Logotipo Afya
Anúncio
Gastroenterologia15 setembro 2023

Abordagem atual e perspectivas futuras na doença de Wilson

A insuficiência hepática aguda por doença de Wilson cursa com coagulpatia grave e/ou encefalopatia hepática e apresenta peculiaridades.

A doença de Wilson tem seus primeiros relatos em 1912, quando Samuel Wilson observou a associação de um distúrbio neurodegenerativo grave e cirrose hepática. Desde então, houve progressão do conhecimento sobre a fisiopatologia, diagnóstico e tratamento dessa condição patológica. 

Leia também: Doença de Wilson: como monitorar o tratamento? 

doença de Wilson

Manifestações clínicas da doença de Wilson 

Em relação à faixa etária, a doença geralmente ocorre antes dos 50 anos de idade. Contudo, pode acometer qualquer faixa etária. 

As manifestações hepáticas tendem a ser mais precoces que as manifestações neurológicas, variando de formas leves à cirrose. Além disso, a esteatose hepática pode ocorrer, especialmente em crianças. Por fim, há a insuficiência hepática aguda, que é rara.  

Já em relação às manifestações neurológicas, podem ocorrer distúrbios do movimento (tremor, distonia, perda do controle motor fino, parkinsonismo), distúrbio de fala (disartria costuma ser o primeiro sintoma proeminente) e acometimento pseudobulbar (disfagia). 

As manifestações psiquiátricas são distúrbios do sono e a síndrome das pernas inquietas, transtornos do humor (depressão, ansiedade e transtorno bipolar), psicose, fobias e comportamentos compulsivos, agressivos ou antissociais. 

No oftalmológico, pode ocorrer anel de Kayser-Fleischer (depósito de cobre na membrana de Descemet) e catarata de girassol (opacidades centrais multicoloridas e radiantes no cristalino). 

Outras manifestações possíveis são: 

  • Cardíacas (arritmia, cardiomiopatia) 
  • Osteomusculares (osteoporose, osteopenia, distrofia muscular, rabdomiólise) 
  • Endócrinas (hipopituitarismo, hipoparatireoidismo, disfunção testicular, infertilidade) 
  • Renais (disfunção tubular, aminoacidúria) 
  • Hematológicas (hemólise) 
  • Pancreáticas (pancreatite) 
  • Articulares (artrite/artralgia) 

Diagnóstico da doença de Wilson

Uma vez feito o diagnóstico de doença de Wilson, é importante o rastreio de familiares de primeiro grau baseado na análise do genótipo ATP7B  e/ou na avaliação clínica e bioquímica abrangente. Confira, nas tabelas abaixo, os principais caminhos para diagnosticar a doença. 

Dados clínicos Anamnese detalhada e exame físico focado (manifestações hepáticas, neurológicas e psiquiátricas). 
Dados laboratoriais Bioquímica hepática, ceruloplasmina sérica (<14 mg/dl) , cobre urinário 24 horas ( >40 μg) 
Exame oftalmológico Anéis de Kayser- Fleischer visualizados por exame com lâmpada de fenda ou tomografia óptica (ausentes em 50% dos pacientes com doença de Wilson hepática. 
RM crânio Anormalidades  em gânglios da base auxilia a descartar outros diagnósticos. 
Biópsia hepática Cobre hepático classicamente superior a 250 μg/ g; níveis superiores a 70 μg/g justificam uma investigação mais aprofundada. 
Avaliação genética Mutações no gene ATP7B: duas ou mais variantes patogênicas.  

A seguir, algumas estratégias diagnósticas em desenvolvimento para doença de Wilson, que requerem maior validação: 

  • Determinação do cobre trocável relativo (REC): cobre biodisponível não ligado à ceruloplasmina em relação ao cobre sérico total, ultrapassando 18,5% na doença de Wilson.  
  • Métodos baseados em proteômica (anticorpos monoclonais para ATP7B com espectroscopia de massa direcionada com monitoramento de reações múltiplas): Níveis do peptídeo ATP7B recuperado foram mais baixos nos pacientes com doença de Wilson, podendo ser útil para interpretar o efeito funcional de variantes ATP7B de significado desconhecido. 
  • Tomografia por emissão de pósitrons (PET) para quantificar a incorporação de cobre na ceruloplasmina: permite distinguir entre pacientes com doença de Wilson, heterozigotos simples e pessoas não afetadas e pode avaliar eficácia de transplante celular e da terapia genética para o tratamento da doença de Wilson. 

O escore de Leipzig é uma ferramenta desenvolvida em 2001, que auxilia o diagnóstico da doença de Wilson, todavia pode apresentar falso- positivos.  ≥ 4 pontos: diagnóstico estabelecido; 3 pontos: diagnóstico possível (mais testes são necessários); ≤ 2 pontos: diagnóstico improvável.  

