É crescente o número de pacientes que procuram assistência especializada por sintomas gastrointestinais funcionais, crônicos e inexplicáveis. Destaca-se que muitos destes pacientes, podem apresentar intolerância à histamina, condição clínica pouco diagnosticada em nosso meio.
O termo “intolerância à histamina” é usado de forma semelhante à intolerância à lactose, na qual há deficiência da enzima lactase. Paralelamente, na intolerância à histamina, há deficiência da enzima diamina oxidase (DAO) no trato gastrointestinal, resultando em sensibilidade aos níveis normais ou mesmo baixos de histamina nos alimentos.
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O que é a histamina?
A histamina [2-(4-imidazolil)-etilamina] está incluída em um grupo de aminas biogênicas com putrescina, cadaverina e tiramina, entre outras, produzidas por fermentação bacteriana. O acúmulo desses compostos nos alimentos é resultado da transformação de aminoácidos por microrganismos e depende de vários fatores, como a disponibilidade dos aminoácidos precursores e condições ambientais favoráveis ao crescimento e/ou à atividade da descarboxilase bacteriana. Portanto, o processo de fabricação, a limpeza dos materiais, a composição microbiana e a fermentação influenciam a quantidade de histamina contida.
Está presente em alimentos ou bebidas como: peixes enlatados, alimentos enlatados, em conserva e fermentados (como chucrute), produtos defumados, vinho, cerveja, vinagre, queijos envelhecidos, espinafre, berinjela e ketchup. A União Europeia permite o conteúdo de histamina nos alimentos até um máximo de 200 mg/kg em peixes frescos e 400 mg/kg em produtos do mar.
Vários autores propuseram que o álcool, outras aminas biogênicas, e alguns medicamentos, podem ter um efeito potencializador sobre a toxicidade da histamina.
Como degradamos a histamina?
Existem duas vias de metabolização da histamina. A primeira através da histamina-N-metiltransferase (HNMT), proteína citosólica responsável pela inativação da histamina intracelular, expressa em uma ampla variedade de tecidos humanos. A segunda pela DAO é uma proteína armazenada em estruturas vesiculares da membrana plasmática responsável pela degradação da histamina extracelular. Está presente nas vilosidades intestinais, aumentando progressivamente do duodeno até o íleo. Na intolerância a histamina, a enzima intestinal DAO tem uma capacidade reduzida de metabolizar e degradar histamina.
Quais são os principais sintomas da intolerância à Histamina?
As manifestações clínicas de intolerância à histamina consistem em uma ampla gama de sintomas gastrointestinais e extra intestinais inespecíficos, devido à distribuição dos quatro receptores de histamina em diferentes órgãos e tecidos do corpo.
Estudo mostrou que as manifestações mais frequentes são as gastrointestinais, com distensão abdominal observada em 92% dos pacientes e plenitude pós-prandial, diarreia, dor abdominal e constipação (55-73%).
Comprometimentos dos sistemas nervoso e cardiovascular, como tonturas, dores de cabeça e palpitações, foram registrados em segundo lugar, seguidos por sintomas respiratórios (congestão nasal, coriza ou prurido no nariz) e dermatológicos (rubor especialmente da cabeça e do peito).
Como pode ser feito o diagnóstico?
Apesar dos avanços significativos na compreensão da intolerância à histamina, não há consenso sobre um algoritmo diagnóstico. A combinação dos critérios diagnósticos atualmente em uso inclui o aparecimento de manifestações clínicas típicas e a exclusão de outras condições patológicas gastrointestinais e relacionadas a histamina.
Inicialmente é necessário descartar outras causas de potenciais sintomas associados ao aumento da histamina plasmática. Considera-se necessário realizar teste de alergia cutânea intradérmica para descartar a sensibilização por IgE causada por alergia alimentar, além de dosar a triptase plasmática para excluir uma mastocitose sistêmica subjacente. Também é importante saber se o paciente está tomando algum medicamento com um possível efeito inibitório sobre a atividade DAO.
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Vários exames complementares não validados também foram propostos por vários autores com o objetivo de obter um marcador para confirmar o diagnóstico.
Se esses resultados forem negativos, o aparecimento de dois ou mais sintomas típicos de intolerância à histamina e sua melhora ou remissão após o seguimento de uma dieta com baixo teor de histamina, confirma o diagnóstico de intolerância à histamina.
