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Gastroenterologia26 maio 2023

Diagnóstico e manejo de cirrose hepática

A cirrose hepática é um estágio avançado de hepatopatia crônica que cursa com disfunção do órgão e hipertensão portal.

Por Fernanda Costa Azevedo

Cirrose hepática é resultado de fibrose hepática e nódulos de regeneração, decorrentes de hepatopatias crônicas, como alcoólica, metabólica, viral, autoimune, genética, entre outras. Apresenta altas taxas de mortalidade (21,9 por 100.000 pessoas).  

Nas fases compensadas, o paciente pode ser assintomático. Nas fases descompensadas, eles podem apresentar complicações como hemorragia varicosa, ascite e encefalopatia hepática. Há importante redução de qualidade de vida nesses pacientes.  

Apesar de o diagnóstico definitivo de cirrose hepática ser por histopatológico, atualmente existem métodos não invasivos como a elastografia hepática, que permitem esse diagnóstico.  

A sobrevida dos pacientes melhora com o tratamento da etiologia, o rastreamento adequado de CHC com ultrassom de abdome e alfafetoproteína semestral, profilaxia de descompensações da hipertensão portal com beta-bloqueadores não seletivos e tratamento das complicações. 

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Epidemiologia

Atualmente, as principais causas de cirrose hepática são álcool, doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) e hepatite C. A idade média do diagnóstico de cirrose hepática é de 60 anos, sendo mais tardia na cirrose por DHGNA (em torno de 67 anos). A incidência de cirrose vem aumentando na população menor de 35 anos, especialmente relacionada ao aumento dos transtornos por abuso de álcool. 

Fisiopatologia

Hepatite crônica → ativação de miofibroblastos e macrófagos hepáticos → fibrose → dificulta a comunicação do hepatócito e sinusóides → hipertensão portal  

Além disso, a lesão hepática crônica resulta em aumento de substâncias vasoconstrictoras, como endotelina-1 e redução das vasodilatadoras, como óxido nítrico, aumentando a resistência vascular.  

A hipertensão portal, definida como um gradiente de pressão entre a veia hepática e a veia porta maior ou igual a 10 mm Hg, leva ao surgimento de varizes esofagogástricas e circulação colateral. A redução do fluxo sanguíneo portal leva a aumento da atividade da renina plasmática, com retenção de sal e água, predispondo os pacientes a ascite, hiponatremia e lesão renal 

A falta de depuração das toxinas intestinais, como amônia e dos produtos bacterianos que induzem inflamação sistêmica levam à encefalopatia hepática. 

Há ainda prejuízo da função hepática de síntese de proteínas como albumina e fatores da coagulação e de depuração de bilirrubina. 

Diagnóstico de cirrose 

Na história clínica, o paciente pode se queixar de cãibras, prurido, insônia e disfunção sexual. Além disso, a anamnese permite a avaliação de fatores de risco, como diabetes, uso de álcool, história prévia de exposições de risco a hepatites virais. 

O exame físico pode apresentar estigmas de hepatopatia crônica, como unhas de Terry, ginecomastia, circulação colateral em cabeça de medusa, telangiectasias, eritema palmar, rarefação de pelos corporais, atrofia testicular, icterícia, abdome ascítico. 

Pacientes com doença hepática crônica estabelecida com alteração de enzimas hepáticas, esteatose hepática em exames de imagem ou hepatite viral devem ser rastreados para cirrose hepática, com métodos não invasivos como escores, como FIB 4 e elastografia hepática. Dessa forma, a biópsia é reservada para casos duvidosos. 

O FIB 4 leva em conta idade, ALT, AST e contagem de plaquetas, sendo um escore que permite estratificação de risco para pessoas com DHGNA e doença hepática relacionada ao álcool, sendo baixo risco de fibrose (<1,30 ), risco intermediário (1,30-2,67) e alto risco (>2,67).  Pacientes acima de 65 anos, o limiar de baixo risco inferior é de 2,0 ou menos. Na hepatite C, o ponto de corte para baixo risco é menor que 1,45 e alto risco é maior que 3,25. Apresenta alto valor preditivo negativo para cirrose.  

