Como cuidar de alguém com intoxicação alcoólica no plantão?
Neste período do ano é importante estar preparado para atender diversos tipos de condições, como a intoxicação alcoólica.
O etanol é um álcool solúvel em água que atravessa rapidamente a membrana celular. Sua absorção ocorre pelo trato gastrointestinal, principalmente no duodeno e restante do intestino delgado (em torno de 80%) e no estômago (em torno de 20%). Com o paciente em jejum (tempo de esvaziamento gástrico e trânsito intestinal melhorados), os níveis máximos de etanol no sangue são atingidos de 30-90 minutos após a ingestão.
Leia mais: Ácido tranexâmico ajuda no desfecho de longo prazo em pacientes com trauma?
A via primária de metabolismo do álcool ocorre principalmente no fígado, pela enzima álcool desidrogenase, que também está presente na mucosa gástrica e tem quantidade reduzida em mulheres (esse fato, combinado com o menor volume de distribuição, explica o porquê das mulheres serem mais susceptíveis à intoxicação alcoólica).
A intoxicação aguda por etanol se inicia a partir da ingestão de aproximadamente 360 mL de cerveja ou 50 mL de destilados, porém a apresentação clínica varia em função da história de abuso, superfície corporal, comorbidades e até susceptibilidade genética.
Os sinais e sintomas de intoxicação podem incluir fala arrastada, nistagmo, comportamento desinibido, incoordenação motora, marcha instável, comprometimento da memória, obnubilação e coma. Hipotensão e taquicardia podem ocorrer devido à vasodilatação periférica provocada pelo etanol ou secundária à perda volêmica. Podem ocorrer vários distúrbios metabólicos, sendo os principais: hipoglicemia, hiperlactatemia, hipocalemia, hipomagnesemia, hipocalcemia e hipofosfatemia.
A gravidade da intoxicação leva ao quadro de rebaixamento do nível de consciência, com predisposição a vômitos, broncoaspiração e hipoxemia, além de arritmias cardíacas.
Abordagem prática da intoxicação alcoólica
Imagine-se em um plantão no box de emergência quando um grupo de pessoas que estavam em uma festa traz um amigo desacordado. A história é que ele “bebeu demais”. Por onde começar?
Usaremos uma estratégia em dois caminhos que devem ocorrer de modo paralelo: suporte clínico e informação/história.
Suporte clínico na intoxicação alcoólica
- Manejo de vias aéreas, oxigenação e circulação.
- Avaliar presença de lesões traumáticas. A resposta pupilar inadequada pode ser indício de lesão estrutural cerebral e déficit focal.
- Em caso de trauma ou déficit neurológico focal: solicite tomografia computadorizada de crânio e coluna cervical.
- Determine rapidamente a glicemia capilar do paciente e corrija-a com solução de glicose 50% (entre 30-40 mL por via endovenosa) em casos de hipoglicemia (glicemia capilar < 70 mg/dL).
- Hidratação com cristaloides com bolus inicial de 10-20 ml/kg, seguido por manutenção de 20-30 mL/kg/24h para pacientes desidratados. Adicione solução de glicose 50% a 200 ml à etapa de manutenção.
- Pacientes comatosos devem receber ao menos 100 mg de tiamina por via parenteral para prevenir/tratar encefalopatiade Wernicke.
- Vômitos são frequentes e podem evoluir para broncoaspiração (avalie o uso de antieméticos, manutenção do paciente em decúbito lateral direito e até necessidade de proteção de vias aéreas com intubação orotraqueal).
- Lavagem gástrica e carvão ativado não são úteis para manejo da intoxicação alcoólica devido à rápida absorção deste no trato gastrintestinal.
- Solicite exames laboratoriais em pacientes com quadro de maior gravidade (rebaixamento do nível de consciência, uso de outras drogas associadas, trauma ou déficit neurológico focal): hemograma, ureia, creatinina, gasometria arterial, sódio, potássio, magnésio, bilirrubinas totais e frações, fosfatase alcalina, gamaglutamil transferase, aspartato aminotransferase , alanina aminotransferase, proteínas totais e frações, tempo de protrombina e proteína C-reativa.
Informação/história
- Consulte o próprio paciente, se possível, familiares, amigos ou acompanhantes sobre como se deu a intoxicação, além de outras drogas que possam ter sido utilizadas (incluindo medicações de uso contínuo ou recente). Lembre-se de que depressores do sistema nervoso central, como heroína e benzodiazepínicos, potencializam o efeito do álcool.
- Consulte histórico de comorbidades do paciente, principalmente cardiopatias.
Resolvida a intercorrência clínica, com paciente assintomático, não representando um perigo para si ou para os outros e ausência de critérios de internação, o paciente pode receber alta médica. Em caso de abuso de substâncias, o paciente deverá ser encaminhado para assistência especializada.
Veja também: Albumina na Medicina Interna: eficácia versus futilidade
Um algo a mais (ou dois)…
- Sempre que estiver frente a um caso de intoxicação aguda entre em contato com o Centro de Intoxicações de sua região, onde há equipe preparada para orientar sobre o manejo e as peculiaridades das síndromes clínicas relacionadas às drogas e substâncias.
- A metadoxina é uma droga que está sendo estudada devido ao efeito de diminuir a meia-vida do etanol no sangue, sendo um “antídoto” para esse tipo de intoxicação. Porém, até o momento só foi utilizada em estudos, não sendo comercializada.
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.