Embora seja uma das únicas certezas irrefutáveis que carregamos ao longo da existência, a morte ainda é um dos maiores tabus da humanidade. Ainda que vida e finitude coabitem com certa harmonia dentro da realidade de médicos, informar um paciente sobre quanto tempo lhe cabe sobre a Terra é, para muitos deles, uma das tarefas mais delicadas exigidas pela profissão.
Por isso, a comunicação desse tipo de prognóstico envolve não apenas empatia e clareza, mas também responsabilidade ética e jurídica. Afinal, até que ponto é permitido dizer a um paciente, ou à sua família, o quanto de vida ainda resta?
Segundo a advogada Ana Caroline Amoedo, especialista em Direito Médico, a resposta é clara: sim, o médico pode informar a expectativa de vida, desde que esteja embasado clinicamente e siga o que determina o Código de Ética Médica (CEM). O artigo 34 do CEM obriga o profissional a comunicar o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo se isso puder causar dano ao paciente — nesse caso, a informação deve ser repassada ao seu representante legal.
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Quando informar vira um risco
Embora não exista vedação legal, emitir uma estimativa de sobrevida sem o devido respaldo técnico pode gerar responsabilizações nas esferas ética, cível e até penal. “O médico deve basear suas orientações em práticas cientificamente reconhecidas, conforme prevê o Capítulo II, inciso II do Código de Ética”, explica a advogada. Isso significa que qualquer previsão deve ser comunicada como uma possibilidade — nunca como uma certeza.
A incerteza é, aliás, uma premissa essencial nesse contexto. Conforme destaca o artigo “A Ética na UTI”, do médico Vitor Oliveira, publicado no site do CFM, toda afirmação científica é hipotética e sujeita a erro, mesmo quando bem embasada. Por isso, prognósticos sobre tempo de vida devem ser constantemente reavaliados e apresentados com cautela.
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Pode haver processo?
Segundo a especialista, principalmente quando a comunicação for imprecisa ou feita de forma leviana, poderá incorrer em processo. “Se o médico fixa um prazo sem ressalvas e isso causa abalo emocional ou prejuízo, o paciente ou a família pode alegar erro médico e buscar reparação judicial”, alerta Ana Caroline. O risco se acentua quando a estimativa é dada sem deixar claro que se trata de uma previsão sujeita a variações – o que reforça a importância da linguagem utilizada.
Conduta ética x Previsão imprudente
A chave está no respaldo científico. Uma orientação clínica fundamentada segue as evidências disponíveis e se comunica com honestidade e clareza. Já uma previsão imprudente costuma ignorar dados técnicos, simplificar situações complexas ou até recorrer a discursos sensacionalistas, algo cada vez mais comum nas redes sociais.
Proteção jurídica
A primeira medida é adotar uma comunicação empática, transparente e respeitosa. O médico deve utilizar linguagem acessível, evitar promessas e registrar tudo no prontuário, incluindo a forma como o prognóstico foi comunicado. Esse registro tem valor legal e pode ser decisivo em uma eventual ação judicial.
O CEM não trata diretamente da comunicação de más notícias, mas o tema é abordado por meio de princípios importantes. O artigo 23 veda tratar o paciente com descaso ou desrespeito, enquanto o artigo 27 proíbe condutas que atentem contra sua integridade física e mental. Em linha com esses preceitos, o CREMEB publicou a cartilha “Como dar notícias difíceis pelo protocolo SPIKES”, que orienta sobre como lidar com situações críticas sem agravar o sofrimento do paciente.
Por fim, Ana Caroline reforça: “Mais do que comunicar, o médico precisa saber como comunicar. Uma expectativa de vida é uma informação sensível, que pode trazer paz, mas também gerar sofrimento e litígios. Por isso, ela exige do profissional preparo técnico e emocional, e total compromisso com a verdade”.
Se você é médico ou estudante de medicina e quer se aprofundar no tema para atuar com mais segurança, vale seguir o perfil @anacarolineamoedo no Instagram. Por lá, a especialista compartilha dicas práticas para evitar problemas jurídicos na carreira. Fique de olho!
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