Na série especial “Histórias de Cuidado: Relacionamento médico-paciente”, compartilhamos relatos de médicos sobre casos que vivenciaram em sua rotina e como lidaram com cada situação de forma gentil e empática.
O objetivo é explorar a Medicina sob uma perspectiva mais subjetiva, revelando as nuances do cuidado com o paciente.
Boa leitura!
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Caso clínico
Eu estava atendendo no ambulatório de dermatologia de um grande hospital, quando uma paciente de 45 anos chega com queixa de prurido crônico. A paciente relatava que nada melhorava sua coceira e que já estava assim há quatro anos.
Realizei a anamnese detalhada tentando alcançar, em sua fala e história, alguma pista da provável etiologia. Após extensa avaliação clínica e laboratorial, não identifiquei nenhuma etiologia metabólica, neoplásica, alérgica ou infecciosa. Prescrevi um tratamento para ela pensando no diagnóstico de prurido crônico, mas não tive muito sucesso.
Apesar da possível falha terapêutica, nós criamos um certo vínculo. Os nossos encontros eram marcados pela fala dela um pouco ansiosa e percebi um humor deprimido. Comecei a me interessar, de fato, por aquela história e perguntei: “Você me disse que essa coceira começou há quatro anos, certo? O que mudou na sua vida, de fato, de lá para cá, sem ser essa coceira?”
Rapidamente notei que seu olhar mudou. Ela me disse: “Eu quase perdi meu filho há exatamente 4 anos para as drogas.” A paciente me contou com muita tristeza que descobriu o envolvimento do seu filho com drogas quando ele sumiu na comunidade. Nessa ocasião, ela foi procurá-lo e buscá-lo e acabou presenciando cenas violentas que jamais imaginaria ver.
Após isso, ela tentou de todas as formas ajudar o seu filho, “como uma leoa” em um processo muito desgastante e solitário, já que era mãe solo e não podia contar com rede de apoio. Hoje o filho dela tinha conseguido se recuperar e estava bem, depois de muito sofrimento. Mas ela se sentia esgotada.
Desde então, ela ia sobrevivendo às violências que essa situação a expos. As cenas ainda passavam na sua cabeça como filme, todos os dias à noite. E junto vinha a coceira. Inclusive naquele momento, enquanto ela me contava, percebi que ela se escoriava e chorava um pouco.
Peguei em sua mão e perguntei se ela já tinha contado essa história para alguém. Ela disse que não. Entendemos juntas que muitas vezes o prurido dela estava falando tudo que ela não conseguia dizer. Então, conseguimos apoio da psicologia, psiquiatria e fomos ajustando o tratamento.
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Quatro semanas depois…
Escutei uma batida na porta. Era ela.
“Oi, Dra… posso entrar?”
“Claro!” – eu respondi.
Ela me disse que estava muito melhor. Fiquei muito feliz! Me deu um abraço e entregou um cartão. Nele, estava escrito: “ A fala cura. Mas a escuta salva. Obrigada por me salvar!”
Fiquei emocionada. E aquela sensação de “ainda bem que eu escolhi ser médica” veio me visitar de novo. Aquele bilhete me salvou também.
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O que podemos aprender com isso
As doenças dermatológicas e o sistema nervoso central possuem a mesma origem embriológica e não é à toa que vemos tanta interseção da pele com a psique.
A lição que fica é que é importante dominar todas as técnicas, mas nunca podemos nos esquecer que atendemos pessoas, cheias de histórias e que, muitas vezes, tudo o que um paciente precisa é ser ouvido.
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