O prurido vulvar é um sintoma comum e que merece investigação considerando seu potencial de interferir na realização de atividades cotidianas, diminuir a autoestima e, além disso, impactar de forma negativa a vida sexual e a qualidade de vida dos pacientes. A prevalência exata do prurido vulvar é desconhecida, pois os dados epidemiológicos são limitados e a maioria dos relatos se concentra em condições individuais envolvendo coceira genital.
Dessa forma, o médico desempenha papel essencial na identificação das principais condições associadas, tratamento de infecções e manejo de desequilíbrios da barreira de defesa vulvar.
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O prurido é uma sensação desagradável que aparentemente exige o ato de coçar para aliviá-la. Ocasionalmente, muitas mulheres apresentam breves episódios de prurido genital que desaparecem sem tratamento. A coceira (prurido) é considerada um problema apenas quando é persistente, intensa, recorrente ou acompanhada de secreção vaginal.
Etiologia
O prurido vulvar é causado por mecanismos complexos envolvendo disfunção da barreira cutânea, alterações neurais, fatores hormonais e microbiota desregulada. A pele da vulva possui uma barreira mais frágil, facilitando a entrada de irritantes e alérgenos, especialmente quando há fatores como atrito, umidade, produtos de higiene e baixos níveis de estrogênio. A disfunção dessa barreira desencadeia a liberação de mediadores inflamatórios, como TSLP e interleucina-33, que ativam diretamente fibras nervosas pruritivas. Além disso, a diminuição do estrogênio aumenta o pH vulvovaginal, favorecendo a proliferação de microrganismos patogênicos e a ativação de proteases e receptores de coceira, como os PARs.
A disfunção neural pode ocorrer de forma neurogênica, sem dano aparente às fibras nervosas, ou neuropática, devido a lesões, como nas neuropatias periféricas, compressões lombossacrais ou neuralgia pós-herpética. A microbiota local também desempenha um papel importante, e a disbiose pode desencadear inflamação e ativação de fibras sensoriais por meio da liberação de peptídeos antimicrobianos e histamina. Bactérias patogênicas, como Staphylococcus aureus, podem ativar diretamente fibras nervosas periféricas, intensificando a coceira. Devido à diversidade de fatores envolvidos, a investigação diagnóstica frequentemente requer exames complementares, como a biópsia, para identificar a causa subjacente.
Possíveis causas de prurido genital:
- Dermatoses Inflamatórias
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- Dermatite atópica: Caracteriza-se pela alteração na função de barreira da pele e prurido crônico, com placas eritematosas e espessamento cutâneo em casos crônicos.
- Dermatite de contato irritativa e alérgica: Resulta da exposição a irritantes externos ou alérgenos, como produtos de higiene íntima, tecidos sintéticos e detergentes. Manifesta-se com eritema, edema e, em casos graves, ulcerações.
- Líquen simples crônico: Desenvolve-se a partir de um ciclo persistente de coçar, causando espessamento, lesões escamosas e inflamação crônica.
- Psoríase: Provoca placas bem definidas e avermelhadas na pele da vulva, frequentemente associadas a prurido e descamação.
- Líquen escleroso: Caracteriza-se por lesões atróficas, esbranquiçadas e pruriginosas, com risco aumentado de evolução para carcinoma de células escamosas.
- Líquen plano: É uma doença autoimune caracterizada por lesões erosivas, placas hiperceratóticas ou pápulas na mucosa vulvar, frequentemente associada a prurido intenso.
- Outras causas: Dermatite seborreica, vulvite plasmocitária e doença de Fox-Fordyce, todas potencialmente associadas ao prurido vulva
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- Infecções
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- Candidíase vulvovaginal: Causada principalmente por Candida albicans ou espécies não-albicans.
- Infecções bacterianas: Incluem infecções por estreptococos do grupo A em meninas pré-púberes e estafilococos em mulheres adultas.
- Infestações parasitárias: Pediculose pubiana (piolho púbico) e escabiose podem causar prurido intenso, especialmente durante a noite.
- Tinea cruris: Infecção fúngica que afeta a região vulvar e áreas inguinais, com placas pruriginosas e eritematosas.
- Infecções virais: Incluem herpes simples, papilomavírus humano (HPV) e molusco contagioso, que podem provocar prurido ou irritação local.
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- Neoplasias
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- Neoplasias malignas: Carcinoma de células escamosas, doença de Paget extramamária e neoplasia intraepitelial vulvar podem causar prurido persistente associado a lesões visíveis, como placas, nódulos ou úlceras.
- Neoplasias benignas: Siringomas e hidradenoma papilliferum podem provocar prurido, frequentemente associado a nódulos ou pápulas na região vulvar.
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Abordagem clínica e diagnóstica
A região vulvar é, por diversos motivos, uma região anatômica peculiar. Aspectos socioculturais da paciente frequentemente afetam a percepção dos problemas na região, levando à demora na busca de auxílio médico e à automedicação. Considerando ainda o ponto de vista da paciente, é uma região de difícil auto-observação que, somado à função sexual da vulva, agrega fatores emocionais importantes, dificultando a abordagem diagnóstica.
