Telemedicina mostra resultados importantes no seguimento do DM2
O emprego da tecnologia vem impactando positivamente o tratamento e acompanhamento do diabetes mellitus (DM) de diversas maneiras. Além de dispositivos como os monitores contínuos de glicose (CGMs) e os sistemas de infusão contínua de insulina (SICI, ou “bombas de insulina”), a telemedicina vem sendo cada vez mais utilizada para o acompanhamento da condição, surgindo expressivamente sobretudo durante a pandemia de covid-19 e permanecendo como um legado positivo.
Durante o pico da pandemia, alguns estudos foram realizados apontando para a segurança e eficácia da telemedicina no manejo tanto do DM2 como do DMG. Porém, em sua grande maioria, as evidências vinham de estudos observacionais.
A telemedicina foi adotada inclusive por um programa criado pelo SUS para garantir maior acessibilidade à saúde e a especialistas em diversas regiões do país. O programa (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde – PROADI-SUS) conta com diversas especialidades, inclusive com endocrinologia. Numa parceria entre ele, o Hospital Oswaldo Cruz e o município de Joinville-SC, foi elaborado um ensaio clínico randomizado que buscou responder se as consultas por telemedicina para indivíduos com DM2 seriam seguras e eficazes.
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Vale lembrar que o termo telemedicina envolve diversas modalidades de atenção à saúde que é provida de forma digital, sendo que a teleconsulta, modelo analisado pelo estudo, é a consulta médica realizada através de uma videochamada.
O estudo, devido sua importância e desenho, foi publicado no Lancet, um dos principais periódicos médicos do mundo. Trazemos, portanto, uma análise de um estudo brasileiro, de grande relevância para o estudo do DM2 e seu acompanhamento.
Métodos
O estudo batizado de Teleconsulta Diabetes Trial foi um ensaio clínico randomizado, pragmático, open label (por natureza), unicêntrico, que comparou a eficácia e segurança no acompanhamento de indivíduos com diabetes mellitus tipo 2 (DM2) por telemedicina versus seguimento tradicional. Para isso, os participantes foram randomizados 1:1 entre as modalidades de atendimento. Como pressupõe-se as vantagens relacionadas à telemedicina (por exemplo, atender regiões mais remotas e facilidade de acesso sem necessidade de grandes deslocamentos), o estudo foi desenhado como de não inferioridade.
O objetivo primário foi, portanto, demonstrar a não inferioridade da telemedicina comparado ao atendimento presencial quanto ao controle do diabetes, tendo sido utilizada a hemoglobina glicada (HbA1c) como marcador desse controle após seis meses de acompanhamento. Dentre os desfechos secundários exploratórios, foram observados os níveis de glicemia de jejum, perfil lipídico, IMC e proporção de satisfação dos pacientes e também dos médicos endocrinologistas com o método de atendimento.
Ao final, foram selecionados 278 participantes, que foram recrutados entre janeiro de 2020 e março de 2023, em Joinville-SC. Os critérios de inclusão eram basicamente indivíduos com DM2 e ≥ 18 anos que tivessem sido encaminhados para o programa para avaliação por endocrinologista. Cada participante foi acompanhado por 3 consultas (inicial, 3 e 6 meses).
Quanto às características de base, a média de idade foi de 61 anos, 60% mulheres. Um detalhe que vale a pena a atenção é que 84% dos participantes eram brancos, representativo da população do sul do país. A média de HbA1c inicial era de 10,1% (similar entre os grupos). Ao todo, 77% estavam em uso de insulina NPH, enquanto 47% em uso de insulina regular; 84% em uso de metformina e 32% em uso de gliclazida. As demais medicações de outras classes contavam com menos de 2% de usuários.
Resultados
A telemedicina se mostrou eficaz no seguimento de indivíduos com diabetes mellitus tipo 2 (DM2). A diferença média entre os grupos foi de -0,6%, em três meses (IC 90%; -1,0 a -0,1), e -0,5%, em seis meses; a favor do grupo acompanhado por telemedicina, atingindo a margem de não inferioridade (IC 90%; – 0,9 a 0,0). A análise de subgrupos foi consistente, não havendo diferenças de acordo com sexo, uso ou não de insulina NPH, atividade física ou dieta.
Além disso, não houve diferenças significativas dentre os desfechos exploratórios secundários, como perfil lipídico, glicemia de jejum ou nível de pressão arterial.
O estudo também demonstrou a segurança da modalidade de acompanhamento ao apontar que as taxas de hipoglicemias e de eventos adversos também foram similares entre os grupos. De fato, a incidência de hipoglicemias foi baixa em todo o estudo, mas reforça a segurança da modalidade.
Veja também: Telemedicina: como obter informações do exame físico em uma teleconsulta?
Considerações e conclusão
Esse ensaio clínico randomizado traz evidências significativas a favor da segurança e eficácia da telemedicina no manejo do diabetes mellitus tipo 2, condição que vem crescendo em prevalência em nosso país e no mundo. Apesar das limitações do estudo (tais como o fato de ser unicêntrico e com uma população que não retrata exatamente toda a população brasileira), há pontos muito positivos tais como o desenho randomizado e o fato de se tratar de um estudo nacional que utilizou a população do SUS, com uso de medicações mais compatível com nossa realidade (ie, maioria em uso de metformina, sulfonilureias e insulina).
Mensagem prática
O debate sobre o emprego da telemedicina não deve seguir o tom de substituição ou não dos atendimentos presenciais, mas sim da complementação a esses, uma vez que, apesar de não substituir completamente o atendimento tradicional, é uma modalidade capaz de suplantar a ausência de especialistas em regiões remotas, facilitar o acesso de indivíduos que moram a grandes distâncias dos serviços de saúde e o realizar de maneira segura e eficaz, como observado neste importante estudo nacional.
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