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Hematologia24 abril 2024

Meu paciente apresenta eosinofilia, o que devo fazer?

Eosinofilia, contagem de eosinófilos no sangue periférico maior que 500/mm³, é uma condição relacionada a desordens hematológicas ou não hematológicas.
Por Felipe Mesquita

Os eosinófilos são células da linha mieloide, mais especificamente dos granulócitos, que foram nomeadas por Paul Ehrlich em 1879 devido aos seus grânulos eosinofílicos corados em vermelho brilhante. Essas células originam-se da medula óssea e são liberadas na forma madura, circulando pela periferia e tornando-se células predominantes no meio tecidual. O desenvolvimento dos eosinófilos depende de várias citocinas, incluindo IL-5, IL-3 e GM-CSF. Os eosinófilos utilizam uma variedade de processos de degranulação para liberar seletivamente ou completamente o conteúdo celular no exercício de suas funções.

Acredita-se que os eosinófilos sejam células efetoras na defesa do corpo contra infecções parasitárias e o mecanismo de ação pode diferir dependendo da etiologia de base. Outro mecanismo efetor inclui a morte celular citotóxica dependente de anticorpos realizada por eosinófilos e neutrófilos no caso de esquistossomose. Os eosinófilos podem usar mecanismos semelhantes para causar danos teciduais e inflamação em doenças associadas aos eosinófilos.

Leia também: Eosinofilia pulmonar pode indicar aspergilose broncopulmonar alérgica (ABPA)

Definição de eosinofilia

Em geral, o grau de eosinofilia é definido usando a contagem absoluta de eosinófilos. Eosinofilia é definida como maior que 500 eosinófilos/mm3. O grau de eosinofilia pode ser categorizado como leve (500-1.500 células/mm³), moderado (1.500 a 5.000 células/mm³) ou grave (> 5,000 células/mm³). Hipereosinofilia é definida como eosinofilia moderada a grave (≥ 1.500 células/mm³). Para atender à definição de síndromes hipereosinofílicas, é necessário evidência de dano em órgão-alvo como resultado da proliferação dos eosinófilos e infiltração tecidual.

Não há evidências que o grau de eosinofilia sanguínea seja correlacionado com a gravidade do quadro de base. Danos em órgãos-alvo podem ocorrer em níveis relativamente moderados de eosinofilia. Para a eosinofilia tecidual, os limiares do que é considerado um aumento patológico não estão bem definidos.

Abordagem clínica

A eosinofilia está associada a várias condições clínicas incluindo atopias, medicações, infecções parasitárias e neoplasias hematológicas.

O contexto clínico é muito importante na investigação de eosinofilias. O médico deve se questionar: “O valor anormal é uma descoberta nova ou é persistente?”, “Quais são os sintomas clínicos e medicamentos concomitantes associados à anormalidade laboratorial e como isso muda ao longo do tempo e/ou tratamento?”. Medicamentos concomitantes (como corticosteroides) e condições médicas transitórias (como infecções bacterianas) também podem mascarar um maior grau de eosinofilia transitória, suprimindo a contagem absoluta de eosinófilos.

  • Infecções

A eosinofilia é classicamente associada a doenças parasitárias, como infecções por helmintos. Como dito no tópico anterior, é importante considerar o histórico do paciente, atentando-se para o histórico de viagens e perfil de exposição, por exemplo, para guiar a investigação. A infecção pelo HIV pode estar associada à eosinofilia, embora haja fatores confundidores, como o uso de medicamentos ou infecções oportunistas concomitantes. É importante notar que infecções bacterianas estão associadas à eosinopenia.

Em um estudo sobre infecção por Strongyloides stercoralis na Índia rural, a eosinofilia diminuiu seis meses após o tratamento e, em alguns casos, não foi totalmente resolvida. Raramente, a síndrome hipereosinofílica pode ocorrer como resultado de uma infecção parasitária ativa, e o tratamento nesses casos ainda tem como objetivo a infecção subjacente. Veremos mais sobre essa condição nos tópicos a seguir.

