O uso de anticoagulantes orais é cada vez mais frequente e uma preocupação importante é em relação a sangramento, principalmente intracraniano. Nas duas últimas décadas, os anticoagulantes orais diretos (DOAC) se tornaram tratamento de primeira linha para a maioria das situações e os antagonistas de vitamina K (AVK) passaram a ser utilizados apenas em situações específicas. Ensaios clínicos randomizados mostraram que sangramento com uso de DOAC é menor que com AVK, apesar de ainda gerar uma taxa de 2 a 4 eventos por 100 pessoas-ano. Assim, é necessário que tenhamos métodos para reverter a anticoagulação oral de forma segura.
O concentrado de complexo protrombínico (CCP) é composto pelos fatores II, IX e X ou II, VII, IX e X em uma concentração 25 vezes maior que a do plasma. As principais diretrizes recomendam o CCP para reversão do efeito dos AVK e como opção para reverter o efeito dos DOAC caso antídotos específicos não estejam disponíveis.
Recentemente foi feita uma revisão sistemática e metanálise para comparar diferentes estratégias de reversão de anticoagulação oral em pacientes com sangramento importante.
Métodos do estudo e população envolvida
Foram incluídos estudos clínicos randomizados comparando CCP com placebo, ausência de intervenção ou outras formas de reversão de anticoagulação oral em pacientes com sangramento importante, que foi definido como sangramento interno ou externo com necessidade de reversão de anticoagulação.
Os desfechos primários eram mortalidade por todas as causas, qualidade de vida relacionada a saúde e proporção de pacientes com um ou mais eventos adversos graves no seguimento mais longo encontrado. Os desfechos secundários eram desfechos funcionais ruim, eventos tromboembólicos, reação alérgica e edema pulmonar.
Resultados
Foram avaliados cinco estudos com um total de 825 participantes. Três estudos avaliaram CCP em comparação a dois ativos em pacientes com sangramento relacionado a AVK e dois avaliaram CCP em comparação a dois ativos em pacientes com sangramento relacionado ao anti-Xa. Não houve comparação com placebo ou ausência de tratamento e todos os estudos foram com grupos paralelos e abertos e tinham alto risco de viés.
Dois estudos comparam CCP com plasma fresco congelado (PFC) e não houve diferença na incidência de mortalidade por todas as causas ou de eventos adversos graves. Um estudo avaliou qualidade de vida relacionada a saúde, também sem diferença entre os grupos.
Não houve diferença em desfecho funcional ruim nos pacientes com sangramento intracraniano, avaliado em dois estudos, assim como não houve diferença na incidência de eventos tromboembólicos, reações alérgicas e edema pulmonar.
Também foi avaliada a correção do INR e o CCP foi superior ao PFC em corrigir este parâmetro mais rapidamente, mas sem diferença na eficácia da hemostasia clínica. Um estudo avaliou necessidade de transfusão de hemácias e não encontrou diferença entre os grupos.
Ainda, um estudo avaliou CCP associado a PFC comparado a PFC isoladamente em pacientes com sangramento relacionado a AVK e não encontrou diferença entre os grupos em relação a mortalidade ou risco de eventos adversos graves.
Um outro estudo avaliou CCP comparado a PFC em pacientes com sangramento associado a uso de anti-Xa e não mostrou diferença em mortalidade por todas as causas ou eventos tromboembólicos.
Um estudo comparou andexanet alfa e tratamento padrão em pacientes com sangramento relacionado a uso de anti-Xa, sendo que 86% do grupo tratamento padrão recebeu CCP. O uso de CCP foi associado a maior ocorrência de baixa eficácia na hemostasia clínica, não houve diferença em mortalidade por todas as causas ou desfecho clínico ruim e houve tendência a menor ocorrência de eventos tromboembólicos no grupo tratamento padrão.
Comentários e conclusão: reversão de anticoagulação oral no sangramento
Neste estudo, em pacientes com sangramento relacionado a AVK, não houve redução de desfechos relacionados aos pacientes ou melhora da qualidade de vida ao se utilizar o CCP. Porém, a certeza da evidência dos estudos utilizados na metanálise foi baixa a muito baixa, por alto risco de viés e imprecisão.
O uso de CCP foi superior a PFC em reverter o INR, com tendência a menor ocorrência de baixa eficácia na hemostasia clínica, porém sem repercussão em melhora dos desfechos clínicos. Ao se comparar CCP com andexanet alfa, o CCP foi associado a maior ocorrência de baixa eficácia na hemostasia clínica e com ocorrência limítrofe de eventos tromboembólicos no grupo andexanet alfa.
Alguns pontos a se considerar são que o número total de pacientes foi pequeno e o risco de viés foi alto. Além disso, esses resultados são um pouco diferentes de metanálises prévias, porém essas incluíram também estudos observacionais e pacientes sem sangramento, diferente dos critérios de inclusão utilizados nesta metanálise.
Assim, ainda não há evidência que afirme que a administração de CCP é associada a redução do risco de desfechos clínicos e melhora da qualidade de vida em pacientes com sangramento associado a uso de anticoagulantes orais e mais estudos são necessários para confirmar se realmente há benefício em se utilizar CCP como preferência a PFC em casos de sangramento relacionado a anticoagulantes orais, como recomendado pelas principais diretrizes.
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