Infecções fúngicas raras: diretrizes internacionais para diagnóstico e tratamento
Infecções fúngicas estão frequentemente associadas a quadros graves e alta mortalidade, especialmente quando ocorrem em pacientes críticos.
Embora mais raras do que as bacterianas, infecções fúngicas estão frequentemente associadas a quadros graves e alta mortalidade, especialmente quando ocorrem em pacientes críticos.
As infecções fúngicas invasivas são mais comumente causadas por leveduras ou fungos filamentosos. Dentre as leveduras, Candida spp. e Cryptococcus spp. são as mais frequentes, mas infecções por outros agentes vêm ganhando espaço em pacientes hospitalizados.
Poucas evidências existem em relação ao tratamento dessas infecções e há poucas ferramentas diagnósticas para identificação de seus agentes. Ao mesmo tempo, os guidelines prévios eram somente regionais e muitas vezes desatualizados. Baseado nesses fatos, a Confederação Europeia de Micologia Médica (ECMM), em conjunto com a Sociedade Internacional de Micologia Humana e Animal (ISHAM) e a Sociedade Americana de Microbiologia (ASM), publicaram um guideline global sobre o assunto.
Infecções fúngicas raras: Geotricoses
Atualmente, esse grupo de leveduras inclui organismos do gênero Geotrichum, que são geneticamente relacionados a Saprochaete spp. e Magnusiomyces spp. Poucas infecções por esses fungos já foram descritas na literatura, sendo sua maioria em pacientes hematológicos com leucemia aguda. Outros fatores predisponentes identificados incluem infecção pelo HIV/AIDS, diabetes não controlado, neoplasias e ingestão de queijo contaminado.
Infecções de corrente sanguínea, com ou sem lesões de pele, e pneumonia são as formas mais comuns de infecção em imunossuprimidos, mas infecções localizadas, como infecções oculares, de trato gastrointestinal ou endocardite, também já foram descritas. A mortalidade associada é alta, sendo de menos de 40% para G. candidum e podendo chegar a 60% nos pacientes oncológicos.
Para diagnóstico, exames radiológicos são inespecíficos, sendo utilizados para avaliar a extensão da doença. Recomenda-se a realização de tomografias em doenças pulmonares e de RNM em doenças oculares ou de SNC, assim como ecocardiograma transesofágico para confirmar endocardite. Além disso, é fortemente recomendado a realização de exames de imagem de controle para acompanhar a resposta ao tratamento.
Para identificação correta do agente etiológico, recomenda-se a realização de exame histopatológico e cultura ou método molecular dos tecidos acometidos. Voriconazol, posaconazol e micafungina são os antifúngicos que se mostraram mais ativos contra Geotrichum spp. Contudo, o uso de equinocandinas parece estar associado a piores desfechos e, por isso, não é recomendado. Anfotericina B, com ou sem flucitosina, mostrou boa resposta. O tempo de tratamento é empírico e individualizado, conforme local de acometimento, extensão de doença, resposta clínica e status imune.
Saprochaete spp. e Magnusiomyces spp.
Fungos desses gêneros mais frequentemente causam fungemia, doença localizada – como abscessos hepatoesplênicos – ou doença disseminada em pacientes hematológicos, incluindo os que estão recebendo equinocandinas. Entretanto, também podem acometer indivíduos imunocompetentes.
O diagnóstico é baseado no isolamento das leveduras de hemoculturas ou de outros locais estéreis. O uso de ferramentas como MALDI-TOF MS e métodos moleculares pode ser útil para identificação. M. capitatus frequentemente apresenta MICs elevados para fluconazol e é naturalmente resistente a equinocandinas, com melhor perfil de suscetibilidade a itraconazol, posaconazol, voriconazol e isavuconazol.
Para o tratamento inicial, recomenda-se administração de anfotericina B com ou sem flucitosina ou com voriconazol. Equinocandinas não devem ser usadas como monoterapia, mas a terapia combinada com voriconazol já foi relatada. Medidas para recuperação de neutropenia e retirada de acessos venosos são também recomendadas. Apesar de terapia antifúngica, os desfechos podem ser desfavoráveis. Em casos de abscessos esplênicos que não respondem adequadamente ao tratamento medicamentoso, esplenectomia pode ser benéfica.
Tricosporonose
Leveduras pertencentes ao gênero Trichosporon apresentam distribuição diversa globalmente, estando presentes no solo, madeira em decomposição, água, alimentos, besouros, excrementos de pássaros, morcegos e gado. Além disso, podem fazer parte da microbiota normal da pele e dos tratos respiratório e gastrointestinal dos seres humanos.
A manifestação patológica mais comum é fungemia, mas endocardite e infecções de SNC já foram descritos na literatura. Doença invasiva é mais prevalente em pacientes hematológicos que estão imunossuprimidos, com neutropenia, presença de acessos vasculares centrais e que estão expostos a antifúngicos. Nessa população, fungemia é frequentemente associada com lesões cutâneas, pneumonia e abscessos hepatoesplênicos. Outras populações consideradas como sob risco incluem doentes críticos e indivíduos que serão submetidos a procedimentos médicos. A mortalidade é alta, variando de 30 a 90%.
