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Endocrinologia28 setembro 2018

Testosterona em mulheres: prescrição, doses e riscos

A testosterona pode ser prescrita para mulheres? Entenda por que não há dose segura definida, as limitações e os principais riscos segundo diretrizes.
Por Daniele Zaninelli

Apesar da falta de evidências conclusivas quanto à eficácia e de serem conhecidos diversos riscos à saúde, a testosterona vem sendo cada vez mais prescrita para mulheres no Brasil. A busca por efeitos estéticos, melhora da libido e aumento da energia costuma motivar grande parte das prescrições.

Diante desse cenário, surge uma pergunta fundamental: existe realmente deficiência androgênica feminina e, caso exista, há dose de testosterona considerada segura para mulheres?

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Existe deficiência androgênica feminina?

A definição de deficiência androgênica na mulher é complexa. Deve-se considerar que:

  • Não existem dados que correlacionem níveis baixos de andrógenos com sinais ou sintomas específicos em mulheres saudáveis. Por exemplo: mulheres com cansaço excessivo, baixa massa muscular ou libido prejudicada podem ter níveis baixos, normais ou altos de testosterona.
  • Mesmo quando há perda de produção de androgênio adrenal e/ou ovariano, ainda não há ainda definição de uma síndrome clínica específica, e nem evidências de que a reposição androgênica melhore essa condição.
  • A queda progressiva dos níveis de androgênicos com a idade fisiológica, mas tal mudança não é necessariamente anormal, nem requer correção.

Por que a dosagem de testosterona é pouco confiável

Outro grande obstáculo é técnico:

  • Os métodos laboratoriais disponíveis para dosagem de testosterona foram desenvolvidos para homens, que têm níveis três a 10 vezes mais altos que os encontrados em mulheres. Os testes amplamente disponíveis na prática clínica diária não têm acurácia para a dosagem de valores mais baixos, normalmente encontrados em mulheres. A indicação da dosagem de testosterona em mulheres deveria ser restrita à suspeita de excesso hormonal.
  • Inúmeros fatores interferem na testosterona sérica, incluindo o uso de anticoncepcionais.
  • Não existe um valor de referência bem definido por faixa etária.
  • Grande parte da ação da testosterona é resultado do metabolismo intracelular, portanto, as concentrações séricas sozinhas não refletem adequadamente o índice de exposição tecidual.
  • A sensibilidade ao nível do receptor androgênico também determina uma resposta individual a um determinado nível de testosterona. Na prática clínica, portanto, concentrações de testosterona no soro são em parte arbitrárias e devem ser sempre interpretadas de acordo com a apresentação clínica.

Recomendações atuais para o uso de testosterona em mulheres

A Endocrine Society, desde sua revisão de 2014, recomenda não solicitar testosterona para investigar deficiência em mulheres e não indica a reposição hormonal para:

  • infertilidade;
  • disfunção sexual que não seja distúrbio de desejo sexual hipoativo;
  • melhora cognitiva;
  • efeitos cardiovasculares, ósseos ou metabólicos;
  • aumento de energia ou bem-estar geral;

Isso ocorre por falta de eficácia comprovada e ausência de estudos de segurança a longo prazo.

As diretrizes enfatizam que preparações fisiológicas para uso em mulheres não estão disponíveis em muitos países, inclusive nos Estados Unidos. Acredita-se que a melhoria nos ensaios androgênicos permitirá uma definição de intervalos normais ao longo da vida, o que poderá ajudar a esclarecer o impacto de diferentes concentrações plasmáticas de andrógenos na biologia, fisiologia e psicologia das mulheres, levando a conclusões mais precisas sobre possíveis indicações de intervenções terapêuticas

Leia mais: Testosterona em gel feminino: uso na mulher com desejo sexual hipoativo

 

Riscos associados ao uso de testosterona em mulheres

Além dos efeitos adversos masculinizantes bem conhecidos da testosterona, como: alopecia, acne e engrossamento da voz, níveis suprafisiológicos do hormônio podem levar ao aumento do risco de complicações cardiovasculares.

Efeitos adversos e risco cardiovascular

Um estudo publicado recentemente mostrou que mulheres com níveis de testosterona naturalmente próximos ao limite superior do normal para o ensaio utilizado, na pós-menopausa, já apresentavam aumento do risco cardiovascular, possivelmente pela relação com maiores níveis de gordura visceral. Esses achados sugerem que não há ainda um nível que possa ser considerado seguro para a administração exógena de testosterona em mulheres.

Não podemos esquecer que a testosterona se aromatiza em estrógenos, o que pode estimular receptores na mama e no endométrio. A preocupação com o aumento no risco de câncer de mama e endométrio entre as mulheres que recebem testosterona em longo prazo é um fato.

Exposição acidental e riscos regulatórios

O FDA emitiu um aviso sobre os géis de testosterona devido a relatos de efeitos adversos em crianças devido à exposição secundária à pele de um adulto que havia aplicado recentemente o medicamento. Além disso, quando se considera a terapia androgênica em mulheres em idade reprodutiva, a exposição inadvertida de um feto em desenvolvimento deve ser considerada como um risco potencial significativo.

