O diagnóstico preciso do câncer não acontece tão simples como um achado em um exame de sangue. Hoje em dia, infelizmente, vários marcadores tumorais são solicitados rotineiramente como se fossem de fato rastreio do câncer, levando a uma gama de exames desnecessários e preocupações relacionadas a um resultado não esperado.
Até o momento, o câncer ainda não pode ser diagnosticado por um simples exame de sangue. Alguns exames, como a dosagem sérica do antígeno prostático (PSA) levantam suspeita de neoplasia, mas não o confirmam. Marcadores tumorais como antígeno carcinoembrionário (CEA) não servem para diagnóstico, mas para predição de prognóstico em pacientes já diagnosticados com câncer.
E se houvesse maneiras de rastreio do câncer, especialmente nos mais agressivos que ainda não têm triagem? No segundo dia do Congresso da ASCO 2025, diversas inovações no diagnóstico do câncer foram apresentadas e abordadas sob diferentes perspectivas.
Simples como exame de sangue?
Hoje em dia, estão em desenvolvimento testes de detecção de múltiplos cânceres (multi-câncer detection – MCD) que podem mudar o paradigma no diagnóstico oncológico. Tais testes vêm se revelando promissores. Entretanto, é válido ressaltar que as indicações para esses testes se aplicam a rastreamento e não ao diagnóstico definitivo. A principal motivação para o estudo e desenvolvimento desses testes é que os tipos de câncer que mais matam não apresentam testes de rastreamento.
Os MCDs funcionam através da detecção de alterações biológicas como metilação do DNA, fragmentações, mutações no RNA, proteínas. A proposta inicial é a investigação e detecção inicial de múltiplos cânceres através de uma pontuação e predição da probabilidade de um paciente desenvolver câncer. Indivíduos com pontuações acima de um limite pré-estabelecido são considerados positivos e encaminhados para outros exames diagnósticos definitivos, como tomografia, ressonância, dentre outros.
Avaliação de desempenho de um teste de detecção precoce de múltiplos cânceres com ctDNA metilado baseado em sangue reflexo em indivíduos com obesidade
A obesidade é um fator de risco para diversos tipos de câncer que juntos representam cerca de 40% dos diagnósticos de câncer nos Estados Unidos. Nenhum desses é rastreável. Um ensaio clínico avaliou teste de detecção precoce de múltiplos cânceres (multi-cancer early detection – MCED) através da análise metilação de ctDNA em indivíduos com obesidade grau I ou mais. Ao todo, 882 indivíduos foram avaliados, sendo 424 pacientes oncológicos, ainda sem tratamento iniciado e 458 pacientes do grupo controle, sem doença oncológica.
O teste referido avaliou a sensibilidade e o valor preditivo positivo (VPP), calculado através de uma base pré-determinada na elaboração do estudo. A sensibilidade geral atingida pelo teste foi de 29,7% (IC95, 25,3-34,6). Já a especificidade foi de 98,9% (IC95, 97,6-99,6) e valor preditivo negativo (VPN) de 98,9% (IC95, 98,85-99,0).
A análise de dados em cânceres associados à obesidade revelou VPP significativo, como valores de até 100% em fígado e vias biliares, 87,5% em tumores colorretais, 81,8% no trato gastrointestinal alto e 66,7% em tumores uterinos.
Em relação à sensibilidade para tumores em estágio inicial, os valores obtidos foram de 50% em tumores hepatobiliares, 51,9% colorretais, 40,9% do trato gastrointestinal alto, 8,5 para tumores uterinos e 56,5% para pancreatobiliares.
O estudo concluiu que em pacientes com obesidade e risco aumentado para vários tipos de câncer, os testes de metilação do DNA apresentou bons resultados em relação à sensibilidade e VPP para o rastreio de câncer em estado inicial nos órgãos avaliados.
Comparando exames de sangue de ponta para detecção de câncer
Um estudo avaliou o valor prognóstico da detecção de sinais de câncer em uma análise de subgrupo de um caso-controle anterior, denominado Atlas do Genoma Livre de Células Circulantes (Circulating Cell-free Genome Atlas -CCGA), no qual foi desenvolvido teste MCED através de sequenciamentos para detectar mais de 50 tipos de câncer usando a correlação entre níveis séricos de ctDNA com agressividade e prognóstico do câncer.
Uma validação cruzada do CCGA revelou que pacientes com câncer confirmado e sem sinal de câncer detectado no exame de rastreamento por ctDNA apresentaram melhor sobrevida em 3 anos em comparação com os que tiveram sinal de câncer detectado no rastreio.
Uma terceira análise do CCGA (CCGA3) avaliou a sobrevida em 5 anos. Os resultados revelaram que, dos 2.475 pacientes avaliados, 792 (32%) foram a óbito durante o acompanhamento. Dentre esses, 673 (85%) tinham sinal de câncer detectados no rastreio por ctDNA. Dos 1683 (67%) pacientes que permaneceram vivos durante o acompanhamento, apenas a minoria (35%) apresentaram sinais de câncer detectados em exame de rastreio.
Em suma, a avaliação em 5 anos sugere que os resultados do teste MCED, quando positivos (detecção de sinal de câncer) pode dar indícios de um prognóstico ruim e indicam a urgência do tratamento.
Considerações
O rastreio e a detecção precoce do câncer ainda são desafiadoras e envolve estudos complexos. Testes de MCED têm demonstrado potencial para detectar tumores em estágios iniciais e fornecem dados em relação ao prognóstico. Entretanto, os custos de tais testes são altos e sua aplicação ainda não é uma prática de rotina.
Apesar dos altos custos, resultados promissores, principalmente os que demonstram impacto real na sobrevida, abrem novas perspectivas para o manejo do câncer.
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