Caso clínico: Agitação após hernioplastia inguinal
Durante visita pré-anestésica paciente relatava um pouco de ansiedade sem outras queixas, lúcido e orientado no tempo e espaço, em bom estado geral, acianótico, anictérico, afebril, eupneico e eucárdico, com enchimento capilar satisfatório. Negava asma, bronquite, hipertensão, diabetes, alergia a medicamentos e qualquer outra comorbidade. Relatava uso de suplementação com magnésio e vitamina D por conta própria. Exames laboratoriais dentro da normalidade e exame físico sem alterações específicas. Relatava jejum de 10 horas para sólidos e líquidos. Realizado pré-anestésico com midazolan sublingual na dose de 7,5 mg e encaminhado ao centro cirúrgico.
Equipe anestésica optou por realizar um bloqueio de neuroeixo para a cirurgia. Paciente deu entrada no centro cirúrgico levemente sedado, respondendo ativamente aos comandos verbais. Monitorizado com cardioscópio, oxímetro, pressão arterial não invasiva e realizado venóclise em MSD com jelco 20 g e acoplado a máscara de Hudson para suplementação com oxigênio. PA 127 X 66 mmHg, FC 78 bpm, SpO2 99%.
Realizado raquianestesia hiperbárica com agulha 25G e marcaína 0,5% 15 mg, punção única paramediana, com saída de LCR claro, normotenso em água de rocha.
Paciente colocado em posição cirúrgica e autorizado o início do procedimento. Realizada analgesia venosa com dipirona 2 g e anti-inflamatório não esteroidal, profilaxia de náuseas e vômitos com zofran 4 mg e dexametasona 10 mg. Feito antibioticoterapia profilática a mando do cirurgião.
Após aproximadamente 10 minutos de bloqueio paciente começou a apresentar instabilidade hemodinâmica com diversos episódios de hipotensão que respondiam bem a volume. Na checagem do nível sensitivo, observou-se bloqueio a nível de T4. Paciente manteve-se instável durante os vinte primeiros minutos de procedimento, com reversão da hipotensão após realização de volume com ringer lactato. Não foi necessário a administração de vasopressor.
Cirurgia realizada sem nenhuma outra intercorrência, durando 90 minutos aproximadamente. No final da cirurgia, paciente já conseguia movimentar os pés e foi encaminhado a SRPA sem queixas.
Após meia hora começou a apresentar agitação psicomotora, relatando dor abdominal difusa. Sinais vitais apresentando taquicardia, hipertensão, porém com saturação de oxigênio satisfatória em torno de 97 %.
Ao exame físico apresentava massa palpável, maciça, bem delimitada, elástica em região de hipogástrio. Paciente relatava dor a palpação.
Hipótese diagnóstica: agitação após hernioplastia inguinal
Paciente hígido que cursa com agitação psicomotora e dor abdominal com massa palpável em região abdominal baixa, após realização de bloqueio espinhal deve-se pensar em bexigoma por retenção hídrica.
O bexigoma é uma complicação frequente, principalmente em pacientes masculinos, mais idosos e com problemas prostáticos, que são submetidos a bloqueios de neuroeixo com uma hidratação perioperatória aumentada e não é realizado cateterismo vesical. Essa complicação ocorre principalmente devido ao bloqueio concomitante da inervação que controla a função vesical, impedindo que o paciente seja capaz de perceber o enchimento vesical e de urinar e consequentemente, retendo a urina. Esse acúmulo de urina na bexiga, se em grande quantidade, forma o bexigoma.
Após formado, ocorre a inibição dos reflexos normais do esvaziamento vesical pela distensão da bexiga, que ocasiona o estiramento do músculo detrusor, que é o responsável pela contração vesical, fazendo com que o paciente fique incapacitado de realizar a micção voluntária, necessitando de uma intervenção para drenar a urina acumulada, sendo realizado um cateterismo vesical de alívio.
O bexigoma pode ser muito doloroso e é uma das primeiras causas de agitação pós-operatória a se pensar.
Foi realizado cateterismo vesical de alívio no paciente em questão e esse seguiu sem outras complicações e obteve alta no dia seguinte para casa.
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