Nova diretriz de fibrilação atrial (FA) aborda anticoagulação, DOACs e mais
Fibrilação atrial (FA) é a arritmia sustentada mais comum e sua incidência e prevalência seguem aumentando, com estimativa de 50 milhões de pessoas com a arritmia em 2020.
No último mês, o American College of Cardiology e a American Heart Association publicaram uma nova diretriz sobre o diagnóstico e manejo da fibrilação atrial (FA). Abaixo, seguem os principais pontos abordados.
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Epidemiologia da fibrilação atrial (FA)
Pacientes com diagnóstico de fibrilação atrial (FA) têm maior risco de acidente vascular cerebral (AVC), distúrbios cognitivos e demência, infarto agudo do miocárdio, morte súbita, insuficiência cardíaca (IC), doença renal crônica e doença arterial periférica.
Classificação e definições
Foi proposta uma nova classificação, baseada no fato de a FA ser uma doença progressiva, com diferentes abordagens nos diferentes estágios:
- Estágio 1 – Risco para FA: presença de fatores de risco modificáveis (obesidade, sedentarismo, hipertensão, apneia do sono, etilismo, diabetes) e não modificáveis (genéticos, sexo masculino, idade).
- Estágio 2 – Pré FA: presença de alteração estrutural ou elétrica que predispõe a FA, como aumento do átrio, ectopias frequentes, taquicardias atriais curtas, flutter atrial ou outras doenças cardiovasculares.
- Estágio 3 – FA: engloba a FA paroxística (intermitente, com duração < 7 dias), persistente (duração > 7 dias e que necessita de intervenção), persistente de longa duração (duração > 12 meses), ablação da FA com sucesso (FA resolvida com procedimento percutâneo ou cirúrgico).
- Estágio 4 – FA permanente: quando se opta por manter o paciente em FA, sem novas tentativas de controle de ritmo.
A diretriz coloca como objetivos do tratamento o SOS: avaliar o risco de AVC (Stroke), otimizar todos os fatores de risco modificáveis e manejar o controle de Sintomas com estratégias de controle de ritmo ou frequência.
Mecanismos da fibrilação atrial (FA)
A FA tem ritmo atrial caótico, rápido (300-500 bpm) e irregular e geralmente a atividade elétrica se origina de potenciais de ação ectópicos mais comumente localizados nas veias pulmonares do átrio esquerdo. Também pode resultar de resposta a atividade reentrante promovida por condução heterogênea decorrente de fibrose intersticial.
Os gatilhos para a FA geralmente são as contrações atriais prematuras, ou extrassístoles atriais. Quanto mais prevalentes, maior o risco de desenvolver FA, que, quando iniciada, perpetua alterações intracelulares, principalmente associadas ao cálcio e contribui para o remodelamento elétrico e persistência da arritmia. Remodelamento estrutural do átrio também é comum, assim como a ocorrência de inflamação, estresse oxidativo, fibrose e outras alterações que levam a maior suscetibilidade de FA.
Ainda, há ação do sistema nervoso autônomo, que atua como gatilho e como mantenedor da FA, e contribuição de algumas alterações genéticas.
Avaliação clínica da fibrilação atrial (FA)
Diversos métodos de rastreamento já foram estudados, porém ainda não está bem estabelecido quais pacientes ou fatores de risco indicam a investigação de FA. Existem mais de 20 escores preditores de risco e os mais utilizados são o CHARGE-AF, que tem como variáveis idade, raça, peso, altura, PA, tabagismo, diabetes e IAM prévio, e o C2HEST, que leva em conta a presença de doença coronária, doença pulmonar obstrutiva crônica, hipertensão, idade, IC e hipertireoidismo.
Os métodos de rastreamento variam desde realização de eletrocardiograma único até uso de monitores externos contínuos. Ainda, nos últimos anos houve aumento da detecção da arritmia por dispositivos como smart watches.
