia; (II) pacientes que geralmente apresentam um desfecho razoavelmente bom com quimioimunoterapia (risco intermediário e intermediário/alto), particularmente quando agentes novos não estão disponíveis para a terapia de primeira linha; e (III) pacientes que devem receber agentes direcionados como terapia de primeira linha, porque a quimioterapia (QT) é ineficaz (risco muito alto).

Esse escore clínico tem sido mais utilizado em um cenário de recursos escassos para direcionamento da terapêutica.  

Atenção: O CLL-IPI deve ser realizado quando da definição por iniciar ou não um tratamento, dado que o paciente não apresente critérios óbvios como definido anteriormente. 

Saiba mais: Púrpura trombocitopênica trombótica: você sabe identificar e tratar?

Anúncio

Assine nossa newsletter

Aproveite o benefício de manter-se atualizado sem esforço.

Ao assinar a newsletter, você está de acordo com a Política de Privacidade.

Como você avalia este conteúdo?

Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.

Referências bibliográficas

Compartilhar artigo