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Terapia Intensiva15 agosto 2024

Nova diretriz de prevenção de sangramento gastrointestinal em pacientes de UTI 

Cerca de 2 a 8% dos pacientes mais graves apresentam sangramento gastrointestinal (SGI) durante a pior fase da doença na UTI.

Há cerca de 40 anos surgiram medicamentos que podem reduzir o pH gástrico e assim minimizar a chance de ocorrência de sangramento gastrointestinal (SGI). Estima-se que medicamentos como antagonistas de receptor H2 e inibidores de bomba de prótons podem elevar o pH gástrico acima de 4,0-6,0 e reduzir a taxa de sangramento de aproximadamente 8% para 1,5%. 

Estudos incipientes da década de 1990 relacionaram que pacientes em ventilação mecânica e/ou discrasia sanguínea tinham maior risco de hemorragia digestiva (Cook et al, 1994). Desde então, a profilaxia contra o SGI (também chamado popularmente estresse gástrico) tem sido “padrão” nas prescrições de pacientes que internam em UTI. 

No entanto, há uma tendência a prescrever esta terapia para todos os pacientes, causando possíveis efeitos colaterais, como delirium e aumentando risco de pneumonia associada à ventilação mecânica ou doença por Clostridioides difficile. Por isso, uma conferência com 18 especialistas, entre médicos, farmacêuticos, enfermeiros, nutricionistas e epidemiologistas, definiu 13 questões em torno deste assunto, fazendo pesquisa entre estudos observacionais, estudos clínicos de intervenção e revisões sistemáticas, publicadas até abril de 2023. O resultado foi a elaboração de respostas para 9 perguntas, com “ranking” de evidências de literatura baseado no sistema GRADE: recomendações baseadas em forte, moderado ou fraco grau de evidência ou baseadas em melhores práticas pela opinião de especialistas. 

Os tópicos de maior importância foram: definir fatores de risco para SGI; comparar medicamentos para profilaxia; identificar subgrupos de maior benefício; papel da nutrição enteral; e quando suspender a profilaxia medicamentosa. 

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De modo geral, o grau das evidências foi baixo; das 13 perguntas, apenas 3 apresentaram grau moderado de evidências. Todas as recomendações foram consideradas condicionais (ou seja, com grau de certeza fraco para o cuidado apropriado do paciente). Isto não quer dizer que seu uso é fútil, porém há dificuldade de ter confiança que uma conduta é muito superior às outras. 

Nova diretriz de prevenção de sangramento gastrointestinal em pacientes de UTI 

Imagem de freepik

Os principais resultados foram: 

  1. Os principais fatores de risco para sangramento gastrointestinal (SGI) foram: doença hepática crônica (ex. cirrose hepática), com odds ratio 7,6; coagulopatia com odds 4,8; e choque com odds 2,6. Estes fatores foram identificados como principais em uma meta-análise de 2 estudos. Anteriormente o uso de ventilação mecânica era considerado como fator de risco, porém há viés de associação com condições graves e seu uso isoladamente não deve ser considerado como maior risco. Outro possível fator de risco é hemorragia subaracnoide, com hipertensão intracraniana. 
  2. A administração de nutrição enteral reduz a incidência de sangramento gastrointestinal (SGI) em 0,3% (taxa absoluta). No entanto, a nutrição enteral não é suficiente como única profilaxia em pacientes com 1 ou mais fatores de risco (descritos acima), e o uso de medicamentos é preconizado conjuntamente. Este é um ponto ainda com evidências superficiais, mas não há diferença de desfechos tempo de permanência nem mortalidade em pacientes com medicamentos e dieta enteral, comparativamente a dieta enteral isolada. A única diferença significativa é de aumento de pneumonia nosocomial (risco relativo de 1,55). 
  3. Os inibidores de bomba de prótons reduzem a incidência de sangramento gastrointestinal (SGI) clinicamente importante (aquele com instabilidade hemodinâmica e/ou necessidade de transfusão imediata) quase pela metade: risco relativo de 0,52. Este é o resultado de uma meta-análise em rede, na qual se compara mais de 70 estudos e as intervenções são comparadas entre si de forma direta e indireta. Não houve aumento de pneumonia, diarreia por Clostridioides difficile ou mortalidade na comparação entre medicamentos de profilaxia ou placebo. 
    • Uma curiosidade é que um mesmo grupo de autores publicou 2 meta-análises em revistas diferentes (aumentou em 1 delas na primeira com 72 estudos, e não se alterou na outra com 74 estudos), com resultados divergentes na chance de pneumonia nosocomial em 2020. 
  4. Não houve evidências suficientes para se afirmar se a via de administração venosa é melhor que a enteral. Portanto, as 2 vias podem ser usadas. 
  5. O uso de profilaxia medicamentosa é recomendada em pacientes neurocríticos, baseada em meta-análise de 8 estudos clínicos controlados; a taxa de SGI foi alta (de 11% a 33%), porém a profilaxia reduziu em quase 70% a chance de sangramento, assim como reduziu mortalidade em 30%. Outra meta-análise de 14 estudos mostrou redução semelhante de SGI, não havendo diferença entre inibidores de bomba de prótons ou antagonistas de receptores H2. 
  6. Recomendações baseadas em boas práticas: 
    • Dose baixa é igualmente eficaz a esquemas de doses altas de inibidores de bomba de prótons para profilaxia; 
    • A profilaxia medicamentosa pode ser suspensa assim que não exista fator de risco; a suspensão de profilaxia deve ser realizada ainda na UTI, se possível;  
    • Se o paciente já usava medicação antiácida anteriormente à internação por algum motivo considerável, é justo manter durante a permanência na UTI, embora não tenha se visto mudança em desfechos. 

Saiba mais: Fístulas do trato gastrointestinal alto: Como abordá-las? 

 Concluindo 

  1. Fatores de risco: choque, coagulopatia e hepatopatia crônica; 
  2. Benefício de profilaxia medicamentosa em pacientes com risco, com redução de sangramento gastrointestinal (SGI); 
  3. Classe terapêutica para profilaxia: pode-se escolher entre inibidores de bomba de prótons ou antagonistas de receptores H2; 
  4. Dose e via de administração de medicamentos profiláticos: menor dose e eficácia semelhante entre venoso ou enteral; 
  5. Subgrupos de pacientes graves com maior benefício: além dos fatores de risco acima, pacientes neurocríticos se beneficiam; 
  6. Papel da nutrição enteral como profilaxia: incerta, mas pode ser adjuvante; 
  7. Princípios de suspensão de profilaxia: assim que não houver mais fatores de risco e/ou alta da UTI. 
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Referências bibliográficas

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