Atestado médico para vacina contra Covid-19: sua elaboração e implicações éticas
Atestado médico para vacina contra Covid-19: é solicitado para vacinação especificando a comprovação da comorbidade. Saiba mais
Atestado médico é um dos diversos documentos assistenciais redigidos e emitidos durante uma consulta clínica; sua finalidade é firmar a genuinidade de um fato ou a presença de “…determinado estado, ocorrência ou obrigação legal…”. Consiste na transcrição de uma dedução médica após a realização do atendimento do paciente.
Sobre os atestados médicos
São partes fundamentais inerentes de qualquer atestado médico, além dos dispostos na Resolução CFM Nº 1.658 de 19/12/2002 e Resolução CFM Nº 1.851/2008:
- Escrita legível
- Respeito ao sigilo profissional disposto no CEM (na medida do possível ou após autorização expressa por escrito do paciente)
- Cabeçalho com qualificação do médico e do interessado
- Referência à solicitação do paciente e finalidade do documento (administrativo, judiciário ou oficioso)
- Fato médico constatado em exame clínico
- Consequências de tal situação/ enfermidade
- Local e data
- Assinatura com nome do médico e registro no Conselho de Classe
O atestado médico pode ser classificado, conforme definiu Hermes Rodrigues de Alcântara, em: idôneo, gracioso, imprudente e falso.
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Comprovação de comorbidades
Isso posto, devemos refletir sobre os critérios utilizados para elencar e hierarquizar a priorização dos grupos de vacinação. Como ainda não há vacina para toda a população (óbice compartilhado por quase todas as nações do mundo), a coerência utilizada pelo Brasil foi a diminuição do número absoluto de óbitos, vacinando primeiramente grupos específicos onde a letalidade da doença é maior. Sabe-se, estatisticamente, que a letalidade no SARS-CoV-2 é diretamente proporcional à idade e à presença de comorbidades (salvo raras exceções).
Após o início das vacinações em São Paulo, em 17 de janeiro de 2021, priorizando trabalhadores de saúde, indígenas e quilombolas, pessoas acima de 90 anos e fases posteriores por idades decrescentes, até o atual momento onde pessoas de determinada idade, na presença de comorbidades elencadas pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI) e Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra Covid-19, possam receber vacinação prioritária, como exposto abaixo:
A depender do estado, é solicitado para vacinação atestado médico especificando a indicação da vacina com comprovação da doença ou, de forma excepcional, serão aceitas “As três últimas receitas contendo a prescrição de medicamento(s) contra doenças que estejam contempladas como comorbidades, desde que emitidas nos últimos seis meses, e/ou laudo de exame diagnóstico que comprove a patologia contemplada como comorbidade”
Importante salientar que “é de interesse do PNI e do Ministério da Saúde ofertar a vacina Covid-19 a toda a população brasileira, a depender da produção e disponibilização das vacinas, mas neste momento é extremamente necessário o seguimento das prioridades elencadas, conforme o quadro”. – PLANO NACIONAL DE OPERACIONALIZAÇÃO DA VACINAÇÃO CONTRA A COVID-19- 5ª edição Brasília/DF (15/03/2021) Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt br/media/pdf/2021/marco/23/plano-nacional-de-vacinacao-covid-19-de-2021 Página 24.
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É desejo de todos que nossos pacientes, familiares, conhecidos e toda a nação sejam vacinados o quanto antes e não padeçam do mal da doença, mas que a vacinação seja feita respeitando o curso legal imposto pelas instâncias legais e sanitárias.
É esperado do médico, no exercício da profissão, uma conduta ilibada com toda a idoneidade moral. O único documento a ser emitido deva ser sempre o idôneo, evitando laudos graciosos/ complacente ou de favor (aquele emitido para agradar ou ampliar quantidade de pacientes ou conhecidos) ou mesmo laudos denominados piedosos, tentando por meio do “pouco poder” como médico corrigir mazelas sociais. Lembrando que: “Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também multa”.
