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Cardiologia22 setembro 2025

SBC 2025: Nova diretriz brasileira de doença coronariana crônica

A diretriz foi publicada no congresso da Sociedade Brasileira de Cardiologia.
Por Juliana Avelar

No último dia do Congresso Brasileiro de Cardiologia (SBC 2025), tivemos o lançamento de mais uma diretriz: a de doença coronariana crônica. O documento é extenso e cheio de detalhes, mas destacamos aqui alguns pontos importantes: 

ESC 2024: Novo dispositivo para tratamento de doença coronária? 

Imagem de freepik

1) Diagnóstico

A anamnese minuciosa é essencial, pois a angina é o sintoma inicial em cerca de 50% dos pacientes com DAC crônica. 

A avaliação deve considerar localização, irradiação, tipo de dor, duração, fatores desencadeantes e de alívio, além da presença de sintomas associados. Os termos mais usados pelos pacientes para descrever angina são “aperto”, “opressão”, “queimação” ou “peso”. Dor em pontada ou relacionada à respiração ou posição raramente é isquêmica. A dor típica de angina localiza-se, geralmente, na região retroesternal ou precordial, com irradiação para braços, pescoço, mandíbula ou dorso, mais frequentemente à esquerda. A duração habitual é de minutos, e o alívio ocorre com repouso ou nitratos sublinguais. Desconforto súbito e fugaz ou contínuo por horas tem baixa probabilidade de origem coronariana. 

Outros sintomas, como dispneia e fadiga, denominados “equivalentes isquêmicos”, ocorrem com frequência, mas têm valor diagnóstico limitado quando isolados. Em pacientes acima de 50 anos, a probabilidade de DAC obstrutiva associada à dispneia isolada é de 20 a 32% em homens e de 9 a 14% em mulheres. 

Estudos mostram que a maioria dos pacientes com dor torácica suspeita de DAC apresenta sintomas atípicos ou não anginosos, sendo a angina típica responsável por apenas 10 a 15% dos casos. Ou seja, se não tivemos um alto nível de suspeição, vamos deixar muitos casos passarem despercebidos. 

A angina pode decorrer de mecanismos além da obstrução epicárdica: disfunção endotelial, vasoespasmo coronariano (angina vasoespástica), alterações microvasculares ou disfunções metabólicas miocárdicas. Em estudo com quase 400 mil pacientes submetidos à angiografia coronária eletiva, apenas 41% dos que apresentavam isquemia funcional tinham DAC obstrutiva.

2) Exames complementares 

Laboratoriais: Solicitar para todos -> hemograma completo, perfil lipídico, função renal, glicemia, hemoglobina glicada e função tireoidiana. A apolipoproteína B e a lipoproteína podem ser úteis em pacientes de risco muito alto ou com histórico familiar de DAC precoce. A dosagem de peptídeos natriuréticos pode ser útil na suspeita de disfunção ventricular esquerda, especialmente em pacientes com dispneia. A troponina de alta sensibilidade também pode ser usada como marcador prognóstico em casos selecionados. 

A escolha do exame de imagem inicial deve levar em conta:  

  • Capacidade funcional: se preservada, iniciar com TE ou ecocardiograma de estresse;
  • ECG basal interpretável: se não for interpretável, preferir métodos de imagem (ecocardiograma, cintilografia, RMC); 
  • Acesso local e disponibilidade: considerar custo, tempo de realização e familiaridade da equipe; 
  • DRC ou alergia a contraste: pode haver restrição para realização deangioTC.

Além disso, deve ser baseada na probabilidade pré-teste de DAC (usar modelo de estimativa com o qual “examinador esteja mais familiarizado”). Pacientes com PPT < 5% não requerem investigação adicional. Aqueles entre 5 e 15% devem ser avaliados individualmente (ajuste da PPT ou angiotomografia). PPT entre 15 e 85% indica a necessidade de testes funcionais ou anatômicos, e > 85%, estratificação invasiva. 

E o teste ergométrico? Ainda tem papel? O TE é recomendado em pacientes selecionados para a avaliação de tolerância ao exercício, sintomas, arritmias, resposta da PA e estratificação de risco (I-C).  Pode ser considerado como alternativa para confirmar e descartar DAC, quando métodos de imagem não invasivos não estão disponíveis, mas com baixo nível de recomendação (IIb). 

