Mecanismos fisiológicos da acidez gástrica e consequências da hipersecreção ácida
Entender os mecanismos fisiopatológicos da secreção ácida proporciona melhor compreensão das doenças ácido-relacionadas e seu tratamento.
O ácido gástrico (HCl) é produzido pelas células parietais. Suas principais funções são as seguintes: facilitar a digestão de proteínas, ativando o pepsinogênio em pepsina; auxiliar a absorção de micronutrientes, como ferro, cálcio e vitamina B12; e reduzir a chance de infecções entéricas e o supercrescimento bacteriano. Contudo, quando existe hipersecreção ácida relacionada a um desequilíbrio dos mecanismos agressores e protetores da mucosa gástrica, surgem as doenças relacionadas ao ácido gástrico, como, por exemplo, a úlcera péptica.
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Como ocorre a produção ácida?
O estômago tem três áreas anatômicas: fundo, corpo e antro. Funcionalmente, ele é dividido em duas áreas glandulares:
- Região Oxíntica: corresponde a 80% do estômago, incluindo fundo e corpo. A principal célula é a parietal, produtora de HCl.
- Região Pilórica: corresponde a 20% do estômago, predominando no antro. A célula típica é a célula G, produtora de gastrina.
As glândulas oxínticas são compostas por células mucosas, células parietais (HCl), células enterocromafin-like (histamina), células D (somatostatina), células principais (pepsinogênio) e células enterocromafin (peptídeo natriurético atrial).
As glândulas pilóricas são compostas por células mucosas, células G (gastrina) e células D (somatostatina).
A produção de HCl pelas células parietais é regulada por 3 vias principais:
- Neurócrina – principalmente acetilcolina liberada pelo sistema nervoso entérico;
- Endócrina – hormônios, como a gastrina;
- Parácrina – liberação de substâncias como a histamina.
Dessas vias, são responsáveis por estimular a secreção gástrica:
- Liberação de acetilcolina pelos neurônios pós-ganglionares entéricos;
- Gastrina, liberada pelas células G do antro;
- Histamina, liberada nas glândulas oxínticas, pelas células enterocromafins like.
A principal via de inibição da secreção gástrica é a liberação de somatostatina pelas células D.
A produção ácida nas células parietais depende de ativação de vias de sinalização dependentes de AMPc e cálcio intracelular, culminando na fusão e ativação da bomba Na+/K+ ATPase. Além do funcionamento adequado da bomba protônica, essa produção requer funcionamento dos canais de potássio e cloreto apicais, além de canais de cloreto e bicarbonato basolaterais.
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Como os inibidores de bomba de prótons inibem a secreção ácida?
Os inibidores de bomba de prótons (IBPs) são bases fracas que, em pH ácido (pH < 4), agem inibindo a bomba de Na+/K+ ATPase da membrana apical. Para terem maior potência, devem ser tomados 30 minutos antes da primeira refeição do dia.
Qual o impacto da hipergastrinemia?
A gastrina é um hormônio responsável por estimular a produção ácida nas células parietais. Dessa forma, a acidez gástrica elevada e a somatostatina fazem feedback negativo com a gastrina. Analogamente, um pH gástrico aumentado induz a produção de gastrina, acarretando hipergastrinemia, como, por exemplo, em pacientes com gastrite atrófica ou em uso de IBPs.
É importante mencionar que a gastrina é um hormônio trófico que estimula a proliferação da mucosa e de células enterocromafins. Dessa forma, situações que cursam com hipergastrinemia, como gastrite atrófica e síndrome de Zollinger-Ellison (tumor produtor de gastrina), estão relacionadas a tumores carcinoides (tumores originados das células enterocromafins).
Como é a produção ácida após as refeições?
No metabolismo basal, existe uma contenção da secreção ácida através da ação da somatostatina sobre as células enterocromafins-like (produtoras de histamina), células parietais (produtoras de HCl) e células G (produtoras de gastrina).
Quando nos alimentamos, ocorre a máxima secreção de ácido. Isso ocorre pois há remoção da inibição pela somatostatina, além do estímulo direto das células parietais e da liberação de gastrina. Durante uma refeição, existe ativação de neurônios centrais, do nervo vago e do sistema nervoso entérico, promovendo a liberação acetilcolina. Essa, por sua vez, estimula diretamente a produção ácida ao ativar as células parietais, além de estimular a produção de gastrina e inibir a produção de somatostatina.
A refeição no estômago age como um tampão para o meio ácido, aumentando o pH e contribuindo para inibição de somatostatina. Após o esvaziamento gástrico, o mecanismo de contenção da secreção ácida é novamente ativado.
Qual a relação entre o Helicobacter pylori e a secreção ácida?
Durante a infecção aguda pelo Helicobacter pylori (H. pylori), há aumento da somatostatina, levando a redução da gastrina e do ácido clorídrico. Além disso, há inibição direta das células parietais por citotoxinas produzidas por esse agente. Essa redução da acidez favorece a sobrevivência da bactéria, permitindo a colonização do estômago.
Já na infecção crônica por H. pylori pode ocorrer tanto hipocloridria quanto hipercloridria:
- Em 15% dos casos, cursa com gastrite antral e redução da somatostatina, causando aumento da acidez gástrica. Nesse subtipo é comum a ocorrência de úlceras duodenais;
- Em 85% dos casos, cursa com pangastrite e redução da secreção ácida devido à inibição funcional das células parietais por produtos bacterianos ou inflamatórios. Com o tempo, esses pacientes podem evoluir com atrofia das glândulas oxínticas (gastrite atrófica).
Quando é necessário medir o pH gástrico?
Atualmente, o principal papel da medida da acidez gástrica em jejum é na avaliação dos pacientes portadores de síndrome de Zollinger Ellison. A doença cursa com hipergastrinemia, com elevação da produção basal de ácido.
O método mais utilizado para obtenção da amostra é a aspiração do suco gástrico por sonda nasogástrica, com o paciente em jejum. Essa amostra também pode ser obtida por exame endoscópico. A produção ácida basal é de cerca de 10 mmol de H+ por hora em homens e 5 mmol por hora em mulheres.
Quais as principais condições associadas a aumento de produção gástrica de ácido?
- Úlcera duodenal (em sua maioria, associada a infecção antral por H. pylori);
- Úlceras gástricas tipo II e III;
- Mastocitose sistêmica, que cursa com níveis elevados de histamina;
- Antrectomia com anastomose Billroth II (exposição à secreção alcalina reduzindo somatostatina e ativando gastrina);
- Hipercalcemia crônica independente de etiologia (estímulo da liberação de gastrina e ativação das células parietais);
- Síndrome de Zollinger Ellison (gastrinoma).
Mensagens práticas
Uma das principais funções do estômago é a secreção ácida, importante no processo de digestão, assim como na proteção contra infecções entéricas. Mediadores neurais, endócrinos e parácrinos regulam essa secreção. Uma desregulação nessa produção pode acarretar problemas como a doença ulcerosa péptica.
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