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Carreira20 novembro 2025

O espaço da mulher negra na Medicina: herança, desafios e transformações

No mês da Consciência Negra, a trajetória das médicas negras expõe desafios históricos e reforça a urgência de ter uma Medicina inclusiva
Por Redação Afya

A história da Medicina no Brasil tem nomes pioneiros que simbolizam resistência, como Maria Odília Teixeira, a primeira médica negra do país, formada em 1909. Mesmo assim, mais de um século depois, a representatividade de mulheres negras na profissão permanece muito baixa.

A infectologista Isabel Melo, médica negra, reflete com sensibilidade e firmeza sobre essa trajetória: “conhecer as histórias das pioneiras serve tanto como inspiração, como alerta sobre o quanto ainda temos que conquistar de espaço”, afirma.

Saiba mais: A nova era da saúde guiada pela representatividade

Herança e inspiração histórica

Para Isabel, a herança de figuras como Maria Odília Teixeira é dupla: por um lado, empodera; por outro, evidencia o lento ritmo das mudanças. Apesar de avanços recentes, a presença de médicas negras ainda é tímida. Ela considera triste que esse tema continue pouco debatido na sociedade, uma vez que a trajetória dessas mulheres foi marcada por excelência, persistência e superação: “não são somente histórias de superação, mas relatos de profissionais que exerceram suas funções com excelência”.

Barreiras invisíveis no cotidiano profissional

Isabel relata que, mais frequentemente, os obstáculos não vêm em forma de insultos explícitos, mas de microagressões constantes. “O mais comum é não te reconhecerem como médica antes de você se apresentar como tal. Geralmente pensam que sou enfermeira, fisioterapeuta, técnica de laboratório e até parente de algum paciente. Nunca a médica”, conta. Esse tipo de situação, segundo ela, reflete o imaginário social: “A possibilidade de uma mulher negra em um hospital ser a médica responsável na equipe ainda não é imediata. Não é o padrão que estamos acostumados a pensar”.

Ela também destaca que essas barreiras se somam à discriminação de gênero: “Ainda somos mais a exceção do que a regra, principalmente quando se pensa em cargos de chefia e/ou de poder”. Apesar do cansaço, Isabel insiste: “A vontade de seguir na carreira e saber que efetivamente se tem a capacidade para se tornar uma boa profissional é o que faz a gente seguir em frente”.

Representatividade que cura

O impacto da representatividade vai além do simbólico. No consultório, Isabel percebe uma identificação real por parte de suas pacientes negras: “Elas se sentem mais ouvidas e isso traz um senso de segurança que também é muito importante no cuidado à saúde”. Para ela, esse reflexo no atendimento reforça a importância de mais médicas negras no sistema de saúde: “Há mais chances de entender o que ela está passando por talvez já ter passado por experiências semelhantes”.

A presença de profissionais que compartilham vivências raciais e sociais contribui para uma medicina mais empática e inclusiva, fortalecendo o acolhimento de quem sempre esteve à margem.

Racismo estrutural e desigualdades em saúde

Como infectologista, Isabel observa na prática como o racismo estrutural impacta a saúde da população negra. “Muitas das doenças infecciosas possuem determinantes sociais muito influentes, muitas vezes a exposição a agentes infecciosos e a condições que interferem em seu controle acaba afetando de forma desproporcional a população negra”, explica.

Mais médicos negros, para ela, são cruciais não apenas para dar visibilidade a essa desigualdade, mas para transformá-la. “Mais profissionais negros podem ajudar muito a mostrar que saúde é influenciada por questões sociais, econômicas. Vivências de violência e preconceito também afetam a adesão a tratamentos”, afirma.

Saiba mais: Como a desigualdade social afeta a saúde da população negra

Redes de apoio e novas gerações

Para enfrentar os desafios, Isabel destaca a importância das redes de apoio, como coletivos de médicas negras e iniciativas de mentoria. “Essas redes criam um espaço diferenciado de trocas, acolhimento e identificação”, afirma. No ambiente exigente da Medicina, essas comunidades ajudam tanto profissionais formadas quanto estudantes a encontrar força e inspiração.

Ela ressalta que esses grupos são canais fundamentais para transmitir oportunidades, guiar novas trajetórias e fortalecer um senso de pertencimento: “Podem servir como inspiração e como canais de mentoria para as que estão se formando”.

Resistência, esperança e futuro

Para Isabel, a trajetória da mulher negra na Medicina é também um ato de resistência. Em suas próprias palavras: “pensar o futuro da mulher negra é um ato político”. Ela sonha com uma geração de médicas que não precise provar seu valor por cor ou gênero: “Que sejam vistas por suas habilidades e capacidades e não por sexo ou cor”.

Leia ainda: O futuro da Medicina é das mulheres: elas já são maioria na profissão

Embora reconheça progressos, ela adverte: ainda há muito a conquistar. “Precisamos de investimento contínuo em educação, políticas de inclusão e espaços de discussão sobre representatividade na Medicina”. Somente assim, acredita, será possível tornar a carreira médica menos penosa e mais justa para quem sempre esteve fora do centro.

Desigualdades que exigem atenção

Os dados reforçam a urgência desse debate. Um levantamento recente apontou que apenas 2,8% dos diplomados em Medicina no Brasil se autodeclaram pretos, conforme o IBGE. Por outro lado, as mulheres negras são parte significativa da população: segundo a Fiocruz, representam cerca de 28% da população brasileira, mas enfrentam disparidades graves em saúde.

O Boletim Epidemiológico Saúde da População Negra, publicado em 2023 pelo Conselho Nacional de Saúde, apontou que mulheres negras têm taxas crescentes de mortalidade materna, e que doenças como anemia falciforme agora têm notificações compulsórias – reflexo da desigualdade de acesso e atenção. Além disso, dados do Instituto Nacional do Câncer sugerem que a mortalidade por câncer de mama entre mulheres negras pode ser até três vezes maior do que entre mulheres brancas.

Para a Dra. Isabel Melo, o fortalecimento da presença negra na Medicina não é apenas uma questão simbólica, mas uma urgência ética e social. “Cuidar da representatividade é cuidar da própria saúde pública”, conclui.

Autoria

Foto de Redação Afya

Redação Afya

Produção realizada por jornalistas da Afya, em colaboração com a equipe de editores médicos.

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