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Infectologia10 abril 2024

Infecções fúngicas invasivas no CTI 

Pesquisadores buscaram elaborar um documento para desenvolver definições de pesquisa padronizadas de doenças fúngicas invasivas (DIF)
Por Leandro Lima

As infecções fúngicas invasivas (IFI) estão associadas a quadros de imunossupressão grave, tipicamente experimentados por pacientes onco-hematológicos ou transplantados de órgãos sólidos, que frequentemente apresentam os fatores de risco clássicos. 

Fatores de risco clássicos para infecções fúngicas invasivas (IFI)
  • Pacientes hematológicos e transplantados de órgãos sólidos (incluindo os neutropênicos) 
  • Uso prolongado de corticoides 
  • Imunossupressão de células B ou células T (por exemplo, Rituximabe ou Timoglobulina) 
  • Imunodeficiência grave hereditária 
  • Doença do enxerto vs. hospedeiro aguda grau III ou IV envolvendo o intestino, pulmões ou fígado e refratária aos corticoesteroides 

Infecções fúngicas invasivas no CTI

Imagem de freepik

IFI: Infecções fúngicas invasivas

Nos últimos anos, entretanto, tem-se observado interesse progressivo sobre o potencial papel das IFI enquanto complicadoras da evolução de adultos críticos internados por quadros graves de influenza, covid-19 e exacerbações de DPOC, na ausência dos fatores clássicos supracitados.  

Entretanto, estudar essa população é um grande desafio, pela grande heterogeneidade. Surgiu, então, a necessidade de padronização de conceitos, com o objetivo de gerar comparabilidade e viabilizar a generalização dos dados oriundos de pesquisas clínicas futuras sobre o tema.  

Com esse propósito, foi concebido o projeto Invasive Fungal Diseases in Adult Patients in ICU (FUNDICU), baseado em um consenso de especialistas, cujos principais pontos traremos na sequência.   

A candidíase invasiva 

A candidíase invasiva, representada pela candidemia e candidíase profunda, é a IFI mais comum entre adultos criticamente enfermos. Trata-se de uma condição de alta mortalidade, alcançando 50% entre os indivíduos com choque séptico. Uma de suas características morfológicas mais marcantes é a presença de células em brotamento, marcadoras de divisão binária ativa intensa, em contraste com as hifas ou pseudo-hifas, que costumeiramente representam apenas colonização. 

O consenso FUNDICU nos traz alguns importantes conceitos sobre a candidíase invasiva:  

  • Candidíase invasiva comprovada: refere-se ao isolamento de Candida spp., seja por microscopia direta, cultura ou histologia, em amostras de sítios normalmente estéreis. 
  • Candidemia comprovada: isolamento de Candida spp. em pelo menos uma hemocultura proveniente de punção venosa (não são consideradas as amostras advindas de refluídos de cateteres).  
  • Candidíase profunda comprovada: coleções profundas obtidas de sítios normalmente estéreis, como a cavidade abdominal, pleural ou o mediastino, em pacientes sem suspeita de perfuração mucosa nem histórico cirúrgico recente e cuja punção com técnica estéril, seja cirúrgica, ecoguiada, guiada por TC ou obtida por dreno inserido a menos de 24 horas, tenha evidenciado Candida spp.  
  • Candidíase invasiva provável: 
    • Candidemia provável: presumida pela presença de critérios clínicos, dados micológicos de sítios não estéreis e biomarcadores antigênicos fúngicos, com destaque para o (1,3)-ß-D-glucana (BDG).  
    • Candidíase profunda provável: identificação de Candida spp. em coleções oriundas de sítios presumidamente estéreis, mas na sequência de violação dos mecanismos de integridade: perfurações viscerais ou cirurgias. 

Nos casos de candidíase profunda provável, mas em que a perfuração gastrointestinal ou urogenital tenha sido prontamente controlada (< 24 horas), a identificação de Candida spp. no lavado peritoneal deve ser interpretada apenas como colonização. Entretanto, a positividade em amostras obtidas 24 horas após a intervenção de controle ou na presença de peritonite recorrente em virtude de fístulas anastomóticas, assim como a candidemia concomitante, devem ser valorizadas como elementos sugestivos de infecção.   

