Há cerca de 40 anos surgiram medicamentos que podem reduzir o pH gástrico e assim minimizar a chance de ocorrência de sangramento gastrointestinal (SGI). Estima-se que medicamentos como antagonistas de receptor H2 e inibidores de bomba de prótons podem elevar o pH gástrico acima de 4,0-6,0 e reduzir a taxa de sangramento de aproximadamente 8% para 1,5%.
Estudos incipientes da década de 1990 relacionaram que pacientes em ventilação mecânica e/ou discrasia sanguínea tinham maior risco de hemorragia digestiva (Cook et al, 1994). Desde então, a profilaxia contra o SGI (também chamado popularmente estresse gástrico) tem sido “padrão” nas prescrições de pacientes que internam em UTI.
No entanto, há uma tendência a prescrever esta terapia para todos os pacientes, causando possíveis efeitos colaterais, como delirium e aumentando risco de pneumonia associada à ventilação mecânica ou doença por Clostridioides difficile. Por isso, uma conferência com 18 especialistas, entre médicos, farmacêuticos, enfermeiros, nutricionistas e epidemiologistas, definiu 13 questões em torno deste assunto, fazendo pesquisa entre estudos observacionais, estudos clínicos de intervenção e revisões sistemáticas, publicadas até abril de 2023. O resultado foi a elaboração de respostas para 9 perguntas, com “ranking” de evidências de literatura baseado no sistema GRADE: recomendações baseadas em forte, moderado ou fraco grau de evidência ou baseadas em melhores práticas pela opinião de especialistas.
Os tópicos de maior importância foram: definir fatores de risco para SGI; comparar medicamentos para profilaxia; identificar subgrupos de maior benefício; papel da nutrição enteral; e quando suspender a profilaxia medicamentosa.
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De modo geral, o grau das evidências foi baixo; das 13 perguntas, apenas 3 apresentaram grau moderado de evidências. Todas as recomendações foram consideradas condicionais (ou seja, com grau de certeza fraco para o cuidado apropriado do paciente). Isto não quer dizer que seu uso é fútil, porém há dificuldade de ter confiança que uma conduta é muito superior às outras.
Os principais resultados foram:
- Os principais fatores de risco para sangramento gastrointestinal (SGI) foram: doença hepática crônica (ex. cirrose hepática), com odds ratio 7,6; coagulopatia com odds 4,8; e choque com odds 2,6. Estes fatores foram identificados como principais em uma meta-análise de 2 estudos. Anteriormente o uso de ventilação mecânica era considerado como fator de risco, porém há viés de associação com condições graves e seu uso isoladamente não deve ser considerado como maior risco. Outro possível fator de risco é hemorragia subaracnoide, com hipertensão intracraniana.
- A administração de nutrição enteral reduz a incidência de sangramento gastrointestinal (SGI) em 0,3% (taxa absoluta). No entanto, a nutrição enteral não é suficiente como única profilaxia em pacientes com 1 ou mais fatores de risco (descritos acima), e o uso de medicamentos é preconizado conjuntamente. Este é um ponto ainda com evidências superficiais, mas não há diferença de desfechos tempo de permanência nem mortalidade em pacientes com medicamentos e dieta enteral, comparativamente a dieta enteral isolada. A única diferença significativa é de aumento de pneumonia nosocomial (risco relativo de 1,55).
- Os inibidores de bomba de prótons reduzem a incidência de sangramento gastrointestinal (SGI) clinicamente importante (aquele com instabilidade hemodinâmica e/ou necessidade de transfusão imediata) quase pela metade: risco relativo de 0,52. Este é o resultado de uma meta-análise em rede, na qual se compara mais de 70 estudos e as intervenções são comparadas entre si de forma direta e indireta. Não houve aumento de pneumonia, diarreia por Clostridioides difficile ou mortalidade na comparação entre medicamentos de profilaxia ou placebo.
- Uma curiosidade é que um mesmo grupo de autores publicou 2 meta-análises em revistas diferentes (aumentou em 1 delas na primeira com 72 estudos, e não se alterou na outra com 74 estudos), com resultados divergentes na chance de pneumonia nosocomial em 2020.
- Não houve evidências suficientes para se afirmar se a via de administração venosa é melhor que a enteral. Portanto, as 2 vias podem ser usadas.
- O uso de profilaxia medicamentosa é recomendada em pacientes neurocríticos, baseada em meta-análise de 8 estudos clínicos controlados; a taxa de SGI foi alta (de 11% a 33%), porém a profilaxia reduziu em quase 70% a chance de sangramento, assim como reduziu mortalidade em 30%. Outra meta-análise de 14 estudos mostrou redução semelhante de SGI, não havendo diferença entre inibidores de bomba de prótons ou antagonistas de receptores H2.
- Recomendações baseadas em boas práticas:
- Dose baixa é igualmente eficaz a esquemas de doses altas de inibidores de bomba de prótons para profilaxia;
- A profilaxia medicamentosa pode ser suspensa assim que não exista fator de risco; a suspensão de profilaxia deve ser realizada ainda na UTI, se possível;
- Se o paciente já usava medicação antiácida anteriormente à internação por algum motivo considerável, é justo manter durante a permanência na UTI, embora não tenha se visto mudança em desfechos.
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Concluindo
- Fatores de risco: choque, coagulopatia e hepatopatia crônica;
- Benefício de profilaxia medicamentosa em pacientes com risco, com redução de sangramento gastrointestinal (SGI);
- Classe terapêutica para profilaxia: pode-se escolher entre inibidores de bomba de prótons ou antagonistas de receptores H2;
- Dose e via de administração de medicamentos profiláticos: menor dose e eficácia semelhante entre venoso ou enteral;
- Subgrupos de pacientes graves com maior benefício: além dos fatores de risco acima, pacientes neurocríticos se beneficiam;
- Papel da nutrição enteral como profilaxia: incerta, mas pode ser adjuvante;
- Princípios de suspensão de profilaxia: assim que não houver mais fatores de risco e/ou alta da UTI.
Autoria

André Japiassú
Doutor em Ciências pela Fiocruz. Mestre em Clínica Médica pela UFRJ. Especialista em Medicina Intensiva pela AMIB. Residência Médica em Medicina Intensiva pela UFRJ. Médico graduado pela UFRJ.
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