Que a moral do médico, no momento do exercício de sua Função Social, seja tão alva quanto a cor de nosso jaleco, não maculando a profissão perante a história, os seus pares e a sociedade.
“A liberdade dispensada a este importante e necessário documento é perniciosa a todos: aos médicos, pela quebra da credibilidade do que atestam; à medicina, pelo seu descrédito entre as coisas sérias e úteis; e à sociedade, pelo que ela perde de utilidade em um instrumento de tão significativo e de real valor” – Genival Veloso de França.
Considerações sobre o atestado médico
1- É fundamental ao médico assistente saber seus limites de atuação, portanto cuidado com conclusões em documentos como “e deve ser vacinado”, “ deve/não pode tomar a vacina X ou Y”, “ deve ser afastado/ aposentado/ não pode exercer X função laboral” entre outros.
2- Todas as enfermidades da tabela “Doenças prioritárias” podem ser contestadas, entenda como: em um segundo momento, é possível solicitar documentação, exames complementares ou até perícia médica para comprovação do atestado emitido, assim sendo, reitero a importância de conhecer a legislação nacional, do estado e os critérios que a tabela leva em consideração.
ANEXO
- Código Penal. DECRETO-LEI No 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940.
TÍTULO X
DOS CRIMES CONTRA A FÉ PÚBLICA
CAPÍTULO III
DA FALSIDADE DOCUMENTAL
Falsidade ideológica
Art. 299 – Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:
Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, de quinhentos mil réis a cinco contos de réis, se o documento é particular. (Vide Lei nº 7.209, de 1984) Parágrafo único – Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, ou se a falsificação ou alteração é de assentamento de registro civil, aumenta-se a pena de sexta parte.
CAPÍTULO III
DA FALSIDADE DOCUMENTAL
Falsidade de atestado médico
Art. 302 – Dar o médico, no exercício da sua profissão, atestado falso: Pena – detenção, de um mês a um ano.
Parágrafo único – Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também multa.
- Código de Ética Médica: Resolução CFM nº 2.217, de 27 de setembro de 2018
Capítulo IX
SIGILO PROFISSIONAL
É vedado ao médico:
Art. 73. Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente
Capítulo X
DOCUMENTOS MÉDICOS
É vedado ao médico:
Art. 80. Expedir documento médico sem ter praticado ato profissional que o justifique, que seja tendencioso ou que não corresponda à verdade.
Art. 81. Atestar como forma de obter vantagem.
Art. 82. Usar formulários institucionais para atestar, prescrever e solicitar exames ou procedimentos fora da instituição a que pertençam tais formulários. Art. 83.Atestar óbito quando não o tenha verificado pessoalmente, ou quando não tenha prestado assistência ao paciente, salvo, no último caso, se o fizer como plantonista, médico substituto ou em caso de necropsia e verificação médico-legal. Art. 84. Deixar de atestar óbito de paciente ao qual vinha prestando assistência, exceto quando houver indícios de morte violenta.
Art. 85. Permitir o manuseio e o conhecimento dos prontuários por pessoas não obrigadas ao sigilo profissional quando sob sua responsabilidade.
Art. 86. Deixar de fornecer laudo médico ao paciente ou a seu representante legal quando aquele for encaminhado ou transferido para continuação do tratamento ou em caso de solicitação de alta.
Art. 87. Deixar de elaborar prontuário legível para cada paciente.
- 1º O prontuário deve conter os dados clínicos necessários para a boa condução do caso, sendo preenchido, em cada avaliação, em ordem cronológica com data, hora, assinatura e número de registro do médico no Conselho Regional de Medicina. § 2º O prontuário estará sob a guarda do médico ou da instituição que assiste o paciente. § 3º Cabe ao médico assistente ou a seu substituto elaborar e entregar o sumário de alta ao paciente ou, na sua impossibilidade, ao seu representante legal.
Art. 88. Negar ao paciente ou, na sua impossibilidade, a seu representante legal, acesso a seu prontuário, deixar de lhe fornecer cópia quando solicitada, bem como deixar de lhe dar explicações necessárias à sua compreensão, salvo quando ocasionarem riscos ao próprio paciente ou a terceiros.
