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Clínica Médica12 julho 2024

Como abordar a litíase renal na emergência?

A maioria das pedras nos rins são constituídas por oxalato de cálcio, seguidos por ácido úrico, fosfato de cálcio, estruvita e cistina.
Por Leandro Lima

A litíase urinária (LU) é uma condição de alta prevalência, acometendo 15% da população geral, preferencialmente entre a terceira e quinta décadas de vida. A cólica nos rins é, portanto, uma das principais motivações para a busca pelos pronto-atendimentos e resulta em internações em 20% dos casos. A taxa de recorrência em 10 anos se aproxima de 50%.  

Leia mais: Litíase biliar: pedra na vesícula é um passe-livre para a colecistectomia?

Os fatores de risco para LU são categorizados em:   

Não-dietéticos: sexo masculino (3 homens: 1 mulher), etnia caucasiana, hereditariedade, histórico prévio de LU, exposição a climas tropicais ou ambientes de altas temperaturas. Algumas comorbidades sistêmicas incrementam o risco de LU, entre as quais a hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, obesidade, gota, doença renal crônica, hipertireoidismo, hiperparatireoidismo, nefrocalcinose, erros inatos do metabolismo, doença de Crohn e sarcoidose.

Dietéticos: ingestão hídrica limitada, dieta pobre em cálcio ou rica em sódio, oxalato, frutose e proteínas de origem animal. Alguns medicamentos podem induzir a formação de cálculos medicamentosos, como o indinavir, aciclovir e sulfadiazina; cálculos de cálcio, como os diuréticos de alça, acetazolamida, teofilina e glicocorticoides; e cálculos de ácido úrico, como os tiazídicos, salicilatos, probenecida e alopurinol.

As síndromes de má absorção, caracterizadas por esteatorreia, geram o sequestro intraluminal do cálcio por saponificação. Dessa forma, na síndrome do intestino curto e cirurgia bariátrica, a redução do cálcio livre intraluminal, quelante natural do oxalato, favorece a sua absorção e consequente hipercitratúria. 

E urinários: baixo volume, alta concentração e modificação da composição urinária, além de hipercalciúria, hiperoxalúria e hipocitratúria. A redução do pH urinário favorece especificamente a formação de cálculos de ácido úrico. Anormalidades anatômicas renais favorecem a recorrência de LU.  

A maioria das pedras nos rins são constituídas por oxalato de cálcio (75 a 90%), seguidos por ácido úrico (5-20%), fosfato de cálcio (6-13%), estruvita (2-15%) e cistina (0,5 – 1%). A formação dos cálculos costumeiramente se inicia nos rins, a partir da supersaturação urinária com íons livres e formação de núcleos em torno dos quais os cálculos ganham volume.  

rins

A cólica nefrética  

A apresentação clássica da cólica nefrética é a dor aguda unilateral em flanco, com irradiação inguinal, tipicamente iniciada à noite, de caráter episódico, frequentemente acompanhada por náuseas e vômitos, com duração entre 20 e 60 minutos e resolução incompleta da dor entre as crises.   

Os pacientes acometidos permanecem inquietos, contorcendo-se de dor, sem encontrar posição de alívio, no que diferem dos pacientes com abdome agudo. A progressão distal do cálculo é acompanhada por dor suprapúbica, disúria, urgência e frequência. A hematúria macroscópica está presente em aproximadamente um terço dos pacientes. 

Avaliação na emergência    

A entrevista e exame físico, somadas à avaliação de fatores de risco e comorbidades, em geral são suficientes para o diagnóstico.   

A avaliação laboratorial é frequentemente realizada, se valendo de hemograma, creatinina, exame simples de urina e urocultura, com objetivo de afastar infecção sobreposta, checar a função dos rins e identificar hematúria. 

Os objetivos do exame de imagem incluem a confirmação diagnóstica, identificação da localização e tamanho do cálculo e avaliação de complicações, bem como afastar mimetizadores, especialmente na população geriátrica, nos primeiros episódios de cólica nos rins ou em casos atípicos.   

Os principais diagnósticos diferenciais incluem a dissecção de aneurisma de aorta abdominal, infarto agudo do miocárdio, pielonefrite e trombose de artéria renal. Entretanto, deve-se considerar no leque de possibilidades a apendicite e diverticulite agudas, em conjunto com a cólica biliar, obstrução intestinal, herpes zóster, patologias túbulo-ovarianas e testiculares. 

A modalidade de maior acurácia na LU é a tomografia computadorizada (TC) de abdome total sem contraste, com sensibilidade e especificidade de 94% e 97%, retrospectivamente. Entretanto, a TC deve ser evitada nos pacientes abaixo dos 50 anos com histórico prévio de litíase urinária, recorrência de quadro típico e não-complicado e associado à baixa probabilidade de diagnósticos alternativos.  

A ultrassonografia (US), executada por radiologistas ou emergencistas, possui sensibilidade limitada, próxima a 55%, mas permite a identificação de sinais indiretos de LU, como hidronefrose e assimetria dos jatos ureterais. As suas vantagens são a disponibilidade, baixo custo e ausência de exposição à radiação, que a torna a primeira escolha entre gestantes e crianças.

A opção segue atrativa em pacientes com LU de repetição para amenizar a exposição acumulada à radiação. O seu emprego como imagem de primeira escolha na suspeita de LU permite reduzir o número de solicitações de TC, minimizando custos e exposição à radiação.   

A ressonância magnética (RM) raramente é utilizada na LU pela sua baixa capacidade de detecção de pedras nos rins, sendo uma opção razoável em gestantes com hidronefrose, ao determinar o local de obstrução. 

Veja também: Anticoagulação na cirrose: ainda um paradoxo?

