A solicitação de atestados médicos fora do horário de plantão é uma situação que muitos médicos enfrentam ao longo da carreira. O pedido pode vir de um paciente habitual, de um desconhecido ou até de um familiar, geralmente com certa, ou muita, urgência. Mas, afinal, o médico é obrigado a atender a essas demandas?
Segundo a advogada Ana Caroline Amoedo, especialista em Direito Médico, a resposta é clara: não há obrigação jurídica de emitir atestado fora do turno de trabalho. “O médico só estará obrigado a emitir atestado se tiver realizado atendimento, ainda que fora do horário habitual, como em situações de urgência”, explica. Nesses casos, o profissional deve seguir os princípios do Código de Ética Médica (CEM), especialmente os artigos 33, 80 e 91.
Possível recusa
O artigo 33 determina que o médico não pode se recusar a atender pacientes em situações de emergência, quando não houver outro profissional disponível. Já o artigo 91 obriga o médico a atestar os atos efetivamente executados quando solicitados pelo paciente ou por seu representante legal. E o artigo 80, por sua vez, proíbe expressamente a emissão de documentos médicos sem justificativa profissional, ou que sejam falsos ou tendenciosos.
Mesmo que o paciente seja conhecido, o cuidado deve ser o mesmo. “A familiaridade com o paciente não altera as exigências éticas. É sempre necessário um ato clínico prévio para emissão do atestado”, afirma Ana Caroline.
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Presencial ou não?
Uma dúvida comum entre médicos é se é possível emitir atestado sem avaliação presencial. A advogada esclarece que, com a regulamentação da telemedicina pela Resolução CFM nº 2.314/2022, é permitido emitir atestados após uma consulta remota, desde que cumpridos os critérios éticos e clínicos.
“O que não se pode fazer é emitir um atestado sem qualquer tipo de avaliação. Isso é infração ética e pode até ser considerado crime, conforme o artigo 302 do Código Penal”, alerta. Essa conduta foi recentemente reiterada como vedada no Parecer nº 2.906/2024 do CRM-PR, que reforça a obrigatoriedade de base fática e clínica para a validade do atestado.
Sob pressão
E quando a pressão vem da família? Ana Caroline explica que o médico só deve emitir atestado se houve atendimento real, mesmo sob solicitação de um representante legal. “Emitir um documento apenas para atender a um pedido emocional ou social, sem respaldo clínico, fere o dever de veracidade e pode gerar sanções éticas e jurídicas”, enfatiza.
Para se proteger, a advogada orienta que, em caso de recusa, o médico registre detalhadamente no prontuário os motivos da negativa. “Esse registro é essencial para resguardar o profissional, pois o prontuário tem valor jurídico e pode ser usado em eventuais processos ou sindicâncias”, explica.
Casos anteriores
Casos de emissão indevida de atestados já resultaram em condenações. Em 2018, o Tribunal de Justiça de São Paulo condenou uma clínica a pagar R$ 20 mil a um paciente demitido por justa causa após a secretária, sem consulta médica, emitir um atestado falso. “Esse caso mostra que a responsabilidade do médico vai além do atendimento. Envolve também a conduta da equipe e a estrutura da clínica”, conclui Ana Caroline.
O recado para médicos e estudantes de medicina é claro: o atestado é um documento técnico e legal que exige cautela, respaldo clínico e ética. Emiti-lo sem os devidos critérios pode transformar um favor em um problema sério.
Se você é médico ou estudante de medicina e quer se aprofundar no tema para atuar com mais segurança, vale seguir o perfil @anacarolineamoedo no Instagram. Por lá, a especialista compartilha dicas práticas para evitar problemas jurídicos na carreira. Fique de olho!
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