Art. 89. Liberar cópias do prontuário sob sua guarda exceto para atender a ordem judicial ou para sua própria defesa, assim como quando autorizado por escrito pelo paciente.
- 1º Quando requisitado judicialmente, o prontuário será encaminhado ao juízo requisitante.
- 2º Quando o prontuário for apresentado em sua própria defesa, o médico deverá solicitar que seja observado o sigilo profissional.
Art. 90. Deixar de fornecer cópia do prontuário médico de seu paciente quando de sua requisição pelos Conselhos Regionais de Medicina.
Art. 91. Deixar de atestar atos executados no exercício profissional, quando solicitado pelo paciente ou por seu representante legal.
Referências bibliográficas:
- Alcântara, Hermes Rodrigues de, 1979- Deontologia e diceologia: normas éticas e legais para o exercício da medicina, São Paulo: Organização Andrei Editora, 1979.
- CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA Resolução CFM n° 2.217, de 27 de setembro de 2018, modificada pelas Resoluções CFM nº 2.222/2018 e 2.226/2019 Disponível em : https://portal.cfm.org.br/images/PDF/cem2019.pdf Acesso em: 26 de maio de 2021.
- Código de Ética Médica: Resolução CFM nº 2.217, de 27 de setembro de 2018 , modificada pelas Resoluções CFM nº 2.222/2018 e 2.226/2019 / Conselho Federal de Medicina – Brasília: Conselho Federal de Medicina, 2019.
- Código Penal. DECRETO-LEI No 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940. Disponível em : http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decretolei/del2848compilado.htm Acesso em: 26 de maio de 2021.
- França, Genival Veloso de, 1935- Direito médico/ Genival Veloso de França. – 12. ed. rev., atual e ampl.- Rio de Janeiro: Forense, 2014.
- Vacinação contra Covid-19: governo de SP pede investigação de 100 médicos Disponível em : : https://vejasp.abril.com.br/cidades/vacinacao-investigacao medicos-comorbidades-laudos/ Acesso em: 21 de maio de 2021.
- https://coronavirus.rio/wpcontent/uploads/2021/04/Covid_ListaComorbidades_v3.pdf Acesso em: 26 de maio de 2021.
- https://sistemas.cfm.org.br/normas/arquivos/resolucoes/AC/2009/6_2009.pdf Acesso em: 26 de maio de 2021.
- https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2008/1851 Acesso em: 26 de maio de 2021.
- https://thaisdiasoliveira.jusbrasil.com.br/artigos/332516533/crimes-contra-a-fe publica-falsificacao-de-documento-publico-falsificacao-de-documento particular-falsidade-ideologica-e-falsidade-de-atestado-medico Acesso em: 26 de maio de 2021.
- https://vacinaja.sp.gov.br/ Acesso em: 26 de maio de 2021.
- https://www.facebook.com/governosp/photos/a.10150486447768653/10159654699 753653/ Acesso em: 21 de maio de 2021.
- PLANO NACIONAL DE OPERACIONALIZAÇÃO DA VACINAÇÃO CONTRA A COVID-19- 5ª edição Brasília/DF (15/03/2021) Disponível em : https://www.gov.br/saude/pt br/media/pdf/2021/marco/23/plano-nacional-de-vacinacao-covid-19-de-2021 Acesso em: 26 de maio de 2021.
- https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=98085#:~:text=Normatiza%20a%2 0emiss%C3%A3o%20de%20atestados%20m%C3%A9dicos%2C%20e%20d% C3%A1%20outras%20provid%C3%AAncias.&text=Considerando%20a%20ne cessidade%20de%20regulamenta%C3%A7%C3%A3o,%C2%A7%202%C2%B A%20de%20seu%20art. Acesso em: 26 de maio de 2021.
- https://www.saude.ce.gov.br/2021/04/30/atestado-declaracao-ou-relatorio medico-serao-exigidos-durante-3a-fase-da-vacinacao-contra-a-covid-19-veja modelos/ Acesso em: 26 de maio de 2021.
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