O plasma fresco (PF) contém todos os fatores pró-coagulantes e anticoagulantes presentes no sangue e é utilizado em aproximadamente 15% das cirurgias cardíacas. Neste tipo de procedimento, ocorrem alterações que resultam em depleção dos fatores de coagulação, o que pode prejudicar a formação de trombina e levar a sangramento importante. O complexo protrombínico (CP) contém os fatores dependentes da vitamina K (II, IV, IX, X), as proteínas C e S e pequenas quantidade de heparina e tem alguns benefícios em relação ao plasma: menor chance de contaminação, menor risco de lesão pulmonar aguda, necessidade de menor volume para atingir a dose equivalente de PF e maior geração de trombina. Porém, pode ser menos eficaz em restaurar a hemostasia e ter risco maior de trombose.
Foi publicado no último mês um estudo piloto comparando CP com PF em pacientes submetidos a cirurgia cardíaca que tiveram sangramento com necessidade de transfusão de fatores de coagulação. O objetivo foi avaliar se quem recebeu CP necessitou de PF após, comparar efeitos hemostáticos e segurança dos dois tratamentos e avaliar a viabilidade de um estudo maior.
Características do estudo
Foi um estudo randomizado 1:1. Um grupo recebeu complexo protrombínico e outro plasma fresco em doses que dependiam do peso do paciente. O estudo era cego até o momento em que o paciente recebia o tratamento, pois como esses dois componentes tem propriedades físicas diferentes, não era possível que o médico responsável no momento não soubesse qual era o componente que o paciente estava recebendo.
Resultados
Foram avaliados 101 pacientes no período de setembro de 2019 a junho de 2020, em dois centros no Canadá, sendo 54 no grupo CP e 47 no grupo PF. A idade média dos pacientes era 64 anos, 28% eram do sexo feminino e 81% foram submetidos a cirurgias complexas. Os dois grupos tinham características de base semelhantes. Não houve diferença no tempo para a administração do CP ou PF (1,0 hora x 1,2 horas). No grupo CP, 9,3% dos pacientes receberam 2 doses de CP e 3,7% PF após o CP. No grupo PF, 19,1% recebeu duas doses de PF.
A gravidade dos sangramentos e os desfechos da terapia hemostática (necessidade de nova transfusão em 4 e 24 horas) foram numericamente menores no grupo CP, porém sem diferença estatística. O total individual e cumulativo de componentes transfundidos (hemácias, plasma e plaquetas), também foi menor no grupo CP, com diferença estatística na análise de 24 horas: necessidade de transfusão no grupo CP 42% menor, principalmente às custas de PF (95% menos transfusão, com p < 0,001), seguido de hemácias (31% menor, com p = 0,05).
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A quantidade de sangue no dreno de tórax também foi menor no grupo CP, tanto em 12 horas (310 ml x 500 ml, p < 0,001) quanto em 24 horas (450 ml x 700 ml, p < 0,001). Não houve reação transfusional em nenhum dos grupos e os eventos adversos foram semelhantes, assim como tempo de ventilação mecânica e dias de internação.
Conclusão
O uso de CP pode ter benefícios em relação ao PF no perioperatório de cirurgia cardíaca, o que já foi confirmado em outros contextos, como na intoxicação cumarínica. A redução da necessidade de transfusão e suas possíveis complicações, além da redução da quantidade de sangramento no pós-operatório imediato da cirurgia cardíaca tem grandes benefícios para o paciente, com menor risco de reação transfusional e menor sobrecarga de volume. Este estudo inicial mostrou haver segurança para uso do CP neste contexto, sem aumento de possíveis efeitos colaterais, como a trombose. Mais estudos, com maior quantidade de pacientes, são necessários para confirmar esses achados.
Referências bibliográficas:
- Karkouti K, et al. Comparison of 4-Factor Prothrombin Complex Concentrate With Frozen Plasma for Management of Hemorrhage During and After Cardiac Surgery. JAMA Network Open. 2021;4(4):e213936. doi:10.1001/jamanetworkopen.2021.3936
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