Os objetivos primários do tratamento da doença coronariana crônica (CCD) são melhorar a sobrevida e o estado de saúde dos pacientes, incluindo sintomas, função e qualidade de vida.
Os ensaios clínicos normalmente resumem os desfechos de estado de saúde dentro dos grupos de tratamento comparando escores médios em pontos de tempo discretos. Entretanto, essa abordagem faz uma média das experiências de todos os pacientes e não reflete a possível variação nas trajetórias individuais de estado de saúde ao longo do tempo.
Para pacientes com CCD, compreender essas variações pode ajudar os clínicos a antecipar o curso provável da angina após estratégias de tratamento invasivas ou conservadoras, reconhecer a provável trajetória dos pacientes à medida que acompanham seu estado de saúde ao longo do tempo e utilizar esses insights para discutir opções terapêuticas adicionais com seus pacientes. Até o momento, nenhum ensaio de estratégia em CCD aplicou modelos de classes latentes para caracterizar a recuperação do estado de saúde ao longo do tempo.
Para atender a essa necessidade, autores utilizaram dados do ensaio ISCHEMIA para examinar os padrões de angina dos participantes após estratégias iniciais invasivas ou conservadoras.
Métodos
Em resumo, o ISCHEMIA foi um ensaio randomizado, aberto, com 5.179 participantes com CCD e isquemia moderada ou grave em teste de estresse não invasivo. Os participantes foram randomizados na proporção 1:1 para uma estratégia inicial invasiva (terapia médica guiada por diretrizes com angiografia e revascularização, se factível) ou uma estratégia inicial conservadora.
O estado de saúde relacionado à angina foi medido pelo Seattle Angina Questionnaire (SAQ) de 7 itens. O SAQ quantifica o estado de saúde relacionado à CCD nas últimas quatro semanas em três domínios: Frequência de Angina, Limitação Física e Qualidade de Vida. Os escores variam de 0 a 100, com escores mais altos indicando menos angina, melhor função física e melhor qualidade de vida.
No ISCHEMIA, o SAQ foi aplicado antes da randomização, em 1,5, 3 e 6 meses, e depois a cada 6 meses até a conclusão do ensaio.
Resultados
Dos 5.179 participantes randomizados no ensaio ISCHEMIA, foram excluídos aqueles de cinco centros (481 pacientes) cujos dados do SAQ não eram válidos devido ao preenchimento incorreto dos formulários, além de 51 do grupo invasivo inicial e 30 do grupo conservador inicial que não apresentavam dados de linha de base. Por fim, foram excluídos 1.635 participantes cujo escore de frequência de angina do SAQ era 100 pontos na linha de base, indicando ausência de angina nas quatro semanas anteriores.
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Trajetórias de angina
Os seis padrões latentes de trajetória de angina foram qualitativamente semelhantes entre os grupos de tratamento e foram interpretados da seguinte forma:
- Classe 1: “Resolução rápida da angina” – Participantes com angina mensal no início que apresentaram resolução rápida após 1,5 mês.
- Classe 2: “Resolução gradual da angina” – Participantes com angina mensal no início que apresentaram resolução gradual ao longo de 12 meses.
- Classe 3: “Melhora precoce com angina infrequente persistente” – Grupo com angina mensal inicial, melhora precoce em 3 meses e 20–40% mantiveram angina mensal ao longo do tempo.
- Classe 4: “Angina grave com melhora substancial” – Maioria com angina diária/semanal na inclusão, apresentando resolução gradual ao longo de 2 anos.
- Classe 5: “Angina moderada com pouca mudança” – Maioria com angina mensal no início e pouca melhora em 2 anos.
- Classe 6: “Angina grave sem mudança” – Participantes com angina diária/semanal inicial e pouca melhora ao longo do tempo.
Grupo invasivo inicial
A idade média foi semelhante entre as classes. A Classe 6 (angina grave sem mudança) apresentou maior proporção de mulheres do que as demais (35% vs. 20–31%).
O IMC médio, o percentual de infarto prévio e o número de vasos doentes foram semelhantes entre as classes, mas a proporção de pacientes com isquemia grave foi menor na Classe 6.
As Classes 4, 5 e 6 incluíram um número substancial de participantes que não foram revascularizados nos seis primeiros meses (28%, 28% e 38%, respectivamente), incluindo uma proporção notável sem estenoses coronarianas significativas (10%, 11% e 20%, respectivamente).
Além disso, esses grupos apresentaram aumento do uso de medicamentos antianginosos aos 24 meses em comparação à linha de base (21%, 24% e 48%, respectivamente).
Grupo conservador inicial
De forma semelhante, a idade média foi comparável entre as classes.
As Classes 1 (resolução rápida da angina) e 6 incluíram mais participantes fumantes na linha de base, muitos dos quais continuaram fumando durante os 24 meses.
O grau de isquemia e o número de vasos doentes à angiotomografia coronariana foram semelhantes em todas as classes.
Quanto ao tratamento após a randomização, todas as classes, exceto a Classe 1, apresentaram aumento no uso de fármacos antianginosos em 24 meses. Além disso, um quarto dos participantes da Classe 4 foi submetido à revascularização nos primeiros seis meses.

Discussão: tratamento conservador versus invasivo
Embora várias diretrizes de prática clínica para CCD enfatizem a importância da decisão compartilhada, há pouca informação disponível para os pacientes sobre como seus sintomas podem evoluir ao longo do tempo com manejo invasivo ou conservador inicial.
A maioria dos estudos anteriores relatou apenas benefícios médios populacionais do tratamento invasivo em pontos específicos, sem capturar os padrões individuais de evolução da angina.
Nesse estudo, que é o maior ensaio comparando estratégias de manejo em pacientes com CCD e isquemia miocárdica moderada a grave sintomáticos, foram avaliadas as trajetórias de angina ao longo do tempo para descrever de forma mais completa a jornada dos pacientes após estratégias invasivas ou conservadoras.
Foram identificadas seis trajetórias distintas em ambos os grupos. Embora qualitativamente semelhantes, as probabilidades de seguir cada trajetória diferiram entre as estratégias: um maior percentual de pacientes manejados conservadoramente apresentou angina persistente ao longo do tempo em comparação com os tratados de forma invasiva.
Esses achados oferecem uma visão centrada no paciente, detalhando como os sintomas de angina podem evoluir com o tempo na CCD e ressaltam que pacientes com angina persistente podem necessitar de avaliação ou tratamento adicionais.
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Conclusão
Entre os participantes do ensaio ISCHEMIA com angina na linha de base, foram observadas seis trajetórias distintas de recuperação da angina, tanto para estratégias invasivas quanto conservadoras, variando desde resolução rápida até angina grave e persistente. Uma maior proporção de pacientes tratados de forma conservadora apresentou angina persistente ao longo do tempo, em comparação com aqueles tratados invasivamente.
Esses dados destacam as variações nas trajetórias longitudinais da angina em pacientes com doença coronariana crônica e reforçam que a avaliação seriada do estado de saúde é fundamental para otimizar o manejo clínico ao longo do tempo.
Autoria

Juliana Avelar
Médica formada pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Cardiologista pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia
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