Posição da SBEM sobre o uso de testosterona

Para alertar sobre estes e outros problemas, a SBEM Nacional, em conjunto com o Departamento de Endocrinologia Feminina e Andrologia, emitiu um comunicado, esclarecendo os efeitos do uso da testosterona na mulher e no homem.

O comunicado informa que o uso do hormônio não está aprovado no Brasil para o sexo feminino, e não há medicamentos fiscalizados por órgãos de vigilância sanitária (ANVISA). Além disso, o texto aponta que o uso da testosterona sem indicação e a inexistência no mercado de medicamentos adequados para uso feminino podem levar a efeitos colaterais a curto e longo prazo.

No caso do sexo masculino, o comunicado informa que o uso da testosterona está aprovado no Brasil para o tratamento de hipogonadismo e, por curto prazo, para recuperação de quadros de caquexia. O uso indevido para ganho de massa muscular é considerado doping em atletas profissionais e ilegal em amadores. Não há estudos que garantam a segurança do uso de testosterona em mulheres, e não há dose segura.

Segue abaixo o documento completo.

Sexualidade feminina e avaliação clínica

A sexualidade feminina é complexa e não somente relacionada a hormônios como a testosterona. Fatores psicossociais como cultura, crenças religiosas, autoestima, depressão, traumas sexuais como abuso, tipo de relacionamento afetivo, doenças e o uso de medicamentos influenciam a sexualidade feminina.

O diagnóstico de perda do interesse nas relações sexuais e/ou falta de excitação se baseia na Classificação do DSM 5 e requer a presença de três dos seguintes critérios:

  1. Atividade sexual reduzida/ ausente;
  2. Ausência / redução de fantasias sexuais;
  3. Ausência de iniciativa em iniciar atividade sexual e falta de receptividade a iniciativa do parceiro;
  4. Ausência / redução de excitação durante a atividade sexual em cerca de 75-100% das vezes;
  5. Ausência / redução de excitação em resposta a estímulos eróticos (escritos, verbais ou visuais);
  6. Ausência / redução de sensações genitais e não genitais em 75-100% das relações sexuais.

Esses três critérios precisam estar presentes no mínimo por 6 meses e devem causar angústia à paciente.

A presença desse quadro é classificada pelo DSM 5 como Transtorno do Interesse / Excitação Sexual Feminino. O diagnóstico da síndrome é realizado com base em critérios exclusivamente clínicos. A dosagem de testosterona não está indicada para o diagnóstico, nem para avaliação de baixa função ovariana ou adrenal porque o método de dosagem utilizado mundialmente só permite discriminar o excesso de produção de testosterona, como para o diagnóstico de tumores e/ou outras doenças que levam à acne, hirsutismo e virilização.

Testosterona total e sobretudo livre só devem ser dosadas na avaliação de hiperandrogenismo. O uso de testosterona pela mulher não está aprovado no Brasil e não existem medicamentos fiscalizados por órgãos de vigilância sanitária (ANVISA) aqui disponíveis. Mundialmente, não é recomendado o uso de formulações masculinas para mulheres.

Riscos do uso inadequado de testosterona em mulheres

O uso de testosterona por mulheres, sem indicação e com medicamentos inadequados, pode levar a efeitos a curto e longo prazo, dose-dependentes como espinhas, excesso de pelos, queda de cabelo, aumento do risco cardiovascular, engrossamento da voz, aumento do clitóris, além de dependência psicológica como depressão após a retirada, transtorno da imagem corporal (dismorfofobia, vigorexia) e transtornos alimentares (ortorexia).

Testosterona no homem: indicações e limitações

O uso de testosterona pelo homem está aprovado no Brasil para o tratamento de hipogonadismo e, por curto prazo para recuperação de quadros de caquexia. O diagnóstico de hipogonadismo masculino requer a presença de sintomas clínicos como libido baixa, disfunção erétil e fadiga, além da dosagem de testosterona realizada no mínimo em duas ocasiões no período da manhã na ausência de doenças agudas ou graves. Há situações em que o hipogonadismo masculino pode ser secundário a uma doença sistêmica como hemocromatose, obesidade, e pode reverter como tratamento da causa básica.

Este conteúdo foi atualizado em: 14/11/2025 pela equipe editorial do Portal Afya.

Autoria

Foto de Daniele Zaninelli

Daniele Zaninelli

Graduada em Medicina pela UFPR (1998) ⦁ Especialização em Endocrinologia e Metabologia no HC/UFPR ⦁ Título de Especialista em Endocrinologia e Metabologia (2003) ⦁ Mestrado no Serviço de Endocrinologia e Metabologia pelo Departamento de Clínica Médica do HC/UFPR ⦁ Membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia / Membro da Endocrine Society ⦁ Presidente da Associação SEMPR Amigos (SEMPR: Serviço de Endocrinologia e Metabologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná)

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Referências bibliográficas

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