Sintomas e sinais clínicos Outros testes diagnósticos 
Anéis de Kayser Fleischer: 2 pts Cobre hepático (na ausência de colestase): 2 pts (>4 µmol/g), 1 pt ( 0,8-4 µmol/g); -1 pt (<0,8 µmol/g), 1 pt (grânulos rodanina positivo) 
Sintomas neurológicos: grave 2 pts; moderado 1 pt Cobre urinário (na ausência de hepatite aguda): 

1 pt: 1-2 x LSN; 2 pts > 2x LSN ou > 5x LSN após D-penicilamina 

Ceruloplasmina: 1 pt(0,1 – 0,2 g/l); 2 pts (< 0,1 g/l) Análise de mutação ATP7B: 4 pts: ambos os cromossomos 1 ponto (1 cromossomo) 
Anemia hemolítica Coombs negativa: 1 pt  

Veja ainda: Reação adversa aos salicilatos alimentares

A insuficiência hepática aguda por doença de Wilson cursa com coagulpatia grave e/ou encefalopatia hepática e apresenta peculiaridades, como: hemólise intravascular aguda, elevações moderadas dos níveis séricos de aminotransferase, níveis séricos normais ou baixos de fosfatase alcalina e progressão para insuficiência renal.  Dados que reforçam a hipótese de Wilson: proporção fosfatase alcalina para bilirrubina total <4 e proporção de AST/ALT >2,2. 

Os principais diagnósticos diferenciais da doença de Wilson são: 

  • Hepatite autoimune; 
  • Doença hepática esteatótica metabólica; 
  • Doenças genéticas (deficiência de MDR3, distúrbios congênitos de glicosilação e aceruloplasminemia). 

Prognóstico

Na ausência de tratamento, a doença de Wilson é progressiva e fatal. Todavia, o tratamento adequado permite sobrevida próxima à da população em geral. Há aumento do risco de carcinoma hepatocelular e o colangiocarcinoma, porém é menor comparado a outras doenças hepáticas crônicas.  

Em relação aos danos neurológicos, a ressonância magnética funcional parece auxiliar na avaliação prognóstica e de resposta ao tratamento. 

Tratamento da doença de Wilson

A base do tratamento envolve o uso de quelantes orais de cobre: 

  • Aumento da excreção urinária de cobre: d-penicilamina e trientina (mais adequados para terapia de indução) 
  • Redução da absorção intestinal ao cobre e aumento da excreção fecal: sais de zinco (mais adequados para terapia de manutenção) 

O tratamento com quelantes de cobre deve ser contínuo, mesmo em pacientes assintomáticos. A dose inicial deve ser baixa e aumentada gradativamente, pois pode haver piora neurológica no início dessas medicações, especialmente com penicilamina e trientina. É importante acompanhamento nutricional, evitando alimentos ricos em cobre, todavia a terapia nutricional isolada não é suficiente. 

Novas drogas estão em desenvolvimento, incluindo metanobactina (quelante que promove aumento da excreção biliar de cobre) e terapias gênicas associadas ou não a transplante de hepatócitos. 

O transplante hepático deve ser considerado para pacientes com insuficiência hepática aguda ou doença hepática crônica descompensada. A indicação de transplante para doença de Wilson neurológica é controversa. Heterozigotos simples podem servir como doadores vivos para transplante segmentar de fígado. 

O quadro a seguir contém informações importantes quanto ao tratamento atual da doença de Wilson. 

Variável Penicilamina Trientina Zinco 
Dose Inicial 15-20 mg/kg/dia em 2 a 4 tomadas 

Manutenção: 10-15 mg/kg/dia em 2 tomadas 

 

Inicial 15-20 mg/kg/dia em 2 a 4 tomadas 

Manutenção: 10-15 mg/kg/dia em 2 tomadas 

 

Inicial e manutenção: 50 mg 3 vezes ao dia 
Efeitos adversos Precoces: febre, rash, proteinúria, sd lúpus-like 

Tardios: citopenias hematológicas, sd nefrótica, hepatotoxicidade, colite, alteração na retina, etc. 

Gastrite, anemia sideroblástica,colite. 

Raros: anemia aplásica e hepatotoxicidade 

Gastrite, pancreatite bioquímica, sobrecarga de zinco, alterações imunológicas. 

Monitorização 

Cobre urinário 

200-500 μg/24 hr 150 – 500 μg/24 hr < 100 μg/24 hr 
Cuidados Tomar longe das refeições 

Administrar com piridoxina oral 

Reduzir 25-50% dose na gestação ou em cirurgias 

Iniciar com dose 5-10 mg/kg/dia e aumentar em 2-4 semanas 

Tomar longe das refeições 

Reduzir 25-50% dose na gestação ou em cirurgias 

Iniciar com dose 5-10 mg/kg/dia e aumentar em 2-4 semanas 

Tomar longe das refeições 

Não precisa reduzir dose na gestação ou cirurgia 

Adesão: zinco urinário >2 mg/24 horas e sérico >125 μg/dl 

 

Saiba mais: Como cuidar de alguém com intoxicação alcoólica no plantão?

Mensagem prática 

O maior conhecimento da fisiopatologia da doença de Wilson vem permitindo evoluções no diagnóstico e tratamento dessa doença. Futuramente, é possível que existam testes eficazes para rastreio populacional dessa condição, permitindo o diagnóstico precoce. Assim como é possível que terapias genéticas possam ampliar o arsenal terapêutico nessa morbidade. 

Como você avalia este conteúdo?

Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.

Compartilhar artigo

Referências bibliográficas

Newsletter

Aproveite o benefício de manter-se atualizado sem esforço.

Anúncio

Leia também em Gastroenterologia