Na era em que tudo vira áudio, print ou vídeo, o consultório médico não ficou fora do radar. Mas será que é legal registrar uma conversa com o profissional de saúde sem avisar? E se for o contrário: o médico pode gravar você? A linha entre o direito à informação e a violação de privacidade pode ser mais tênue do que parece.
Conversamos com Ana Caroline Amoedo, advogada especialista em Direito Médico, para destrinchar o que dizem as leis, os conselhos profissionais e os princípios éticos sobre um tema cada vez mais real — mas ainda pouco debatido — na prática clínica brasileira.
Legal ou nem tanto?
De acordo com o Conselho Federal de Medicina (CFM), o paciente pode gravar a consulta, desde que o médico esteja ciente e tenha consentido previamente. O profissional, por sua vez, tem o direito de recusar o atendimento se não concordar com a gravação — exceto em casos de urgência ou emergência, conforme prevê o artigo 33 do Código de Ética Médica (CEM).
“A voz e a imagem do médico também são protegidas pela Constituição Federal. Ele não pode ser gravado sem saber, ainda que esteja em exercício profissional”, explica Ana Caroline.
E se a gravação for feita sem avisar?
Apesar do entendimento do CFM, a Justiça brasileira tem aceitado gravações feitas sem o conhecimento do médico como prova válida em processos judiciais. Isso porque, segundo os tribunais, trata-se de um registro feito por uma das partes da conversa, o que não configura ilícito.
Mas atenção: isso não dá carta branca para divulgar a gravação por aí. “Se o conteúdo for compartilhado sem autorização — seja em redes sociais, aplicativos ou com terceiros —, o paciente pode ser responsabilizado civil e criminalmente”, destaca a advogada. “Isso porque estaria violando direitos fundamentais do médico, como a intimidade, a vida privada e o direito à própria imagem”.
O mesmo vale para registros feitos em áudio. “Do ponto de vista jurídico, os dois são formas de registro protegidas por lei”, diz Ana Caroline. Inclusive, a voz é considerada parte da imagem da pessoa, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Sendo assim, caso o médico perceba a gravação e se sinta desconfortável, ele pode encerrar a consulta por quebra de confiança, desde que a situação não envolva risco imediato à saúde do paciente.
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E se for o médico quem quiser gravar?
Nesse caso, o cenário muda — e entra em cena a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Para gravar a consulta, o médico precisa informar o paciente sobre a gravação, explicar o motivo e como o conteúdo será armazenado.
“Não é necessário um documento formal assinado, mas a informação precisa ser clara e prévia. É uma questão de transparência e boa-fé, como prevê a LGPD”, pontua Ana Caroline.
Essa gravação, se realizada, deve ser incorporada ao prontuário do paciente e armazenada com segurança, respeitando os princípios da confidencialidade e integridade dos dados.
Se o paciente não concordar com a gravação, o médico pode optar por não realizá-la ou até recusar o atendimento — mas, novamente: desde que não se trate de uma emergência, é claro.
Uso das gravações
A LGPD determina que qualquer dado sensível do paciente, inclusive gravações, deve ser armazenado de forma segura, com senhas e protocolos de proteção. Além disso, qualquer compartilhamento exige autorização expressa do paciente, que deve saber o porquê da divulgação e ter acesso a um canal de dúvidas — como um encarregado de dados (DPO).
O que diz o Código de Ética Médica?
O CEM não trata diretamente da gravação de consultas. No entanto, conselhos regionais, como o Conselho Regional de Medicina do Estado de Sergipe – CREMESE e o próprio setor jurídico do CFM, entendem que a gravação deve contar com o consentimento do médico para ser considerada ética.
“Se for o médico quem divulga a gravação sem autorização do paciente, ele pode responder por quebra de sigilo, violação da LGPD e sofrer sanções civis, penais e éticas”, explica Ana Caroline.
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Redes sociais: terreno minado
Mesmo com o aval do paciente, a Resolução sobre Publicidade Médica proíbe a divulgação de consultas em tempo real nas redes, especialmente quando envolvem procedimentos ou tratamentos.
“Se o paciente publicar trechos da consulta sem o consentimento do médico, ele pode ser responsabilizado por violar a privacidade e a intimidade do profissional”, reforça a advogada.
Dicas para médicos e estudantes
Para Ana Caroline, a gravação da consulta não deve ser vista como regra, mas como exceção — e tratada com cautela. Para manter o atendimento ético e juridicamente seguro, ela recomenda:
- Estabelecer diálogo transparente e respeitoso com os pacientes;
- Humanizar a escuta e a abordagem clínica;
- Explicar com clareza as condutas adotadas e os limites da atuação médica;
- Manter o prontuário sempre completo e atualizado;
- Se necessário, interromper a consulta ao perceber gravações não autorizadas, quando possível.
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O futuro e seus riscos
A tendência é que o hábito de gravar atendimentos continue crescendo. Mas Ana Caroline faz um alerta: “Apesar de poder oferecer maior segurança jurídica, essa prática só faz sentido se estiver pautada na ética e no respeito à privacidade”.
Segundo ela, o Brasil ainda carece de regulamentações específicas sobre o tema. “Enquanto isso, o melhor caminho continua sendo o da transparência, empatia e confiança mútua — valores que nenhuma tecnologia pode substituir”, finaliza a especialista.
Se você é médico ou estudante de medicina e quer se aprofundar no tema para atuar com ainda mais segurança, vale a pena seguir o perfil @anacarolineamoedo, no Instagram. É por lá que Ana Caroline compartilha dicas práticas para evitar problemas jurídicos na carreira. Fique de olho!
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