Resumo de possíveis abordagens diagnósticas da intolerância à histamina.
| Anamnese |
| • Apresentando ≥ 2 sintomas de intolerância à histamina
• Afastar alergias alimentares (teste cutâneo de picada) e mastocitose sistêmica (triptase) • Afastar outras patologias gastrointestinais concomitantes • Afastar drogas inibidoras de DAO |
| Exclusão da histamina |
| • Acompanhamento de uma dieta com baixo teor de histamina (4-8 semanas)
• Registro completo de 24 horas de consumo de alimentos e sintomatologia • Remissão ou melhora dos sintomas |
| Exames complementares |
| • Determinação da atividade enzimática diamina oxidase (DAO) no plasma ou biópsia intestinal
• Teste de desafio/provocação de histamina • Identificação de polimorfismos genéticos (SNPs) • Determinação de biomarcadores de histamina |
Fonte: Adaptado de Comas-Basté O, ET. al. Histamine Intolerance: The Current State of the Art. Biomolecules. 2020;10(8):1181. Published 2020 Aug 14. doi:10.3390/biom10081181
Quais são as possibilidades terapêuticas?
Uma dieta com baixo teor de histamina ou sem histamina foi proposta como a principal estratégia para o tratamento preventivo da intolerância à histamina, iniciando pela exclusão de alimentos com maior teor de histamina, e conforme a resposta ajuste para dietas mais restritivas.
Lista de alimentos contendo histamina
| Tipos Exemplos
Peixe Peixe seco ou defumado. Sardinhas, anchovas, frutos do mar, molho de peixe. Queijo Todos os tipos de queijos duros, moles e processados. Fermentados. Carne Salsichas, salames, presunto, linguiça, bacon e defumados. Legumes Berinjela, abacate, chucrute, espinafre, tomate incluindo suco de tomate/ketchup. Bebidas e líquidos Vinagre ou álcool de todos os tipos, principalmente vinho tinto, cervejas, champanhe, uísque e conhaque. Álcool em reduz a degradação da histamina e aumenta a permeabilidade intestinal e, portanto, pode piorar os sintomas de intolerância a histamina. ________________________________________________________________ Fonte: Adaptado de Tuck Ca, Biesiekierski J, Schmid-Grendelmeier P and Pohl D. Food Intolerances. Nutrients 2019, 11, 1684; doi:10.3390/nu11071684 |
Anti-histamínicos podem ser prescritos em casos agudos ou na exacerbação de sintomas.
De maneira análoga ao tratamento para intolerância à lactose, a suplementação oral com DAO exógeno poderia facilitar a degradação da histamina na dieta. Ao melhorar a atividade DAO intestinal possibilitaria dietas menos restritivas, mantendo alívio sintomático.
Em conjunto com: Lucas Marques Rodrigues¹ e Adelia Carmen Silva de Jesus²
¹ Clínica Médica pelo Hospital Aroldo Tourinho. Residente de Gastroenterologia no Hospital Lifecenter, BH, Minas Gerais.
² Especialista em Gastroenterologia e Membro Titular da Federação Brasileira de Gastroenterologia. Título de especialista em Endoscopia Digestiva pela Sociedade Brasileira de Endoscopia.
Referências bibliográficas:
- Andrade VLA. Intolerância a Histamina. In Andrade, VLA. Manual de Terapêutica em Gastrenterologia e Hepatologia. Capítulo 85. No prelo 2021.
- Comas-Basté O, Sánchez-Pérez S, Veciana-Nogués MT, Latorre-Moratalla M, Vidal-Carou MDC. Histamine Intolerance: The Current State of the Art. Biomolecules. 2020;10(8):1181. Published 2020 Aug 14;10(8):1181. doi: 10.3390/biom10081181.
- Schnedl WJ, Enko D. Histamine Intolerance Originates in the Gut. Nutrients. 2021;13(4):1262. Published 2021 Apr 12. doi:10.3390/nu13041262.
- Tuck Ca, Biesiekierski J, Schmid-Grendelmeier P and Pohl D. Food Intolerances. Nutrients. 2019;11:1684. doi:10.3390/nu11071684
Autoria

Vera Lucia Angelo Andrade
Gastroenterologista pela Federação Brasileira de Gastroenterologia • Especialista em Doenças Funcionais e Manometria pelo Hospital Israelita Albert Einstein • Mestre e Doutora em Ciências com concentração em Patologia pela UFMG • Graduação em Medicina pela UFMG em 1989 • Residência em Clínica Médica/Patologia Clínica pelo Hospital Sarah Kubistchek • Docente do curso de pós graduação em Doenças Funcionais e Manometria pelo Hospital Israelita Albert Einstein • Responsável técnica da Clínica NU.V.E.M BH • http://lattes.cnpq.br/0589625731703512
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