Lembrar que o infradesnivelamento do segmento ST é a alteração mais preditiva de isquemia, sendo sua magnitude, precocidade do aparecimento, número de derivações com alterações e tempo de normalização na recuperação indicadores de maior gravidade da resposta isquêmica. Se ocorrer na recuperação, tem ainda maior valor prognóstico. Supradesnivelamento do segmento ST em derivações sem área inativa é a alteração mais grave que pode ser encontrada e representa isquemia transmural. A capacidade funcional estimada em múltiplos de equivalentes metabólicos (METs) ao TE é a variável prognóstica de maior impacto já estabelecido na literatura. 

Outros exames: 

O ecocardiograma com estresse é recomendado na investigação de isquemia e estimativa do risco de eventos cardiovasculares em indivíduo sintomático com probabilidade pré-teste intermediária ou alta. 

Em pacientes com síndrome coronária crônica suspeita e probabilidade pré-teste de DAC obstrutiva moderada ou alta, a cintilografia com estresse ou, preferencialmente, a imagem de perfusão pelo PET é recomendada para diagnosticar e quantificar isquemia miocárdica e/ou cicatriz, estimar o risco de eventos cardiovasculares e quantificar o fluxo miocárdico (PET). A diretriz destaca também a possibilidade de avaliação de reserva de fluxo por SPECT CZT, ainda abordada em poucos estudos, mas mais disponível e acessível no nosso meio.

Escore de cálcio: 

Recomendações classe I:  

  • Reestratificação de risco em pacientes assintomáticos com risco intermediário; 
  • Reestratificação de risco em pacientes assintomáticos portadores de hipercolesterolemia familiar heterozigótica. 
  • Recomendações classe IIa: 
  • Reestratificação de risco em pacientes assintomáticos com risco baixo e com história familiar de DAC precoce; 
  • Triagem para pesquisa de isquemia miocárdica em pacientes assintomáticos com diabetes mellitus. 

Angiotc de coronárias: A diretriz destaca seu papel nos casos de investigação de dor torácica em pacientes de risco intermediário e intermediário/alto, com menor grau de recomendação nos pacientes de risco baixo. Além disso, destaca a possibilidade de avaliação não invasiva da reserva de fluxo fracionado. 

RM cardíaca: Padrão ouro para avaliação de contratilidade e função ventricular global e segmentar, assim como para avaliação de viabilidade. A RM com estresse farmacológico apresenta propriedades técnicas que resultam em maior acurácia diagnóstica comparada à cintilografia do miocárdio e ao ecocardiograma com estresse. Sua elevada resolução espacial permite identificar defeitos de perfusão no subendocárdio. Por isso, recebe indicação classe de recomendação I para avaliação da perfusão miocárdica sob estresse farmacológico com dipiridamol/adenosina ou dobutamina, avaliação de angina estável/equivalente anginoso em pacientes com probabilidade pré-teste intermediária de DAC, identificação e quantificação de isquemia miocárdica em pacientes com doença arterial coronariana conhecida. Indicação IIa para avaliação de pacientes com DAC não obstrutiva conhecida e/ou suspeita de INOCA (isquemia sem doença obstrutiva). 

Para avaliação de viabilidade, a RM é indicada quando a anatomia é passível de revascularização e não há isquemia documentada. Se realce tardio <25%, proceder com revascularização. Se entre 25-50%, avaliar reserva metabólica ou contrátil. Se realce >50%, sem benefício em revascularizar.

Cateterismo é indicado nos seguintes casos: 

  • Angina limitante e/ou progressiva ou redução da capacidade funcional, a despeito do tratamento clínico otimizado;
  • Disfunção ventricular esquerda e/ou sintomas de IC novos;
  • Pacientes com isquemia miocárdica moderada a importante em testes não invasivos podem ser encaminhados para cateterismo cardíaco com intenção de revascularização, com o intuito de melhorar a capacidade funcional e/ou os sintomas anginosos.A diretriz destaca a possibilidade de manter estratégia conservadora inicial (tratamento clínico),desde que não haja disfunção ventricular esquerda importante (FEVE ≤ 35%), lesão grave no tronco da coronária esquerda (>50%) ou sintomas anginosos limitantes, mantendo a possibilidade de indicação de cateterismo cardíaco, conforme a evolução clínica do paciente.

