A doença de Wilson tem seus primeiros relatos em 1912, quando Samuel Wilson observou a associação de um distúrbio neurodegenerativo grave e cirrose hepática. Desde então, houve progressão do conhecimento sobre a fisiopatologia, diagnóstico e tratamento dessa condição patológica.
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Manifestações clínicas da doença de Wilson
Em relação à faixa etária, a doença geralmente ocorre antes dos 50 anos de idade. Contudo, pode acometer qualquer faixa etária.
As manifestações hepáticas tendem a ser mais precoces que as manifestações neurológicas, variando de formas leves à cirrose. Além disso, a esteatose hepática pode ocorrer, especialmente em crianças. Por fim, há a insuficiência hepática aguda, que é rara.
Já em relação às manifestações neurológicas, podem ocorrer distúrbios do movimento (tremor, distonia, perda do controle motor fino, parkinsonismo), distúrbio de fala (disartria costuma ser o primeiro sintoma proeminente) e acometimento pseudobulbar (disfagia).
As manifestações psiquiátricas são distúrbios do sono e a síndrome das pernas inquietas, transtornos do humor (depressão, ansiedade e transtorno bipolar), psicose, fobias e comportamentos compulsivos, agressivos ou antissociais.
No oftalmológico, pode ocorrer anel de Kayser-Fleischer (depósito de cobre na membrana de Descemet) e catarata de girassol (opacidades centrais multicoloridas e radiantes no cristalino).
Outras manifestações possíveis são:
- Cardíacas (arritmia, cardiomiopatia)
- Osteomusculares (osteoporose, osteopenia, distrofia muscular, rabdomiólise)
- Endócrinas (hipopituitarismo, hipoparatireoidismo, disfunção testicular, infertilidade)
- Renais (disfunção tubular, aminoacidúria)
- Hematológicas (hemólise)
- Pancreáticas (pancreatite)
- Articulares (artrite/artralgia)
Diagnóstico da doença de Wilson
Uma vez feito o diagnóstico de doença de Wilson, é importante o rastreio de familiares de primeiro grau baseado na análise do genótipo ATP7B e/ou na avaliação clínica e bioquímica abrangente. Confira, nas tabelas abaixo, os principais caminhos para diagnosticar a doença.
Dados clínicos | Anamnese detalhada e exame físico focado (manifestações hepáticas, neurológicas e psiquiátricas). |
Dados laboratoriais | Bioquímica hepática, ceruloplasmina sérica (<14 mg/dl) , cobre urinário 24 horas ( >40 μg) |
Exame oftalmológico | Anéis de Kayser- Fleischer visualizados por exame com lâmpada de fenda ou tomografia óptica (ausentes em 50% dos pacientes com doença de Wilson hepática. |
RM crânio | Anormalidades em gânglios da base auxilia a descartar outros diagnósticos. |
Biópsia hepática | Cobre hepático classicamente superior a 250 μg/ g; níveis superiores a 70 μg/g justificam uma investigação mais aprofundada. |
Avaliação genética | Mutações no gene ATP7B: duas ou mais variantes patogênicas. |
A seguir, algumas estratégias diagnósticas em desenvolvimento para doença de Wilson, que requerem maior validação:
- Determinação do cobre trocável relativo (REC): cobre biodisponível não ligado à ceruloplasmina em relação ao cobre sérico total, ultrapassando 18,5% na doença de Wilson.
- Métodos baseados em proteômica (anticorpos monoclonais para ATP7B com espectroscopia de massa direcionada com monitoramento de reações múltiplas): Níveis do peptídeo ATP7B recuperado foram mais baixos nos pacientes com doença de Wilson, podendo ser útil para interpretar o efeito funcional de variantes ATP7B de significado desconhecido.
- Tomografia por emissão de pósitrons (PET) para quantificar a incorporação de cobre na ceruloplasmina: permite distinguir entre pacientes com doença de Wilson, heterozigotos simples e pessoas não afetadas e pode avaliar eficácia de transplante celular e da terapia genética para o tratamento da doença de Wilson.
O escore de Leipzig é uma ferramenta desenvolvida em 2001, que auxilia o diagnóstico da doença de Wilson, todavia pode apresentar falso- positivos. ≥ 4 pontos: diagnóstico estabelecido; 3 pontos: diagnóstico possível (mais testes são necessários); ≤ 2 pontos: diagnóstico improvável.