Pacientes em risco para FA ou com FA já estabelecida tem indicação de modificação do estilo de vida e controle dos fatores de risco, como perda de peso quando presença de obesidade ou sobrepeso, realização de atividade física, cessação de tabagismo e do consumo de bebidas alcoólicas, controle de hipertensão e diabetes e rastreamento e controle de apneia do sono.
Riscos tromboembólico e de sangramento
Como já comentado, pacientes com FA têm risco aumentado de eventos tromboembólicos, principalmente AVC. Existem diversos escores de risco que estratificam os pacientes em risco baixo (< 1%/ano), intermediário (1-2% /ano) e alto (> 2%/ano), porém o mais usado é o CHA2DS2-VASc, considerado alto quando ≥ 2 para homens e ≥ 3 para mulheres e intermediário quando ≥ 1 para homens e ≥ 2 para mulheres.
Pacientes com risco aumentado têm indicação de utilizar anticoagulantes como forma de reduzir eventos tromboembólicos, porém essa classe de medicações aumentam o risco de sangramento, que também pode ser estimado por escores, sendo o mais utilizado o HAS-BLED, considerado alto quando > 2.
O risco e o benefício da medicação devem ser avaliados em todos os pacientes e o escore de sangramento aumentado não necessariamente contraindica os anticoagulantes, já que boa parte dos fatores que aumenta sangramento também aumenta risco isquêmico. Além disso, podemos avaliar se os fatores de risco que aumentam sangramento são modificáveis e realizar alterações no intuito de reduzir o risco hemorrágico.
Os anticoagulantes de escolha para pacientes com FA não valvar são os anticoagulantes orais diretos (DOAC), representado por apixabana, dabigatrana, edoxabana, rivaroxabana. Em casos de FA com estenose mitral reumática moderada a importante ou valvas cardíacas mecânicas a escolha é por antagonistas de vitamina K, como a varfarina, com alvo de INR entre 2 e 3, e nesses casos indica-se anticoagulação independente do CHA2DS2-VASc.
Aspirina ou dupla antiagregação plaquetária não têm papel na redução de risco de eventos tromboembólicos na FA e não devem ser utilizados com esse objetivo.
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Todos os pacientes em uso de DOAC ou varfarina devem realizar exames para avaliação da hemoglobina e hematócrito, função renal e função hepática em períodos regulares, que variam de acordo com disfunção orgânica já estabelecida ou risco de sangramento alto pelo HAS-BLED aumentado.
Pacientes com CHA2DS2-VASc ≥ 2 e contraindicação à anticoagulação por causa não reversível podem ser avaliados para oclusão do apêndice atrial esquerdo, via percutânea, com recomendação 2a. Essa recomendação não existia na diretriz anterior. Ainda, se o risco isquêmico é moderado, porém o risco de sangramento é alto, essa também pode ser uma alternativa após discussão com o paciente e explicação sobre a medicação e o procedimento.
Caso o paciente seja submetido a cirurgia cardíaca por outros motivos, pode-se considerar oclusão do apêndice atrial esquerdo via cirúrgica para reduzir eventos embólicos, mantendo-se a anticoagulação. O benefício do procedimento sem a anticoagulação ainda é incerto.
Sangramento em uso de anticoagulação
Pacientes em uso de anticoagulantes podem apresentar sangramento maior e necessidade de intervenção. Existem algumas medidas recomendadas caso isso ocorra, como o uso de antídotos. No caso de dabigatrana usa-se idarucizumab e, se indisponível, concentrado de complexo protrombínico; no caso de inibidores do Xa, como apixabana, edoxabana e rivaroxabana, usa-se andexanet alfa ou concentrado do complexo protrombínico com 4 fatores; no caso de varfarina usa-se concentrado do complexo protrombínico com 4 fatores associado a vitamina K endovenosa.
Controle de frequência cardíaca (FC) e controle de ritmo
Além da prevenção de eventos embólicos, os pacientes devem ser avaliados para controle de ritmo ou FC. Diversos estudos mostraram não haver diferença em sobrevida quando comparados controle de FC e de ritmo. A decisão deve ser compartilhada e definida em conjunto com o paciente e quando optado por controle de FC, esta deve ser guiada pelos sintomas do paciente, geralmente ficando menor que 100 a 110 bpm em repouso.