A elastografia fornece uma medida da rigidez do fígado em kilopascais [kPa] que se correlaciona com fibrose. Valor maior ou igual a 15 kPa identifica cirrose com especificidade de 95,5%. A elastografia por ressonância magnética é melhor indicada para pacientes com IMC > 40. ALT > 120 U/l, ingestão alcoólica, obesidade e congestão venosa podem levar a falso-positivos na elastografia. 

Diagnóstico de hipertensão portal

O padrão ouro é a medida do gradiente de pressão venosa hepática, obtido através de um cateter transjugular, que quando maior ou igual a 10 mmHg indica hipertensão portal.  Todavia, esse método é invasivo, de alto custo e pouco disponível. 

Uma alternativa não invasiva para estimar hipertensão portal é através da combinação de rigidez hepática e contagens de plaquetas.Trombocitopenia (plaquetas <110 × 109/L) em pacientes com doença hepática é altamente sugestiva de cirrose, sob risco de ascite e sangramento varicoso.  

Pacientes com rigidez hepática média acima de 25 kPa apresentam prevalência de hipertensão portal de pelo menos 66%. Esse número aumenta para 90%, quando associado à plaquetopenia (< 110 × 109/L). 

A presença de varizes esofagogástricas é diagnóstica de hipertensão portal. Recomenda-se triagem anual de varizes em pacientes descompensados ou a cada 2 a 3 anos, se compensados. Novas diretrizes também sugerem que uma medida de rigidez hepática média inferior a 20 kPa e contagem de plaquetas superior a 150 × 109/L apresentam bom valor preditivo em excluir varizes de alto risco, sendo a endoscopia desnecessária para esses pacientes.   

Diagnóstico de complicações da cirrose hepática 

Ascite: Pode ser feito através do exame físico (macicez móvel de decúbito, Piparote) e através de ultrassom abdominal. 

Peritonite bacteriana espontânea (PBE): Contagem de neutrófilos maior ou igual a 250 /μL no líquido ascítico. A paracentese diagnóstica é recomendada para todos os pacientes hospitalizados com cirrose e ascite, na ascite de novo e no surgimento de outras complicações como lesão renal aguda, HDA varicosa e encefalopatia hepática.  

Encefalopatia hepática: Diagnóstico clínico, usando a escala West Haven. Existem ainda testes para avaliar encefalopatia hepática mínima, como o Animal Naming Test. 

Rastreamento de CHC  

Deve ser realizado com ultrassom de abdome a cada 6 meses, associado a alfafetoproteína quando disponível. Na presença de nódulo > 1 cm ou AFP > 20 ng/ml, deve-se realizar estudo de imagem trifásico para avaliação. 

Prognóstico da Cirrose 

A sobrevida média na cirrose compensada é de 12 anos e é reduzida após qualquer descompensação.  

A presença de varizes em pacientes compensados apresenta risco de sangramento de 6% em 1 ano, enquanto na presença de varizes de alto risco e cirrose descompensada, esse risco chega a 42% a 76% de sangramento em 1 ano. O surgimento de ascite e encefalopatia levam a uma sobrevida média de 1 ano.  

Os pacientes portadores de cirrose hepática devem ser estratificados quanto ao prognóstico através de escores, como Child-Pugh e MELD-Na. 

Veja também: Modulação intestinal e o bem-estar físico e mental

Tratamento 

Sintomas da cirrose

Prurido → colestiramina (4-16 g por dia) é o padrão ouro; bons resultados com naltrexona.   

Distúrbios do sono →  hidroxizina 25 mg à noite foi associado a uma melhora significativa do sono em comparação ao placebo.  

Disfunção sexual → melhora importante com abstinência alcoólica. Tadalafila 10 mg pode ser considerada, a depender do caso.   

Etiologia subjacente da cirrose 

O tratamento da etiologia subjacente melhora o prognóstico da cirrose, retardando sua progressão e melhorando a fibrose, em alguns casos.  

