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Clínica Médica22 outubro 2024

Uma abordagem prática da candidúria

A candidúria, na maioria dos casos, reflete apenas contaminação ou colonização do trato urinário.
Por Leandro Lima

A candidúria, na esmagadora maioria dos casos, representa apenas contaminação ou colonização do trato urinário, em contraste com a minoria dos casos em que exerce uma real ação patogênica, condicionando, de fato, uma infecção.

A distinção entre infecção e colonização nem sempre é simples, como é o caso de indivíduos criticamente enfermos, sedados ou comatosos, muitas vezes incapazes de relatar os clássicos sintomas urinários, como disúria, polaciúria, urgência miccional e dor suprapúbica, bem como lombalgia, náuseas, vômitos ou síndrome febril.

Especialmente nesses cenários, tendo-se a consciência de que a Candida é o terceiro patógeno mais frequentemente identificado em uroculturas nosocomiais, alguns elementos adicionais devem ser levados em conta no processo de tomada de decisão sobre iniciar ou não a terapia antifúngica, como a presença de hifas e pseudo-hifas, que sugerem invasão tecidual, em detrimento da presença isolada de leveduras em baixas contagens, mais características da colonização.

Veja mais: Guia essencial para o tratamento das infecções fúngicas hospitalares

médico urologista cuidando de paciente com candidúria

Candidúria assintomática

Nos casos de candidúria assintomática é recomendado, quando possível, o desvencilhamento de fatores predisponentes, como a presença de dispositivos urinários invasivos (cateter vesical de demora, tubo de nefrostomia, cateter duplo J e stents), obstrução urológica, hiperglicemia ou exposição prolongada ou infundada à antibioticoterapia.

Em 24 a 48 horas após a retirada ou substituição dos dispositivos invasivos urinários, deve-se repetir a urocultura com a finalidade de excluir a colonização.

Em caso de candidúria persistente, faz-se necessária a avaliação imaginológica dos rins e vias urinárias, que inicialmente pode ser realizada com ultrassonografia, reservando-se a tomografia computadorizada contrastada para os casos inconclusivos, com o intuito de descartar focos infecciosos persistentes, como abscesso renal e bola fúngica nas vias urinárias.

A terapia antifúngica somente deverá ser considerada nos casos de candidúria assintomática nos seguintes cenários:

  • Neutropênicos febris de alto risco;
  • Recém-nascidos de muito baixo peso (< 1,5 kg);
  • Previsão de manipulação do trato urinário.

A instrumentalização urológica é indicativa de realização de terapia antifúngica sistêmica antes e após o procedimento, seja com fluconazol 400 mg/dia (6 mg/kg/dia) ou anfotericina B deoxicolato (0,3 a 0,6 mg/kg/dia), sendo a última empregada nos casos de resistência ao fluconazol.

Candidúria sintomática

Os casos de candidúria sintomática, que representam não mais do que 10% dos indivíduos com fungúria, devem ser tratados com terapia antifúngica sistêmica.

As infecções por espécies suscetíveis, como as causadas por Candida albicans, devem ser manejadas com fluconazol 200 mg/dia (2 mg/kg/dia) por 14 dias; enquanto as infecções resistentes ao fluconazol, como aquelas por Candida glabrata e Candida krusei, devem ser tratadas com anfotericina B deoxicolato (0,3 a 0,6 mg/kg/dia) por 1 a 7 dias ou flucitosina oral 25 mg/kg de 6/6 horas por 7 a 10 dias.

Uma opção interessante, mas amparada em frágil evidência, é a irrigação vesical com solução de anfotericina B deoxicolato  (50 mg/L), diluída em água estéril, por 5 dias, em casos de cistite por espécies resistentes ao fluconazol.

Leia também: Candidíase Vulvovaginal: como caracterizar e tratar?

Bola fúngica

Além da terapia antifúngica sistêmica, a presença de bola fúngica deve ser um forte indicativo para a intervenção cirúrgica urológica. Um detalhe especial é de que, na presença de cateteres de nefrostomia, a irrigação com anfotericina B deoxicolato (25 a 50 mg em 200 a 500 mL de água estéril) passa a ser fortemente recomendada.

Quais medicamentos não devem ser utilizados no tratamento da candidúria?

A ausência de penetração urinária satisfatória das formulações lipídicas da anfotericina B, equinocandinas (caspofungina, anidulafungina e micafungina) e azólicos que não o fluconazol (voriconazol, posaconazol e itraconazol) os tornam opções inadequadas para o tratamento das infecções fúngicas baixas do trato urinário, embora possam ter espaço no tratamento da pielonefrite por Candida.

Conclusão e Mensagens práticas

A candidúria, na maioria dos casos, reflete apenas contaminação ou colonização do trato urinário. Dessa forma, antes de embarcar no ímpeto prescritivo, deve-se considerar a troca de dispositivos urinários invasivos e a mitigação de fatores predisponentes, como antibioticoterapia prolongada ou hiperglicemia descontrolada. Os casos de fungúria persistente devem motivar a avaliação radiológica do trato urinário, inicialmente com ultrassonografia. O tratamento antifúngico deve ser reservado para a candidúria sintomática, complicada ou não por abscesso ou bola fúngica, bem como para situações particulares de candidúria assintomática, como é o caso dos neutropênicos febris de alto risco ou perspectiva de manipulação do trato urinário.

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Referências bibliográficas

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