Medicina em cenários de grandes desastres: como ajudar?
A catástrofe climática que assola o Rio Grande do Sul (abril/maio 2024) representa a maior calamidade climática já registrada no estado. Segundo os dados oficiais da Defesa Civil do estado, até o momento, 332 municípios já foram severamente afetados, resultando em 15.192 pessoas abrigadas, 80.573 desalojadas e um total de 710.022 indivíduos impactados diretamente, dos quais 155 ficaram feridos e 100 desapareceram.
Infelizmente, houve também 75 óbitos confirmados até o último dia 05/05. A precipitação acumulada alcançou uma média de 420 mm, 3 vezes o volume esperado para o período, e resultou em níveis históricos dos rios e na pressão crítica sobre 12 barragens, culminando no rompimento parcial da Usina 14 de Julho e na evacuação de 10 municípios
Além disso, a infraestrutura essencial foi gravemente comprometida, com 110 hospitais atingidos, dos quais 17 ficaram totalmente inoperantes e 75 com funcionamento parcial, interrupção de energia elétrica para 418,2 mil pontos, suspensão do fornecimento de água para 1,06 milhão de unidades consumidoras e falhas nas redes de telefonia e internet em dezenas de municípios
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Atuação dos médicos em cenários de desastres
A atuação de médicos em cenários de desastres é fundamental para a mitigação dos efeitos adversos e para o suporte das comunidades afetadas (AL-JAZAIRI, 2018; BORTOLIN; CIOTTONE, 2016). O envolvimento desses profissionais abrange diversas etapas do ciclo do desastre, desde a preparação até a recuperação (AL-JAZAIRI, 2018; BORTOLIN; CIOTTONE, 2016). A seguir, são discutidas duas áreas principais de atuação: a resposta imediata e a recuperação a longo prazo (AL-JAZAIRI, 2018; BORTOLIN; CIOTTONE, 2016).
Como auxiliar nesse momento?
Triagem e Tratamento de Emergência:
A triagem em desastres é essencial para classificar os feridos com base na gravidade de suas condições e na urgência do tratamento necessário. Estudos demonstram que uma triagem eficaz prioriza o tratamento para aqueles que têm maiores chances de sobrevivência com intervenção rápida, enquanto adia o tratamento de casos menos graves e daqueles que provavelmente não sobreviverão independentemente da intervenção (BORTOLIN; CIOTTONE, 2016). Em um cenário de catástrofe como o ocorrido no Rio Grande do Sul, médicos podem montar postos de triagem próximos às áreas afetadas para rapidamente avaliar e tratar os feridos, garantindo que os recursos médicos limitados sejam utilizados da forma mais eficiente possível para salvar o maior número de vidas, juntamente aos órgãos oficiais em atuação.
Coordenação com Equipes de Resposta
Médicos trabalhando em estreita colaboração com outras equipes de resposta, incluindo serviços de emergência médica (EMS), bombeiros, e forças de segurança, podem garantir uma abordagem coordenada e eficaz. A implementação do Sistema de Comando de Incidentes (ICS) facilita essa coordenação e comunicação entre diferentes agências envolvidas no gerenciamento do desastre (BORTOLIN; CIOTTONE, 2016). No Rio Grande do Sul, médicos podem integrar-se às equipes de resposta de emergência, participando de reuniões de coordenação e estabelecendo canais de comunicação claros com outros socorristas para otimizar os esforços de resgate e atendimento médico.
Prevenção de Epidemias
Em desastres que resultam em deslocamento de populações e condições sanitárias precárias, os médicos desempenham um papel vital na prevenção de surtos de doenças, por meio de vacinação, fornecimento de água potável e saneamento básico, além da educação sobre práticas de higiene (AL-JAZAIRI, 2018). Após as inundações no Rio Grande do Sul, médicos podem organizar campanhas de vacinação, instalar pontos de distribuição de água potável e realizar sessões educativas sobre higiene para prevenir doenças como leptospirose, hepatite A e outras infecções transmitidas pela água contaminada. Podendo ainda contribuir com doações de insumos básicos e insumos médicos.
Reabilitação Física e Psicológica
Após o impacto inicial, muitos sobreviventes precisam de reabilitação contínua para se recuperarem de ferimentos físicos e traumas psicológicos. Médicos de diversas especialidades, como ortopedistas, fisioterapeutas e psiquiatras, trabalham juntos para proporcionar cuidados abrangentes aos pacientes. Estudos mostram que desastres podem ter efeitos prolongados na saúde mental, incluindo transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), ansiedade e depressão (BORTOLIN; CIOTTONE, 2016). No desastra gaúcho médicos podem atuar através de equipes multidisciplinares para fornecer cuidados contínuos a vítimas da catástrofe, abordando tanto as necessidades físicas quanto psicológicas dos pacientes, inclusive de maneira remota utilizando recursos de telemedicina regulamentados.
Educação e Preparação da Comunidade
Parte da recuperação envolve preparar a comunidade para futuros desastres. Médicos desempenham um papel vital na educação da população sobre medidas de prevenção e resposta a desastres, promovendo a resiliência comunitária. Programas de educação em saúde pública, exercícios de simulação e workshops são métodos eficazes para disseminar conhecimento e preparar a comunidade para eventos adversos (BORTOLIN; CIOTTONE, 2016). Ao longo desse processo em meio à catástrofe no sul do país, médicos podem organizar workshops e treinamentos para a comunidade local sobre como responder a emergências, primeiros socorros e medidas preventivas, aumentando a resiliência e a capacidade de resposta das comunidades afetadas. Além disso, o compartilhamento de informações de saúde corretas e combate à desinformação são de grande auxílio nesse momento.
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Conclusão
A atuação médica em desastres é multifacetada e indispensável, abrangendo desde a resposta imediata até a recuperação a longo prazo (BORTOLIN; CIOTTONE, 2016). A coordenação eficaz, a triagem e o tratamento de emergência, a prevenção de epidemias, e a reabilitação física e psicológica são apenas algumas das muitas responsabilidades que os médicos assumem nesses cenários (BORTOLIN; CIOTTONE, 2016). A educação contínua e a pesquisa são fundamentais para aprimorar as estratégias de resposta e garantir que as comunidades estejam melhor preparadas para enfrentar futuros desastres (AL-JAZAIRI, 2018).
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