Leia também: Três novos medicamentos para micoses endêmicas chegam ao SUS

Ainda em relação à candidíase profunda provável, além dos critérios micológicos, há a exigência de ao menos um critério clínico, entre os quais: 

  • Lesões compatíveis à fundoscopia; 
  • Anormalidades radiológicas consistentes e não explicadas por outras etiologias decorrentes de inoculação direta ou disseminação hematogênica: endocardite, osteomielite, artrite, mediastinite ou meningite.

Aspergilose invasiva  

A aspergilose invasiva pulmonar (API) é a apresentação mais comum da aspergilose entre adultos críticos. Contudo, diferentemente do que se espera nos imunossuprimidos, os sinais radiológicos clássicos da API, como o sinal do halo ou do crescente aéreo, frequentemente estão ausentes e a acurácia de biomarcadores, como as galactomananas ou teste de amplificação de DNA, é menor.   

Portanto, o desafio diagnóstico é maior, de forma que a confirmação diagnóstica da API muitas vezes depende da histologia. O problema é que a estadia em CTI é frequentemente acompanhada por restrições ao procedimento, como a vigência de instabilidade hemodinâmica, ventilação mecânica ou coagulopatia.  

Outro grande desafio da aspergilose é a diferenciação entre colonização e infecção. Nesse sentido, duas ferramentas adicionais são de auxílio discriminatório: a definição AspICU e a dosagem de galactomananas no lavado bronquioloalveolar (BAL).   

O consenso nos traz os seguintes cenários:  

  • Aspergilose invasiva confirmada: combinação entre detecção de hifas compatíveis com Aspergillus por meio de cultura ou PCR e documentação histológica ou citopatológica de invasão tecidual em sítio normalmente estéril ou proveniente de lesão pulmonar suspeita a partir de biópsia ou aspiração por agulha.  
  • Aspergilose pulmonar invasiva (API) ou aspergilose traqueobrônquica (ATB) prováveis: demanda a presença combinada de ao menos um elemento de cada um dos 4 grupos que se seguem:

Elementos de probabilidade de aspergilose invasiva 

Clínicos 

  • Febre > 3 dias após antibioticoterapia adequada 
  • Recrudescência da febre após > 48 horas de defervescência, na vigência de antibioticoterapia adequada e ausência de outras causas aparentes 
  • Hemoptise, dor torácica pleurítica ou atrito pleural 
  • Dispneia (excetuando-se os pacientes em ventilação > 48 horas) ou agravamento de insuficiência respiratória a despeito de antibioticoterapia apropriada e suporte ventilatório 

Hospedeiro  

  • Influenza 
  • COVID-19 
  • DPOC moderado a grave 
  • Doença hepática crônica avançada descompensada 
  • SIDA com CD4 < 200/mm³  
  • Malignidades sólidas 

Imaginológico 

  • Broncoscopia: ulceração, nódulos, pseudomembranas, placas e/ou escaras traqueobrônquicas 
  • TC de tórax: infiltrados pulmonares ou cavitações à TC de tórax não atribuíveis a outras etiologias 

Micológico 

  • Presença de hifas ou positividade de culturas para Aspergillus ao BAL 
  • Galactomananas séricas > 0,5 ODI 
  • Galactomananas no BAL > 1,0 ODI 

ODI: optical density index.  

Ouça mais: Candidíase masculina: principais aspectos clínicos e de tratamento [podcast]

Conclusão e Mensagens práticas  

  • Os conceitos que abordamos neste artigo são dedicados especialmente à pesquisa clínica sobre as infecções fúngicas invasivas (IFI) entre adultos não neutropênicos internados em unidades de terapia intensiva.  
  • A abordagem mais conservadora, com restrição aos conceitos de IFI confirmada e provável, renunciando à “IFI possível”, visou gerar maior padronização e comparabilidade entre estudos futuros sobre o tema.  
  • Dessa forma, esses conceitos não devem ser considerados, no momento atual, como gatilhos necessários para a introdução de terapia antifúngica empírica. A ressalva é importante, pois em pacientes graves e com probabilidade não negligenciável de infecções fúngicas invasivas (IFI), a terapia antifúngica empírica pode ser uma conduta razoável e salvadora de vidas.
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Referências bibliográficas

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