O uso de álcool pode piorar o prognóstico de qualquer etiologia de hepatopatia crônica e o transtorno por uso de álcool deve ser identificado e tratado. 

Complicações da Cirrose 

Varizes e hipertensão portal.

Profilaxia primária de sangramento varicoso

  • 1ª linha: Beta-bloqueadores não seletivos (BBNS) reduz fluxo sanguíneo esplâncnico; 
  • BAVENO VII –  carvedilol 12,5 mg/dia é a droga de escolha (efeito adicional alfa-adrenérgico que reduz a resistência intra-hepática); 
  • 2ª linha: Na impossibilidade de usar BBNS, optar por ligadura elástica das varizes esofágicas (LEVE). 

Profilaxia secundária de sangramento varicoso

– Associação de BBNS + LEVE 

Ascite  

– Restrição de sódio (<2g/dia)  

Deve ser acompanhada por nutricionista, a fim de não reduzir o aporte proteico-calórico. 

– Diureticoterapia –  antagonista da aldosterona +/- diurético de alça 

A combinação de ambas as drogas é mais eficaz e menos associada a hipercalemia.  

– Paracentese de alívio 

Alívio temporário de pacientes com ascite sintomática; 

Para pacientes com ascite refratária aos diuréticos como ponte até TIPS/ transplante hepático 

– TIPS (Shunt portossistêmico intra-hepático)  

Recomendado nas ascites refratárias ou na contraindicação de diuréticos.  

Reduz a mortalidade em 2 anos (51% x 65 %) 

Atenção: Pode precipitar encefalopatia hepática 

Hiponatremia 

Afeta cerca de 1/3 dos pacientes em fila de transplante hepático. Recomendada depleção de volume, quando em excesso e ajuste de diureticoterapia. Se sódio sérico inferior a 125 mmol/L, proceder com restrição hídrica.  

Peritonite bacteriana espontânea 

Deve ser tratada com antibioticoterapia e albumina intravenosa (1,5 g/kg no dia 1, 1 g/kg no dia 3). A escolha do antibiótico deve levar em conta se a infecção foi adquirida na comunidade, em pacientes sob cuidados de saúde ou em pacientes internados.  Instituir profilaxia secundária com norfloxacino ou sulfametaxozol+ trimetropim.   

Síndrome hepatorrenal 

O tratamento é composto de expansão volêmica com albumina intravenosa e terapia vasoconstritora com terlipressina ou norepinefrina, a fim de aumentar a pressão arterial média e a perfusão renal.   

Coagulopatia 

Os níveis de plaquetas ou INR não refletem o risco de sangramento nos pacientes cirróticos. Não se recomenda plasma, vitamina K ou transfusão de plaquetas de rotina, antes de procedimentos sob risco de sangramento.  

Encefalopatia hepática 

Na presença de encefalopatia hepática grau ≥2, deve-se pesquisar fatores precipitantes, como infecção, hemorragia digestiva, desidratação e uso de psicotrópicos. O tratamento envolve correção do fator precipitante e lactulose, com objetivo de 2 a 3 evacuações amolecidas por dia.

 A rifaximina 550 mg a cada 12 horas também pode ser usada como primeira linha de tratamento e na prevenção de recorrência.  Os pacientes com encefalopatia devem consumir 1 g de proteína/kg peso corporal real e fazer lanche noturno com 30 a 40 kcal, a fim de reduzir catabolismo. 

Leia ainda: Transtorno alimentar restritivo/evitativo (TARE) 

Mensagens práticas

A cirrose hepática é um estágio avançado de hepatopatia crônica que cursa com disfunção do órgão e hipertensão portal. Atualmente, existem métodos não invasivos que permitem seu diagnóstico, ficando a biópsia hepática reservada para casos duvidosos.  

A abordagem do paciente cirrótico envolve identificar e tratar a etiologia subjacente, instituir as profilaxias recomendadas a depender do estágio da doença, tratar as complicações e avaliar indicação de transplante hepático. 

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Referências bibliográficas

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