Sintomas e sinais clínicos | Outros testes diagnósticos |
Anéis de Kayser Fleischer: 2 pts | Cobre hepático (na ausência de colestase): 2 pts (>4 µmol/g), 1 pt ( 0,8-4 µmol/g); -1 pt (<0,8 µmol/g), 1 pt (grânulos rodanina positivo) |
Sintomas neurológicos: grave 2 pts; moderado 1 pt | Cobre urinário (na ausência de hepatite aguda):
1 pt: 1-2 x LSN; 2 pts > 2x LSN ou > 5x LSN após D-penicilamina |
Ceruloplasmina: 1 pt(0,1 – 0,2 g/l); 2 pts (< 0,1 g/l) | Análise de mutação ATP7B: 4 pts: ambos os cromossomos 1 ponto (1 cromossomo) |
Anemia hemolítica Coombs negativa: 1 pt |
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A insuficiência hepática aguda por doença de Wilson cursa com coagulpatia grave e/ou encefalopatia hepática e apresenta peculiaridades, como: hemólise intravascular aguda, elevações moderadas dos níveis séricos de aminotransferase, níveis séricos normais ou baixos de fosfatase alcalina e progressão para insuficiência renal. Dados que reforçam a hipótese de Wilson: proporção fosfatase alcalina para bilirrubina total <4 e proporção de AST/ALT >2,2.
Os principais diagnósticos diferenciais da doença de Wilson são:
- Hepatite autoimune;
- Doença hepática esteatótica metabólica;
- Doenças genéticas (deficiência de MDR3, distúrbios congênitos de glicosilação e aceruloplasminemia).
Prognóstico
Na ausência de tratamento, a doença de Wilson é progressiva e fatal. Todavia, o tratamento adequado permite sobrevida próxima à da população em geral. Há aumento do risco de carcinoma hepatocelular e o colangiocarcinoma, porém é menor comparado a outras doenças hepáticas crônicas.
Em relação aos danos neurológicos, a ressonância magnética funcional parece auxiliar na avaliação prognóstica e de resposta ao tratamento.
Tratamento da doença de Wilson
A base do tratamento envolve o uso de quelantes orais de cobre:
- Aumento da excreção urinária de cobre: d-penicilamina e trientina (mais adequados para terapia de indução)
- Redução da absorção intestinal ao cobre e aumento da excreção fecal: sais de zinco (mais adequados para terapia de manutenção)
O tratamento com quelantes de cobre deve ser contínuo, mesmo em pacientes assintomáticos. A dose inicial deve ser baixa e aumentada gradativamente, pois pode haver piora neurológica no início dessas medicações, especialmente com penicilamina e trientina. É importante acompanhamento nutricional, evitando alimentos ricos em cobre, todavia a terapia nutricional isolada não é suficiente.
Novas drogas estão em desenvolvimento, incluindo metanobactina (quelante que promove aumento da excreção biliar de cobre) e terapias gênicas associadas ou não a transplante de hepatócitos.
O transplante hepático deve ser considerado para pacientes com insuficiência hepática aguda ou doença hepática crônica descompensada. A indicação de transplante para doença de Wilson neurológica é controversa. Heterozigotos simples podem servir como doadores vivos para transplante segmentar de fígado.
O quadro a seguir contém informações importantes quanto ao tratamento atual da doença de Wilson.
Variável | Penicilamina | Trientina | Zinco |
Dose | Inicial 15-20 mg/kg/dia em 2 a 4 tomadas
Manutenção: 10-15 mg/kg/dia em 2 tomadas
| Inicial 15-20 mg/kg/dia em 2 a 4 tomadas
Manutenção: 10-15 mg/kg/dia em 2 tomadas
| Inicial e manutenção: 50 mg 3 vezes ao dia |
Efeitos adversos | Precoces: febre, rash, proteinúria, sd lúpus-like
Tardios: citopenias hematológicas, sd nefrótica, hepatotoxicidade, colite, alteração na retina, etc. | Gastrite, anemia sideroblástica,colite.
Raros: anemia aplásica e hepatotoxicidade | Gastrite, pancreatite bioquímica, sobrecarga de zinco, alterações imunológicas. |
Monitorização Cobre urinário | 200-500 μg/24 hr | 150 – 500 μg/24 hr | < 100 μg/24 hr |
Cuidados | Tomar longe das refeições
Administrar com piridoxina oral Reduzir 25-50% dose na gestação ou em cirurgias Iniciar com dose 5-10 mg/kg/dia e aumentar em 2-4 semanas | Tomar longe das refeições
Reduzir 25-50% dose na gestação ou em cirurgias Iniciar com dose 5-10 mg/kg/dia e aumentar em 2-4 semanas | Tomar longe das refeições
Não precisa reduzir dose na gestação ou cirurgia Adesão: zinco urinário >2 mg/24 horas e sérico >125 μg/dl
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Mensagem prática
O maior conhecimento da fisiopatologia da doença de Wilson vem permitindo evoluções no diagnóstico e tratamento dessa doença. Futuramente, é possível que existam testes eficazes para rastreio populacional dessa condição, permitindo o diagnóstico precoce. Assim como é possível que terapias genéticas possam ampliar o arsenal terapêutico nessa morbidade.
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