Manejo clínico e tratamento  

A principal meta no setor de emergência é afastar diagnósticos diferenciais potencialmente graves e promover o rápido alívio da dor, que se instala a partir da combinação entre hipertensão no sistema coletor e espasmo ureteral, modulado por prostaglandinas. Dessa forma, por exceção dos doentes renais crônicos, portadores de doença ulcerosa péptica e gestantes, os anti-inflamatórios não-esteroidais são a primeira linha de tratamento, podendo ser combinados com opioides.   

A hidratação endovenosa na cólica nefrética, com objetivo de promover o aumento do fluxo urinário, associada ou não à diureticoterapia, não encontra suporte na literatura, mas está bem indicada nos pacientes desidratados secundários a vômitos ou baixa ingestão oral.   

A terapia médica expulsiva com o emprego da tansulosina, um alfabloqueador, tem sido recentemente questionada, em virtude de taxas de expulsão espontânea que se assemelham ao placebo. Em uma meta-análise de 2018, a magnitude de efeito da tansulosina foi pequena, com risco relativo de 1,16 (IC 95%: 1,07 a 1,25). Alguns poucos estudos demonstraram, em análises de subgrupo, que cálculos entre 5 e 10 mm apresentavam maiores taxas de expulsão com o emprego da tansulosina.

Ainda em 2018, um RCT publicado no JAMA, incluindo 512 pacientes, com diâmetro médio de cálculos de 3,8 mm, demonstrou que a tansulosina não superou o grupo placebo (RR 1,05 – IC 95% 0,87 a 1,26 – P = 0,6).   

O manejo conservador, com acompanhamento ambulatorial após passagem pelo pronto-socorro, é adequado na maioria das situações, desde que tenha sido descartada sepse e que os pacientes se apresentem com função renal preservada, cálculo ureteral unilateral com rim contralateral plenamente funcionante e exista tolerância à dieta e analgesia adequada pela via oral. Por outro lado, os pacientes com pielonefrite obstrutiva, com cálculos superiores a 15 mm, elevação significativa da creatinina, obstrução ureteral bilateral ou obstrução em rim único ou transplantado devem ser internados.    

Uma vez definida a elegibilidade para o tratamento conservador, os pacientes devem ser informados quanto aos sinais de alarme indicativos de retorno ao pronto-socorro, incluindo febre, vômitos e dor intratáveis, bem como sintomas persistentes por mais do que duas semanas. As medidas profiláticas universais são a hidratação oral, com alvo em 2,5 a 3L/dia, bem como redução do consumo de sal e de proteínas de origem animal. Para os cálculos de cálcio, pode-se lançar mão de tiazídicos, citrato de potássio ou alopurinol.   

Prognóstico  

A maioria dos pacientes com LU é manejada com sucesso de forma conservadora, expelindo espontaneamente os cálculos em 86% dos casos, especialmente se eles forem menores do que 6 mm e localizados na junção ureterovesical. Em contrapartida, cálculos maiores do que 9 mm dificilmente são expelidos espontaneamente, principalmente se localizados em ureter proximal.   

Os pacientes em tratamento conservador devem ser reavaliados com exame de imagem em 14 dias para monitorizar a evolução da posição do cálculo e surpreender hidronefrose. A vigilância se faz necessária pelo fato de que a obstrução urinária completa cursa com perda irreversível da função renal.

Entretanto, pacientes com dor bem controlada e hidronefrose leve apresentam apenas obstrução parcial e podem ser acompanhados em quatro a seis semanas, reservando-se a intervenção urológica específica para os casos em que os cálculos não forem expelidos após esse período.   

Leia ainda: Albumina na Medicina Interna: eficácia versus futilidade

Conclusão e mensagens práticas  

  • A litíase urinária (LU) é uma condição de alta prevalência, acometendo preferencialmente homens na faixa etária de 20 a 50 anos.  
  • A maioria das pedras nos rins são constituídas por oxalato de cálcio.  
  • A cólica nos rins caracteriza-se por dor aguda unilateral e intensa em flanco, irradiada para a região inguinal e posteriormente seguida por dor suprapúbica, disúria e hematúria.  
  • A avaliação laboratorial geralmente contempla hemograma, creatinina, exame simples de urina e urocultura.  
  • Os exames de imagem são úteis para a confirmação diagnóstica, identificação de localização e tamanho do cálculo, avaliação de complicações e exclusão de diagnósticos diferenciais.  
  • Em pacientes idosos e com manifestações atípicas, deve-se considerar os mimetizadores da cólica renal, entre os quais a dissecção de aneurisma de aorta abdominal, infarto agudo do miocárdio e trombose de artéria renal. 
  • A ultrassonografia é uma modalidade inicial útil, embora tenha sensibilidade limitada e esteja voltada para os sinais indiretos de LU, como hidronefrose e assimetria dos jatos ureterais. 
  • A tomografia é a modalidade diagnóstica de maior acurácia, com sensibilidade e especificidade que ultrapassam 90%. 
  • Na ausência de contraindicações, os AINE são a primeira linha de tratamento, podendo-se associar opioides.  
  • A terapia farmacológica expulsiva, com o emprego da tansulosina tem sido questionada nos últimos anos, embora a literatura ainda dê respaldo para a sua utilização em cálculos entre 5 e 10 mm, embora a magnitude do efeito, se presente, é pequena.
  • A maioria dos cálculos é expelida espontaneamente, especialmente se inferiores a 6 mm e localizados em junção ureterovesical.  
  • Cálculos maiores do que 9 mm têm baixa probabilidade de serem expelidos espontaneamente e demandam intervenção urológica precoce.  
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Referências bibliográficas

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