  • Medicamentos

Os medicamentos são a causa mais comum de eosinofilia persistente no mundo desenvolvido, mas o achado laboratorial não é sensível nem específico para uma reação medicamentosa. Portanto, a falta de eosinofilia no sangue ou o achado de eosinófilos em biópsia de tecido não devem ser usados para descartar uma reação medicamentosa alérgica ou eosinofílica. Dermatite de contato, necrólise epidérmica tóxica (NET) / síndrome de Stevens-Johnson (SSJ) podem, por exemplo, não estar associados à eosinofilia. As reações medicamentosas associadas à eosinofilia podem variar de eosinofilia benigna e transitória, com ou sem erupção cutânea, a um envolvimento mais grave orgânico, como na reação medicamentosa com eosinofilia e sintomas sistêmicos (DRESS). DRESS é uma doença potencialmente fatal e vale a pena discutir com mais detalhes.

Apresenta-se de forma tardia (semanas) após o início do medicamento, com sintomas que incluem febre, frequentemente alta, juntamente com uma erupção cutânea morbiliforme. Também pode haver edema na região da face na fase inicial. Estes podem ser seguidos por envolvimento de estruturas mais profundas, sendo os dois mais comuns o hepático e a linfadenopatia, podendo ainda cursar com miocardite, colite, pneumonite e envolvimento do sistema nervoso central.

Os medicamentos comumente associados à DRESS incluem: alopurinol, sulfassalazina, antibióticos (antibióticos beta-lactâmicos, minociclina, dapsona, sulfametoxazol, vancomicina), anticonvulsivantes (lamotrigina, ácido valproico, carbamazepina, fenobarbital, fenitoína), agentes antirretrovirais (abacavir, nevirapina, raltegravir, efavirenz), ranelato de estrôncio dentre outros.

O diagnóstico da DRESS pode ser difícil devido a um quadro clínico incompleto ou uma apresentação atípica, e por isso, foram criados sistemas de pontuação diagnóstica para simplificar a abordagem, um exemplo sendo o sistema de pontuação RegiSCAR. O tratamento para casos leves de DRESS inclui a retirada do medicamento e medidas de suporte. As manifestações cutâneas podem ser tratadas com corticosteroides tópicos, enquanto pacientes com envolvimento visceral são frequentemente tratados com altas doses de corticosteroides. A recuperação completa após a retirada do medicamento pode levar semanas a meses.

  • Malignidade

Uma neoplasia oculta pode estar associada à eosinofilia no sangue e, nesses casos, em pacientes com eosinofilia persistente de início recente sem uma causa clara, uma avaliação apropriada deve ser realizada. Se a eosinofilia for persistente e/ou progressiva, associada a uma pesquisa de causa secundária negativa e/ou pesquisa de lesão em órgão-alvo positiva, a investigação de desordem hematológica é indicada.

Se houver presença de rearranjos genéticos, o diagnóstico de neoplasia mieloide/linfoide com eosinofilia e rearranjo PDGFRA, PDGFRB, FGFR1 ou PCM1-JAK2 é feito. Casos com aumento de blastos na medula óssea (5-19%) e/ou anormalidades citogenéticas/moleculares específicas podem representar leucemia eosinofílica crônica.

Uma entrevista clínica bem-feita e um exame físico minucioso podem revelar sintomas e achados como febre, calafrios, perda de peso, linfadenopatia ou esplenomegalia, que direcionam a abordagem inicial. A avaliação laboratorial pode revelar alterações em outros parâmetros hematológicos (por exemplo, citopenias, células com aparência displásica no esfregaço). Em tais casos, uma causa hematológica para a eosinofilia deve ser investigada. Várias formas de mastocitose também estão associadas à eosinofilia significativa.

  • Autoimunidade

Várias doenças autoimunes estão associadas à eosinofilia sanguínea leve a moderada. Em alguns casos, os eosinófilos também são encontrados no local da doença, como na Granulomatose Eosinofílica com Poliangiite (GEPA – anteriormente conhecida como Síndrome de Churg-Straus). As imunodeficiências primárias (IDP) estão associadas à eosinofilia e, com menor frequência, podem ser diagnosticadas na idade adulta, com apresentação clínica consistindo em uma variedade de distúrbios autoimunes.