Destaque para INOCA: Pacientes com sintomas anginosos e isquemia em provas funcionais não invasivas sem lesões obstrutivas significativas (> 50%). Esse cenário se relaciona à angina vasoespástica e à disfunção microvascular coronariana, podendo coexistir com a doença aterosclerótica, e seu diagnóstico tem implicações prognósticas e terapêuticas. A detecção de disfunção microvascular coronariana requer, além do cateterismo cardíaco, a avaliação fisiológica invasiva, para afastar a presença de obstruções epicárdicas funcionalmente significativas (FFR < 0,80), além de confirmar redução na RFC (< 2,0), espasmo microvascular ao teste de acetilcolina (angina, alteração eletrocardiográfica, sem espasmo epicárdico) ou alteração no índice de resistência microvascular (IMR ≥ 25) coronariana.

3) Estratificação de risco

Alto risco de eventos coronarianos se: 

  • Teste ergométrico: Escore de Duke < -10; 
  • Cintilografia: Isquemia reversível ≥ 10% da massa do VE 
  • Ecocardiografia de estresse: Alterações de contratilidade induzidas em ≥3 de 16 segmentos do VE 
  • Ressonância magnética: Isquemia induzida ≥ 2 segmentos ou ≥ 3 segmentos disfuncionais à dobutamina 
  • AngioTC coronária/ cinecoronariografia: Estenose de tronco de coronária esquerda, DAC de três vasos com lesões proximais ou DA proximal.

4) Terapia farmacológica

AAS 100mg/dia é recomendado para pacientes com infarto prévio ou pacientes submetidos à revascularização miocárdica (IA) 

Clopidogrel 75 mg/dia é recomendado como alternativa à aspirina em pacientes com intolerância. Pode ser uma alternativa ao AAS com efeito no mínimo similar para DAC ou em pacientes com doença arterial periférica ou antecedente de AVC isquêmico (IB) 

AAS 100 mg/dia pode ser considerado em pacientes com DAC sem infarto prévio ou revascularização (IIB). Ou seja, prevenção primária. 

Ganha força a ideia de individualizar o tempo de DAPT de acordo com o risco trombótico x de sangramento: 

DAPT por longo prazo pode ser considerada em pacientes com alto risco de eventos cardiovasculares e baixo risco de sangramento (IIA) 

AAS 100 mg/dia é recomendada para pacientes submetidos a ICP e Clopidogrel 75 mg/dia é recomendado para pacientes submetidos a ICP por pelo menos 6 meses após o procedimento (IA) 

Clopidogrel 75 mg/dia pode ser considerado para pacientes submetidos a ICP por pelo menos 3 meses após o procedimento, se elevado risco de sangramento (IIA) 

Pacientes com indicação de anticoagulação após ICP devem, preferencialmente, fazer uso de DOAC associado a terapia antiplaquetária e podem ter o AAS suspenso após 1 semana, mantendo apenas o anticoagulante e clopidogrel, se o risco de trombose for baixo. Se o risco de trombose for alto, pode-se manter terapia tripla por um mês (IIA). Se o risco de sangramento for elevado, podem receber terapia dupla com anticoagulante + prasugrel ou ticagrelor (IIB). Prasugrel e ticagrelor não são recomendados como terapia tripla. 

Usar os escores ARC-HBR ou PRECISE DAPT para avaliação do risco de sangramento e possível DAPT encurtada (IIA). 

Destaque também para metas mais agressivas no controle as lipoproteínas: 

Recomenda-se uma redução do LDL-C de 50% a partir dos níveis basais, associado a uma meta abaixo de 50 mg/dL.  Nos pacientes que apresentam um segundo evento vascular dentro de 2 anos do primeiro e que estejam utilizando a terapia máxima tolerada em estatina, uma meta abaixo de 40 mg/dL pode ser considerada. Para isso, é recomendado prescrever estatina de alta intensidade até a dose máxima tolerada. Se a meta não for atingida, a combinação com ezetimiba é recomendada. Se mesmo assim fora do alvo, combinar inibidor de PCSK9.  

