Residência em cirurgia: quando desafios e superação pessoal caminham lado a lado
Já é médico, mas ainda não um especialista. Está apto a realizar procedimentos complexos e prescrever medicamentos, mas sempre sob supervisão dos mais experientes. Cumpre horas como profissional, mas também é um estudante. Assim é a vida do médico nos anos que sucedem sua graduação acadêmica.
A residência é um período essencial na formação de um médico – principalmente quando seu intuito é tornar-se cirurgião. Ao longo dos anos e em suas diferentes gradações, a residência oferece oportunidade de aprimoramento das habilidades técnicas, aprofundamento dos conhecimentos teóricos e desenvolvimento de resiliência para lidar com o dia a dia intenso de um hospital.
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Desafios
Um dos maiores desafios enfrentados pelos residentes de cirurgia é a extensa carga horária de trabalho. Plantões de 24 horas, escalas noturnas e fins de semana frequentes são realidades comuns, exigindo grande capacidade de adaptação física e mental. Conciliar essa rotina intensa com a vida pessoal, estudos e lazer são desafios à parte, exigindo disciplina e organização por parte do residente e toda sua rede de apoio. E é por isso que, na visão do Dr. Walter Augusto Verthein Cruz, é preciso mais do que determinação.
“Quando você entra na residência, geralmente está com uma gana muito grande para estar ali. Para ser residente em cirurgia, precisa, primeiro, não ter um perfil desistente porque serão muitas as adversidades”, diz Dr. Walter, residente em um hospital municipal de grande porte no Rio de Janeiro.
Para a Dra. Marianna Dias, as coisas não são diferentes. “Entrar na residência é extremamente difícil, mas sair formado é muito mais. É um serviço do qual a gente não tem uma folga, não existe vida fora da residência. É esgotante”, diz ela, que atua no mesmo hospital.
Desafios além
Essa jornada, por si só, já é uma prova do que virá pela frente na carreira de um médico. Embora todas as especialidades exijam muito dos recém-formados, a especialização em cirurgia tem seus adicionais de estímulo.
Enquanto na clínica médica são desenvolvidos a arte de ouvir com atenção o paciente, coletar informações detalhadas e analisar dados complexos para desvendar os mistérios do corpo humano, na cirurgia, é necessário ainda desenvolver com excelência a coordenação motora fina, a destreza manual, os reflexos rápidos e a capacidade de trabalhar sob pressão.
“Quando operamos um paciente, o trabalho não termina ali. Ficamos sempre atentos a como ele vai evoluir, como será sua resposta ao procedimento, mesmo nos casos mais simples”, diz Dr. Verthein.
“Talvez algumas residências sejam tão trabalhosas quanto, mas todas ligadas à cirurgia. Às vezes fico até triste conversando com amigos que fazem outras especializações porque vejo que eles têm uma vida fora dali, e eu não”, brinca a médica. “Se eu não parar para responder mensagens da minha família, dos meus amigos, eu não vou fazer, vou ignorar. Eu preciso me forçar a estar com eles, para ter uma vida fora do hospital”, completa ela, que, no segundo mês de residência, ainda está se habituando ao novo cotidiano.
Preceptor
Apesar do pouco tempo ainda de residência, Dra. Marianna diz já ter entendido que uma das coisas mais importantes da jornada é estabelecer um vínculo forte, saudável e confiável com seu preceptor. “A gente pode ler livro, estudar, mas é na prática que a gente aprende. Então dependemos muito dele e de todos que nos ensinam”, diz.
“Além do mais, uma boa relação abre portas no futuro. Às vezes dentro do hospital você não consegue operar tanto, mas o preceptor te leva pra acompanhá-lo em outro lugar em que opera, é um super oportunidade de conhecer como funciona uma outra unidade e outra técnica cirúrgica”, afirma.
Para Dr. Walter, o papel do preceptor vai muito além da sala de aula. “Quando eu e meus R= entramos, o serviço era diferente, muita coisa mudou”, diz Verthein. “Na época, precisávamos parar os atendimentos e acompanhar pacientes que precisavam de exames que só podiam ser feitos em outro hospital. Íamos na ambulância e esperávamos horas até que terminassem. Depois de muita conversa, conseguimos com o preceptor que os médicos da regulação é que levassem esses pacientes, o que é um adianto enorme para o serviço do hospital, para nós médicos e para os pacientes”, conta ele, que está no terceiro ano de residência.
Futuro
Com o passar dos anos na residência, as responsabilidades também evoluem. “Quando você é R1, o trabalho é muito mais braçal, digamos. São eles que passam visita aos pacientes, preenchem papelada e tudo isso em um hospital que você tem que percorrer por horas ao longo do dia. Com o passar do tempo, vamos ‘ganhando’ a chance de fazer o que mais desejamos, que é a cirurgia em si. Mas, com ela, cresce também a pressão por executar um bom trabalho”, diz Dr. Walter.
“Sei que ainda tenho a residência inteira pela frente, mas já sei que quero emendar em outra especialização. E quero fazer isso logo, para não perder o timing. Por enquanto, penso em Proctologia, mas pode ser que mude ao longo desses anos que vêm pela frente”, assume Dra. Marianna.
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Resiliência e humanidade
Embora os desafios sejam muitos e de natureza complexa e diversificada na residência médica em cirurgia, é importante lembrar que essa é uma fase plena de aprendizado. Superar esses desafios exige do residente resiliência, força de vontade e capacidade de adaptação. Por isso, a busca pelo aprimoramento técnico e científico molda não apenas habilidades clínicas, mas também o caráter, a humanidade e o diferencial de cada recém-formados.
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