Para o controle agudo da FC, no contexto da emergência, as medicações de escolha são os betabloqueadores (BB) ou bloqueadores de canal de cálcio (BCC) não di-hidropiridínicos, como diltiazem ou verapamil. Caso o paciente tenha fração de ejeção reduzida (< 40%), essas medicações não podem ser utilizadas e opta-se por digoxina, magnésio endovenoso e, em último caso, amiodarona endovenosa.
Já para o controle da FC a longo prazo, recomenda-se BB ou BCC. Pode-se também considerar digoxina se houver sintomas de IC associado. Casos refratários à medicação podem ser considerados para ablação do nó AV, com implante prévio de marcapasso.
O controle de ritmo está bem indicado para pacientes com FC e IC com FE reduzida, e pode ser considerado para pacientes com sintomas decorrentes da FA ou FA há menos de 1 ano, com objetivo de reduzir internações, AVC, mortalidade e progressão da FA.
O controle de ritmo pode ser feito com medicações antiarrítmicas, sendo as disponíveis no Brasil propafenona e sotalol. Se não houver sucesso opta-se por ablação por cateter, que também pode ser primeira opção em pacientes jovens sem comorbidades. Outra possibilidade é cirurgia, em pacientes que serão submetidos a cirurgia cardíaca por outro motivo ou em pacientes com FA persistente, refratária a medicação e sintomáticos.
Em caso de necessidade de controle rápido de ritmo, como nas situações de urgência e emergência, pode-se realizar a cardioversão elétrica ou farmacológica. A cardioversão elétrica é a escolha em casos de instabilidade e nos pacientes estáveis ambas as técnicas podem ser utilizadas, sendo a elétrica mais eficaz.
Em casos estáveis com FA de duração maior que 48 horas deve-se realizar anticoagulação por pelo menos 3 semanas ou exame de imagem para excluir trombo intracardíaco. A anticoagulação deve ser mantida por pelo menos 4 semanas após a reversão do ritmo.
Para controle do ritmo com medicação recomenda-se ibutilida (não disponível no Brasil) ou amiodarona, porém esta tem tempo para reversão de ritmo maior, de algumas horas. Pacientes que tem recorrência de fibrilação atrial (FA), fora do hospital, podem se beneficiar da estratégia pill in the pocket, com propafenona via oral em dose única. Quando a FE é reduzida, a única opção é amiodarona.
Para manutenção do ritmo sinusal no longo prazo, em pacientes com IC com FE reduzida utiliza-se amiodarona. Se não houver disfunção ventricular nem infarto prévio, doenças estruturais e áreas de cicatrizes no miocárdio, pode-se utilizar também amiodarona ou propafenona. Sotalol pode ser considerado em casos específicos, na ausência de contraindicações, principalmente distúrbios hidroeletrolíticos e QT longo.
Pacientes em uso prolongado de amiodarona devem ser monitorizados em relação a função tireoidiana, hepatotoxicidade, alteração do intervalo QT, doença pulmonar intersticial, alterações da córnea, pele e neurológicas.
O controle de ritmo com ablação por cateter tem indicações principalmente para pacientes com FA sintomática que não respondem a medicação ou tem contraindicação às mesmas e pacientes jovens com FA paroxística sintomática nos quais se deseja controle de ritmo.
Existem algumas considerações específicas da FA em subgrupos específicos, como com início muito precoce (< 30 anos), atletas, obesos, doenças valvares e congênitas, associadas a alterações da tireoide, doença pulmonar, gestantes, renais crônicos e pacientes oncológicos.
Comentários e conclusão
Como vimos, muito já se sabe sobre a fibrilação atrial (FA) e seu manejo, com diversas recomendações bem embasadas, porém ainda há muito o que aprender sobre seu manejo definitivo e em relação a populações especificas.
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