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Cirurgia13 dezembro 2019

Pirose refratária aos inibidores de bomba de prótons: qual o melhor tratamento?

Para os pacientes com pirose refratária relacionada ao refluxo, não há tratamentos com comprovada eficácia; por isso um estudo avaliou opções terapêuticas.

A doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) possui grande impacto, incluindo na qualidade de vida e capacidade de trabalho daqueles que são acometidos por tal afecção. Segundo dados americanos, chega a incidir em 20% dos adultos; número este similar aos brasileiros (12 a 20%), conforme dados da Sociedade Brasileira de motilidade digestiva e neurogastroenterologia (SBMDN).

Apesar do grande avanço terapêutico trazido pelos medicamentos inibidores de bomba de prótons (IBP), sobretudo no tratamento da esofagite de refluxo, seu efeito no tratamento dos sintomas de DRGE falha em 30% dos casos, tornando assim os quadros refratários um dos mais relevantes motivos de consultas nos gastroenterologistas.

Postula-se que os mecanismos envolvidos em tal refratariedade constituam: (1) refluxo ácido persistente apesar dos IBP; (2) hipersensibilidade ao refluxo, na qual o refluxo ácido ou alcalino ainda que fisiológicos provocam pirose; (3) pirose relacionado a outras etiologias esofágicas que não DRGE (4) ou mesmo condições extraesofágicas; e, por fim, a pirose funcional (não relacionada à DRGE ou outra condição identificável histopatológica, de motilidade ou estrutural).

medicamentos variados para pirose refratárias

Pirose refratária

Para os pacientes com pirose refratária relacionada ao refluxo (por persistência sintomática ou hipersensibilidade), não há tratamentos com comprovada eficácia no longo prazo, sendo frequentemente continuados os IBP apesar de sua ineficiência; ou mesmo sendo optado por outros medicamentos adjuvantes como baclofeno e neuromoduladores (antidepressivos tricíclicos), todavia, em decorrência de seus paraefeitos, raramente são utilizados por longo prazo.

Desse modo, as recomendações para o tratamento dessas condições ainda são baseadas em baixas evidências. Paralelamente, a fundoplicatura deveria ser uma opção terapêutica nestes quadros, porém, muitos dos sintomas também não respondem adequadamente a tal terapia, o que em parte pode decorrer da má seleção pré-operatória.

Leia também: Diretrizes de desprescrição: como suspender um inibidor de bomba de prótons?

Diante de tal contexto, o grupo norte-americano liderado pelo Dr. Specher, publicaram recentemente no New England Journal of Medicine (NEJM) seu ensaio clínico objetivando comparar o efeito da fundoplicatura e terapia com IBP no tratamento da pirose refratária, hipotetizando que se adequadamente excluídos quadros de pirose não relacionados à DRGE através de avaliação sistematizada incluindo impedanciopHmetria, a cirurgia seria superior ao tratamento medicamentoso nestes quadros persistentes ácido-relacionados.

Metodologia

Tratou-se de um ensaio clínico, prospectivo, randomizado, duplo cego, realizado em apenas um centro. Na definição dos pacientes a serem estudados, inicialmente se fez uma pré-seleção de uma coorte formada por aqueles com pirose refratária aos IBP (total 366), sendo os elegíveis inicialmente submetidos a um questionário de qualidade de vida relacionado à DRGE (GERD-HRQL symptom score) bem como um trial com omeprazol oral, 30 minutos antes do desjejum e jantar, 40 mg/dia por duas semanas; sendo repetido o score ao término deste tratamento inicial (este considerado como a linha de comparação para o restante do estudo).

Aqueles pacientes que apresentaram persistência do quadro (melhora < 50% no score), foram então submetidos a uma avaliação completa sistematizada, incluindo esofagomanometria, impedanciopHmetria (mantendo o uso de omeprazol), endoscopia digestiva com biópsia, questionários estabelecidos de ansiedade, depressão além de qualidade de vida relacionada a saúde, completando com devida aprovação pela equipe cirúrgica. Nesta fase inicial, excluíram-se 288 pacientes por esofagite por refluxo grave, anormalidades endoscópicas não DRGE-relacionadas, esofagite eosinofílica, acalasia e contratilidade ausente, melhora com tratamento inicial, ausência de relação da pirose com os episódios de refluxo, ou mesmo por não serem capazes ou não desejarem a pré-avaliação.