Exames de imagem são recomendados para auxiliar a diagnosticar ou excluir a presença de infecção, assim como para acompanhamento da resposta terapêutica. Pacientes neutropênicos e com fungemia devem ser submetidos a TC de abdome. Na suspeita de endocardite, ecocardiograma é recomendado.
O exame histopatológico de biópsias de pele e pulmão pode ser útil para o diagnóstico, mas não permite identificação do gênero ou espécie. Métodos moleculares, especialmente técnicas de PCR panfúngicas, podem auxiliar o diagnóstico. O painel recomenda microscopia direta de espécimes clínicas e cultura, além de identificação por métodos fenotípicos e por MALDI-TOF, com identificação baseada em métodos moleculares sendo fortemente recomendada.
Trichosporon spp. são intrinsicamente resistentes a equinocandinas e a maioria das espécies tem MIC baixo para voriconazol e posaconazol. O uso de azólicos têm se mostrado superior ao de anfotericina B em todas as formas de infecção, com dados apoiando a eficácia de posaconazol ou voriconazol. Em casos de endocardite ou infecção relacionada a acesso venoso, controle de foco com troca de valva cardíaca ou remoção de acesso pode ser necessário.
O painel recomenda terapia inicial com voriconazol, com uma recomendação de força moderada para o uso de fluconazol, a depender do MIC da espécie isolada. O uso de equinocandinas não é recomendado. Para casos somente com fungemia, recomenda-se 2 semanas de tratamento, enquanto durações mais longas – de 4 a 6 semanas ou até resolução radiológica – são recomendadas quando há envolvimento de órgãos e cavidades.
Recomendações de tratamento para as infecções fúngicas raras
Além das espécies discutidas acima, o consenso traz recomendações de tratamento para infecções fúngicas por outras leveduras consideradas raras. É importante salientar que, apesar das sugestões de terapias de primeira e segunda linhas, o tratamento de pacientes com essas condições deve ser individualizado.
As recomendações podem ser encontradas resumidas na tabela abaixo:
Tratamento de primeira linha | Tratamento de primeira linha (alternativa) | Tratamento de segunda linha | |
Geotrichum spp. | Anfotericina B lipossomal com ou sem flucitosina | Voriconazol | Classe diferente da que foi utilizada como primeira linha |
Saprochaete spp. ou Magnusiomyces spp. | Anfotericina B lipossomal com ou sem flucitosina | Voriconazol | – |
Trichosporon spp. | Voriconazol ou posaconazol | Fluconazol | Anfotericina B lipossomal ou deoxicolato |
Kodamaea ohmeri | Anfotericina B lipossomal ou deoxicolato | Equinocandinas | Voriconazol, fluconazol, outros azólicos, formulações diferentes de anfotericina B |
Malassezia spp. | Anfotericina B lipossomal | Anfotericina B deoxicolato | – |
Pseudozyma (Moesziomyces ou Dirkmeia) spp. | Anfotericina B lipossomal | Voriconazol | Anfotericina B complexo lipídico |
Saccharomyces spp. | Anfotericina B lipossomal ou deoxicolato | Fluconazol ou equinocandina (caspofungina ou micafungina) | Classe diferente da que foi utilizada como primeira linha |
Rhodotorula spp. | Anfotericina B lipossomal com ou sem flucitosina | Anfotericina B deoxicolato com ou sem flucitosina | – |
Sporobolomyces spp | Anfotericina B lipossomal | Voriconazol | – |
Drogas a serem evitadas | Remoção de acessos venosos centrais | |
Geotrichum spp. | Equinocandinas | Sem dados específicos sobre possível benefício |
Saprochaete spp. ou Magnusiomyces spp. | Equinocandinas | Sim (recomendação forte) |
Trichosporon spp. | Equinocandinas | Sim (recomendação moderada) |
Kodamaea ohmeri | – | Sim (recomendação moderada) |
Malassezia spp. | – | Sim (recomendação forte) |
Pseudozyma (Moesziomyces ou Dirkmeia) spp. | Fluconazol e equinocandinas | Sim (recomendação forte) |
Saccharomyces spp. | – | Sim (recomendação forte) |
Rhodotorula spp. | Triazólicos e equinocandinas | Sim (recomendação forte) |
Sporobolomyces spp | Fluconazol e equinocandinas | Sim (recomendação moderada) |
Referências bibliográficas:
- Chen, SCA, Perfect, J, Colombo, AL, et al. Global guideline for the diagnosis and management of rare yeast infections: an initiative of the ECMM in cooperation with ISHAM and ASM. Lancet Infect Dis 2021. DOI: https://doi.org/10.1016/
S1473-3099(21)00203-6
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