Ômega 3 apareceu: Em pacientes com  triglicerídeos acima de 135 mg/dL, em uso de estatinas e modificações do estilo de vida, o ácido graxo poli-insaturado ômega-3 (etil icosapente) a 4 gramas por dia pode ser considerado em combinação com estatina. Fibratos não reduzem risco CV quando TG >200 mg/dL em uso de estatina. 

Em relação aos inibidores do sistema renina angiotensina aldosterona, a preferência são os IECA. Prescrever nos casos de disfunção ventricular e/ou IC e/ou diabetes mellitus. De rotina em todos os pacientes com DAC com classe de recomendação mais baixa (IIA). O uso de bloqueadores de aldosterona deve ser usado em pacientes pós-IAM com medicação otimizada, fração de ejeção reduzida (FEVE ≤ 35%) e portadores diabetes. 

A colchicina para redução de eventos recorrentes recebeu classe de indicação IIb. 

Em relação aos betabloqueadores, a diretriz destaca que em estudos mais recentes, como o REDUCE-AMI, não houve benefício do betabloqueador nos pacientes pós IAM com FEVE >50%. Mantém a recomendação de uso como antianginoso e nos pacientes com disfunção. 

Em pacientes com DM2, inibidores de SGLT2 e agonistas do receptor de GLP-1 devem ser utilizados para a prevenção secundária de eventos ateroscleróticos recorrentes. 

Em relação aos antianginosos, tem-se proposto uma abordagem individualizada, ajustando-se as drogas antianginosas às características clínicas de cada paciente, seu perfil hemodinâmico, suas comorbidades e o mecanismo de isquemia, sem uma categorização em drogas de primeira linha ou de segunda linha.

Fonte: Cesar LAM, Gowdak LHW, Pavanello R, Ferreira JFM, Mioto BM, Poppi NT, et al. Diretriz de Síndrome Coronariana Crônica – 2025. Arq Bras Cardiol. 2025; 122(9):e20250619.

5) Recomendações para cirurgia de revascularização do miocárdio ou intervenção percutânea

A carga aterosclerótica total, o grau de miocárdio em risco e a complexidade das lesões coronárias, juntamente com a expectativa de revascularização completa, risco residual e o risco de eventos clínicos, são elementos cruciais na determinação do tipo de revascularização mais adequado. 

Outra observação importante é que em pacientes sem avaliação prévia de isquemia e estenoses angiograficamente intermediárias, recomenda-se o uso de avaliação funcional invasiva antes de prosseguir com a intervenção coronária percutânea. 

Em relação à cirurgia de revascularização do miocárdio, foram mantidas as indicações principais, com destaque maior para a cirurgia nos casos de maior complexidade anatômica: 

  • Doença de múltiplos vasos principais – envolvendo a DA com escore SYNTAX > 23 – FEVE preservada, com envolvimento proximal da ADA 
  • Doença de múltiplos vasos principais e disfunção ventricular esquerda 
  • Lesão de tronco (principalmente se baixo risco cirúrgico e complexidade alta).
Fonte: Cesar LAM, Gowdak LHW, Pavanello R, Ferreira JFM, Mioto BM, Poppi NT, et al. Diretriz de Síndrome Coronariana Crônica – 2025. Arq Bras Cardiol. 2025; 122(9):e20250619.

Intervenção percutânea em pacientes com DAC crônica é  indicada em territórios acometidos por obstrução luminal significativa e com repercussão hemodinâmica, ressaltando que a redução de eventos cardiovasculares só ocorre em subgrupos específicos de pacientes, não devendo ser recomendada de forma rotineira. 

Indicações de tratamento percutâneo (classe I e IIa): 

  • Controle de sintomas em pacientes com estenoses coronarianas significativas e angina típica limitante sob terapia otimizada 
  • Doença coronariana multiarterial com complexidade menor 
  • Lesão de tronco com complexidade menor 
  • Estenose luminal determinando acometimento significativo do fluxo coronariano aferido por método invasivo 

Outros temas também foram abordados na diretriz, como lesão renal associada a contraste, reabilitação cardiovascular, saúde da mulher e pós operatório de cirurgia cardíaca. A diretriz está muito organizada e didática, vale a leitura!

Confira aqui outras diretrizes publicadas no Congresso Brasileiro de Cardiologia! 

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Referências bibliográficas

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