A abordagem clínica das queixas vulvares deve levar em conta todas essas considerações preliminares, e inclui anamnese e exame físico detalhados de todo o trato genital inferior e pele, incluindo mucosa oral. Deve ser dada especial atenção aos aspectos psicossexuais da paciente frequentemente presentes como causa ou consequência da queixa vulvar. Efeitos das doenças vulvares na autoestima, afetividade e desempenho sexual são muito relevantes.
Durante a inspeção da genitália externa, deve-se prestar atenção às alterações superficiais da pele, como erosões ou placas. Além de descolorações e anormalidades das marcas cutâneas, as margens e configurações das lesões observadas também devem ser levadas em consideração. A classificação da Sociedade Internacional para o Estudo da Doença Vulvovaginal (www.issvd.org) é uma ferramenta para categorizar as características morfológicas que tem se mostrado particularmente útil. Usando esse sistema de classificação, a gama de diagnósticos diferenciais potenciais pode ser reduzida.
A biópsia vulvar é recomendada para lesões visíveis em qualquer uma das seguintes circunstâncias:
- as lesões são atípicas (p. ex., nova pigmentação, endurecidas, afixadas ao tecido subjacente, sangramento ou ulceradas);
- há preocupação com malignidade;
- lesões em um paciente imunocomprometido (incluindo aqueles infectados com o vírus da imunodeficiência humana [HIV]);
- o diagnóstico é incerto;
- lesões não respondem à terapia padrão;
- A doença piora durante a terapia.
Abordagem terapêutica
Quando a causa do prurido vulvar é identificada, a eliminação do fator desencadeante é o passo inicial. Isso inclui tratamento antifúngico para infecções por Candida, uso de corticosteroides tópicos, como clobetasol 0,05%, para doenças inflamatórias crônicas (líquen escleroso e plano), e eliminação de alérgenos. Casos mais complexos, como prurido refratário ou lesões atípicas (leucoplasia, úlceras, fissuras), exigem biópsia e encaminhamento a clínicas especializadas.
Medidas básicas contínuas são fundamentais no manejo do prurido vulvar. Devem-se evitar fragrâncias, produtos com emulsificantes e agentes antimicrobianos (como parabenos), preservativos de látex, lubrificantes e roupas muito apertadas. Recomenda-se o uso de roupas íntimas de seda ou algodão, pois estudos mostraram alívio significativo do prurido em mulheres com candidíase recorrente e líquen escleroso. Preparações tópicas ricas em lipídios, como pomadas com alto teor de gordura, são preferíveis a cremes para restaurar a função da barreira cutânea.
Após afastar patologias vulvares como líquen escleroatrófico, líquen plano, infecções vulvovaginais, câncer e orientar as pacientes acerca do distúrbio, iniciar terapia medicamentosa frente ao quadro de prurido vulvar sem agente etiológico definido. Preferencialmente, deve-se iniciar o tratamento com monoterapia.
Qualquer que seja a opção, aguardar pelo menos três semanas para avaliar a resposta terapêutica. Podem ser associadas terapias para aumentar a eficácia, mas deve-se atentar para o risco dos efeitos adversos destes medicamentos.
Em casos de prurido idiopático persistente, considera-se o uso de tratamentos sintomáticos, como resfriamento local, antihistamínicos (hidroxizina), anticonvulsivantes (gabapentina), antidepressivos (doxepina, sertralina, mirtazapina), antagonistas de opioides (naltrexona) e até estimulação nervosa elétrica transcutânea (TENS) ou acupuntura. Além disso, é importante avaliar fatores psicossociais e psicosexuais, tratando-os em colaboração com psicólogos e especialistas em medicina sexual.
O microbioma vaginal também desempenha papel relevante no manejo de prurido causado por infecções fúngicas recorrentes. A colonização natural da vagina por lactobacilos protege contra patógenos oportunistas, e alterações nesse equilíbrio podem agravar o quadro. Intervenções terapêuticas visando restaurar a microbiota podem ser importantes em alguns casos. A combinação de abordagem interdisciplinar e terapias personalizadas proporciona melhores resultados a longo prazo
Conclusões
O prurido vulvar é um sintoma comum e multifatorial, podendo ser causado por dermatoses inflamatórias, infecções, disfunções neurais, alterações hormonais e neoplasias. A abordagem diagnóstica envolve anamnese, exame físico detalhado e, quando necessário, exames complementares, como biópsia. O tratamento é individualizado, com foco na eliminação da causa subjacente e medidas preventivas, como higiene adequada e uso de roupas de algodão. Terapias incluem antifúngicos, corticosteroides, anestésicos tópicos e antidepressivos. A orientação correta e o acompanhamento contínuo são essenciais para o manejo eficaz e melhora da qualidade de vida.
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