Lidar com turnos exaustivos e cobrir a ausência de colegas são situações comuns na rotina de muitos médicos plantonistas. Mas até que ponto essa sobrecarga é legalmente permitida? E quem responde por falhas na cobertura de escalas? Para esclarecer essas questões, conversamos com a advogada Ana Caroline Amoedo, especialista em Direito Médico, que destacou os principais riscos jurídicos envolvidos na dinâmica dos plantões hospitalares.
A primeira dúvida é frequente: o médico pode encerrar seu turno e deixar o hospital se o substituto não aparecer? A resposta é não. Conforme o Código de Ética Médica (CEM), o plantonista deve permanecer em seu posto até a chegada do profissional que o substituirá — salvo por justo impedimento. “Na ausência de substituto, a direção técnica deve providenciar a imediata substituição”, afirma Ana Caroline. Ainda assim, o médico que está no plantão deve aguardar até que outro profissional assuma.
No entanto, esse tipo de situação pode levar a jornadas excessivas, o que também é ilegal. Pareceres do CRM-PR e do CREMEPE deixam claro: plantões com duração superior a 24 horas ininterruptas não são permitidos, esclarece a advogada.
Diante deste cenário, ao perceber que não possui condições físicas ou emocionais de seguir com o atendimento, o médico não apenas pode, mas deve interromper suas atividades — desde que não haja pacientes em situação de urgência ou emergência aguardando. Essa conduta tem respaldo jurídico, ameniza Ana Caroline.
“O Parecer nº 11/2021 do CREMEC reconhece o direito ao repouso e à interrupção do trabalho por desgaste físico ou emocional, desde que respeitada a prioridade dos casos críticos. O próprio CEM, em seu Capítulo II, item V, garante esse direito”, diz a especialista.
Em casos como esses, o médico pode suspender suas atividades quando a instituição não oferece condições adequadas para o exercício da profissão. No entanto, ele deve comunicar imediatamente sua decisão ao Conselho Regional de Medicina.
Se a origem dessa falha for estrutural, devida a uma má organização recorrente das escalas de plantão, a responsabilidade deverá recair sobre a direção técnica. A Resolução CFM nº 2.147/2016 estabelece que o diretor técnico da instituição pode ser responsabilizado, inclusive nas esferas administrativa e ética.
Erro médico
Segundo a advogada, se um profissional se omite diante de situações previsíveis que comprometem o atendimento, poderá responder por erro médico, especialmente quando houver dano ao paciente. Isso porque o CEM exige que os profissionais denunciem normas e condições de trabalho incompatíveis com o exercício digno da medicina — como escalas abusivas ou a ausência de estrutura adequada.
E se um erro médico ocorrer durante um plantão excessivo? A exaustão pode servir como defesa? Ana Caroline responde com cautela: embora esse argumento possa ser usado, não é suficiente, por si só, para afastar a responsabilidade. “É dever do médico suspender suas atividades sempre que considerar que as condições de trabalho são indignas ou prejudiciais a si, ao paciente ou a terceiros”, esclarece.
Nessas situações, a conduta correta é buscar apoio institucional. O médico deve comunicar imediatamente o diretor técnico ou o responsável pela instituição, conforme orienta o artigo 9º do CEM, para que seja providenciada sua substituição.
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Casos ocorridos
Esse tipo de problema já chegou aos tribunais, ela conta. Um exemplo é o processo nº 1000475-90.2018.5.02.0465, julgado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Nele, um médico foi demitido por justa causa após abandonar um plantão de 24 horas sem justificativa ou substituto. O tribunal considerou que o abandono comprometeu a rotina hospitalar e causou desassistência, configurando falta grave.
Outro caso marcante ocorreu em São Paulo, em 2025. Após cumprir 48 horas consecutivas de plantão durante a pandemia de covid-19, um médico adormeceu ao volante a caminho de casa e atropelou um pedestre. A vítima teve uma perna amputada e fratura exposta na outra. A defesa alegou “mal súbito” como excludente de responsabilidade civil, mas o juiz entendeu que a exaustão extrema não caracterizava caso fortuito nem força maior. O médico foi condenado por negligência, tendo que indenizar a vítima por danos morais, estéticos e pagar pensão vitalícia.
Tudo dentro do limite
Diante desses cenários, Ana Caroline é categórica: “O médico não deve se sentir culpado por reconhecer seus limites. Pelo contrário, isso também é parte do seu dever profissional”. Reconhecer a exaustão e agir com responsabilidade é uma forma de proteger não só o próprio médico, mas principalmente os pacientes, que dependem de um atendimento seguro e adequado.
Se você é médico ou estudante de medicina e quer se aprofundar no tema para atuar com mais segurança, vale seguir o perfil @anacarolineamoedo no Instagram. Por lá, a especialista compartilha dicas práticas para evitar problemas jurídicos na carreira. Fique de olho!
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