  • Atopias

A eosinofilia leve a moderada pode estar associada a uma ampla variedade de distúrbios atópicos, incluindo dermatite atópica, rinite alérgica e asma. As condições que acometem o trato gastrointestinal e que cursam com eosinofilia, como a esofagite eosinofílica, são diagnosticadas pela eosinofilia tecidual juntamente com o contexto clínico. Na esofagite eosinofílica, é comum observar uma eosinofilia sanguínea muito leve, enquanto na gastroenterite eosinofílica (envolvimento do estômago ou intestino delgado), a eosinofilia sanguínea é relatada como moderada a grave.

  • Outras condições

A Síndrome Hipereosinofílica (SHE) é um grupo de doenças raras definido pela eosinofilia sanguínea persistente (por pelo menos 4 semanas) com contagem absoluta de eosinofólios ≥ 1.500 células/mm³ (a menos que o tratamento iminente seja necessário devido a evidência de dano a órgãos-alvo como resultado dessa eosinofilia). Na SHE mieloide há uma aberração genética no eosinófilo e/ou na linhagem de células mieloides, com alterações displásicas dos eosinófilos observadas na microscopia, elevação do nível sérico de vitamina B12 e triptase e achados clínicos que podem incluir esplenomegalia.

Na SHE linfoide, há uma população clonal aberrante de células T que secreta altos níveis de IL-5, promovendo assim a eosinofilia. A SHE associada é uma categoria usada para descrever a SHE que se desenvolve na presença de malignidade, infecção parasitária ou reação a medicamentos. A SHE familiar consiste em uma herança autossômica dominante rara com apresentação assintomática em boa parte dos casos.

Um pequeno grupo de pacientes apresenta hipereosinofilia, mas não tem sintomas discerníveis ou danos aos órgão-alvo, apesar de avaliações seriadas. Essas pessoas são consideradas como tendo hipereosinofilia de significado desconhecido (HESD), não sendo descrito tratamento específico até o momento.

Investigação da eosinofilia

Além da história clínica e do exame físico podemos incluir: hemogramas com diferencial de granulócitos de maneira seriada (para procurar eosinofilia persistente), painel metabólico básico, avaliação de transaminases hepáticas, bilirrubina, albumina, e esfregaço de sangue periférico para examinar as células displásicas. Dependendo do contexto clínico (e urgência) e das possíveis etiologias, a investigação para eosinofilia será diferente conforme exposto nos tópicos acima, podendo ser necessário avaliação de um especialista.

A avaliação inicial para síndromes hipereosinofílicas, resumidamente, deve incluir avaliação para HES mieloide se a contagem absoluta de eosinófilos (CAE) estiver significativamente elevada (> 5.000 células/mm³) com testes de sangue (triptase, vitamina B12), teste genético para mutações associadas, como FIP1L1/PDGFRA e avaliação da medula óssea. Como os sintomas podem ocorrer sem aviso, é útil monitorar periodicamente um aumento de eosinófilos na ausência de sintomas ou evidências de danos em órgãos, com história clínica e exame físico trimestral ou anual, acompanhados por testes direcionados.

Não existem recomendações de consenso publicadas quanto à periodicidade ou exames obrigatórios, porque os pacientes podem apresentar diferentes tipos de envolvimento em órgãos. Seria então razoável solicitar avaliação laboratorial, testes de função pulmonar e ecocardiografia anuais em pacientes com hipereosinofilia, especialmente nos primeiros cinco anos.

Resumo

  • A eosinofilia periférica é definida usando a contagem absoluta de eosinófilos (AEC em células/mm3). As porcentagens de eosinófilos podem ser enganosas;
  • Uma história clínica e exame físico cuidadosos são importantes para identificar a causa da eosinofilia;
  • O grau de eosinofilia nem sempre está correlacionado com a gravidade da doença;
  • Medicamentos são a causa mais comum de eosinofilia no mundo desenvolvido, enquanto infecções parasitárias são a causa mais comum em todo o mundo;
  • O uso de medicamentos (como corticosteroides) e condições médicas transitórias (infecção bacteriana) podem mascarar um grau maior de eosinofilia, suprimindo temporariamente a CAE.
  • A hipereosinofilia sustentada (CAE ≥ 1.500 células/mm³) sem causa clara deve levar à investigação de síndrome hipereosinofílica, especialmente se o paciente apresentar sintomas.
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Referências bibliográficas

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