Após a definição do grupo elegível, promoveu-se a randomização de 78 pacientes (64 homens, 45 ± 11.8 anos, 54 caucasianos, 9 negros, 14 de outra raça e 1 de raça desconhecida) em três grupos distintos: tratamento cirúrgico (27), tratamento médico ativo (25), controle médico (26); todos os grupos sem diferenças significativas entre características demográficas, clínicas e de impedanciopHmetria.

Com relação ao tratamento médico, duplamente cegado (investigadores e médicos), administrou-se omeprazol 40 mg/dia para todos, adicionando-se o baclofeno (dose chegando a 20 mg 3x/dia) ± desipramina (dose chegando a 100 mg noite) no grupo ativo, ou placebos destes dois no grupo controle, respeitando-se contraindicações e paraefeitos. Já no braço cirúrgico o tratamento elegido era a fundoplicatura a Nissen laparoscópica, sendo os medicamentos cessados após o tratamento. No total, os pacientes foram seguidos por 12 meses, avaliando-se seu GERD-HRQL score.

O objetivo primário do estudo consistia no sucesso do tratamento, definido como queda >50% no GERD-HRQL score de base até o de 12 meses de seguimento, sendo definido como falha terapêutica, a queda < 50% no score ou necessidade de uso de tratamento clínico no grupo cirúrgico ou ausência de melhora após o ajuste máximo de doses para o grupo clínico. Desfechos secundários incluíram a frequência na qual desordens não DRGE são responsáveis por pirose refratária aos IBPs e frequência de ansiedade e depressão nesse grupo de pacientes.

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Resultados e conclusões

Após a intervenção, aos 12 meses do estudo, houve sucesso do tratamento em 67% no grupo cirúrgico, 28% no grupo clínico ativo e 12% no grupo controle, demonstrando superioridade, pelas análises estatísticas, do tratamento operatório em relação ao tratamento clínico ativo (risco relativo de sucesso terapêutico 2.38) ou controle (risco relativo de sucesso terapêutico 5.78). Quando comparado o grupo clínico ativo e controle, houve superioridade daquele (risco relativo de sucesso terapêutico 2.43). Em uma análise de subgrupos a incidência de sucesso no tratamento cirúrgico foi maior naqueles com hipersensibilidade ao refluxo (71%) em comparação com aqueles com refluxo ácido anormal (62%).

Considerando-se os efeitos adversos graves das intervenções (total de 13), cinco ocorreram em quatro pacientes cirúrgicos um com necessidade de nova cirurgia, quatro no grupo clínico ativo e quatro no controle; não obstante, no estudo todo não foi relatado nenhum óbito em decorrência das intervenções.

Com relação ao desfecho secundário, não se detectaram diferenças nas pontuações dos questionários de depressão e ansiedade entre os pacientes com diagnóstico de pirose refratária funcional e relacionada ao refluxo.

Tal estudo trouxe como notável o achado sobre a expressiva resposta dos quadros de hipersensibilidade ao refluxo à cirurgia de fundoplicatura, pois, teoricamente, tal distúrbio é classificado como funcional e não se esperaria sua melhora sem terapia voltada especificamente para a modificação da percepção de dor.

Devem-se ressaltar como limitações do estudo a predominância de homens brancos, pequeno número de participantes, ausência de grupo de controle para o tratamento cirúrgico, a realização impedanciopHmetria sem a cessação do uso do omeprazol, estreitamento muito grande dos critérios de elegibilidade dificultando generalizações dos resultados obtidos, além da alteração do poder de cálculo para detectar apenas grandes diferenças entre as modalidades terapêuticas.

Em suma, apesar de inferior a resposta dos quadros de pirose IBP-refratária à cirurgia, quando comparada aos casos típicos IBP-responsivos, a fundoplicatura à Nissen foi demonstrada como significativamente superior ao tratamento medicamentoso neste estudo. Cabe ressaltar que tais resultados aplicam-se sobre um grupo seleto de pacientes, especialmente aqueles com hipersensibilidade ao refluxo, desde que haja uma avaliação sistematizada prévia (que deve incluir impedanciopHmetria).

Referências bibliográficas:

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