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Cardiologia2 julho 2025

Quais os efeitos do consumo de álcool na saúde cardiovascular? 

O álcool é uma das substâncias mais consumidas no mundo, exibindo relações complexas com múltiplos aspectos da saúde e doenças cardiovasculares.
Por Ivson Braga

Foi publicada recentemente, na revista Circulation, uma Declaração Científica da American Heart Association (AHA) que faz uma análise sobre os efeitos do consumo de álcool na saúde cardiovascular. Este artigo de revisão revisa antigas crenças sobre os supostos benefícios do consumo leve a moderado de bebidas alcoólicas. A seguir, destacaremos os principais pontos entre a relação do consumo de álcool com as principais doenças cardiovasculares. 

Hipertensão arterial 

Em relação a hipertensão arterial, o consumo de 1 a 2 doses de álcool, em geral, não afeta os níveis de pressão arterial (PA). Quando o consumo é ≥ 3 doses, observa-se um efeito bifásico na PA, com redução dos níveis nas 12 horas após o consumo e um posterior aumento nas 12 a 24 horas seguintes ao consumo. Uma meta-análise de 36 ensaios clínicos randomizados mostrou que beber ≥ 3 doses/dia resultou em PA sistólica e diastólica significativamente maiores comparado com nenhum consumo ou consumo < 2 doses/dia. Nesse mesma meta-análise, consumidores ≥ 6 doses/dia que reduziram sua ingestão em média pela metade, tiveram fortes reduções na PAS e PAD, sugerindo benefício da abstinência/redução da ingesta de álcool no controle da PA. Outro aspecto importante é a relação linear dose dependente entre o consumo de álcool e hipertensão, especialmente em mulheres. Outra meta-análise mostrou que, em mulheres, houve um aumento no risco de hipertensão com um consumo de álcool superior a 1 dose/dia, enquanto que nos homens, houve uma relação linear inicial positiva, embora que o risco tenha reduzido quando o consumo foi > 3 a 4 doses/dia.  

Doença arterial coronariana 

Em relação a doença arterial coronariana (DAC), o artigo coloca que estudos observacionais sugerem que o consumo leve a moderado (até 1 dose/dia para mulheres e 2 para homens) estaria associado a menor risco de infarto do miocárdio. No entanto, estudos genéticos (randomização mendeliana) e novas análises com correção de vieses de confusão (diferenças socioeconômicas, no estilo de vida e características do grupo de abstêmios) não mostraram associação causal clara entre álcool e proteção cardiovascular.  De acordo com a revisão, mesmo entre pessoas que mantêm um consumo médio diário de álcool dentro dos limites considerados moderados (< 30 g/dia), a presença de episódios de consumo excessivo (“binge drinking”) eliminaria os potenciais efeitos protetores. Um estudo citado na revisão comparou bebedores moderados com e sem histórico de “binge drinking” e mostrou que, entre aqueles que consumiam moderadamente sem episódios de “binge”, há um risco reduzido de DAC (risco relativo de 0,64), enquanto que entre os que bebiam moderadamente, mas que tinham episódios ocasionais de “binge”, estes apresentaram risco aumentado ou neutro (risco relativo de 1,12), sem qualquer benefício aparente. 

Acidente vascular cerebral 

Quanto ao risco de acidente vascular cerebral (AVC), duas meta-análises e estudos epidemiológicos mostraram que o consumo leve a moderado (≤ 2 doses/dia) foi associado a redução modesta no risco de AVC isquêmico e que o consumo > 2 doses (principalmente quando > 4 doses) foi associado a um aumento no risco de AVC total (AVC isquêmico e hemorrágico). Estudos genéticos reforçam essa associação, indicando uma relação entre o aumento do consumo e o risco de todos os subtipos de AVC, sem evidência de um limiar de consumo seguro. 

Arritmias 

O impacto do álcool sobre as arritmias, em especial a fibrilação atrial (FA), é significativo. A revisão destaca que existe uma associação linear entre o aumento do consumo e o risco de FA, sem um limiar de segurança claro. Estudos demonstram que episódios de FA podem ser desencadeados poucas horas após a ingestão de álcool, mesmo em quantidades moderadas. Ensaios clínicos mostram que a abstinência alcoólica reduz de forma substancial a carga arrítmica em pacientes com FA paroxística. Além disso, o risco de morte súbita cardíaca também está relacionado ao padrão de consumo: enquanto o consumo leve pode estar associado a menor risco, o consumo elevado aumenta significativamente esse risco, possivelmente devido à presença simultânea de cardiomiopatia alcoólica, infarto ou mecanismos elétricos cardíacos diretos. 

Outro ponto importante abordado é a relação entre o consumo de álcool e a cardiomiopatia. A cardiomiopatia alcoólica é uma cardiomiopatia dilatada causada pelo uso crônico e excessivo de álcool, caracterizado por dilatação ventricular e disfunção sistólica. A revisão indica que a ingestão de 7 a 15 doses diárias por cinco a quinze anos está associada ao desenvolvimento da doença. No entanto, fatores genéticos (como mutações no gene da titina) aumentam a vulnerabilidade individual. Em pacientes com cardiopatia estrutural, mesmo o consumo moderado (acima de cinco doses semanais) pode acelerar a progressão para insuficiência cardíaca sintomática. 

Por fim, o documento reforça que, apesar de algumas associações observacionais sugerirem possíveis benefícios do consumo leve de álcool, não há evidência suficiente para recomendar seu uso como estratégia de proteção cardiovascular. Destaca que já existem evidências fortes de que o consumo > 2 doses/dia oferece prejuízos a saúde cardiovascular, que a abstinência e/ou redução da ingestão podem diminuir o risco de certas condições cardiovasculares, como hipertensão arterial e que, ainda, é incerto o verdadeiro risco cardiovascular de se beber levemente, como 1 a 2 doses/dia. Até que novas evidências sejam publicadas, a prescrição de álcool como medida cardioprotetora deve ser evitada.

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